Ao contrário da prática acadêmica convencional, ela requer pesquisadores envolvidos afetivamente com seus temas, dispostos a compartilhar cada descoberta e preocupados com sentido ético de sua aplicação
O doutorado informal e a possível mergulhaprendizagem
Por Alex Bretas Vasconcelots
Fonte: Outras Palavras.net
Imagine você:
Você não é só você! Você está inserido num emaranhado de conexões de pessoas que se relacionam contigo, entre si e com outras pessoas:
Ao ser afetado pelo exemplo do outro, você olha para os lados, enche o pulmão de ar e… toma coragem para mergulhaprender:
Você persiste no seu mergulhaprender, fazendo disso um processo contínuo, e vai encontrando parceiros no caminho:
E, a cada mergulho, você se sente mais potente para partilhar sua história, suas sabedorias e entregar ao mundo os frutos da sua jornada.
Você se transforma a cada vez que compartilha seus aprendizados, e isso impacta quem te rodeia. Essas pessoas, por sua vez, começam a influenciar outras:
Até que, então, mais alguém se inspira pelo seu exemplo, respira fundo e começa a mergulhaprender:
E assim foi o jeito que encontrei de apresentar visualmente o caminho do doutorado informal, partindo da questão:
Como poderíamos fundar uma nova compreensão de aprendizagem significativa a partir do doutorado informal e de outras referências inspiradoras? No post “O que é um doutorado, segundo quem?”, eu trouxe a explicação de Matt Might a respeito do conceito de doutorado. Procurei utilizar o mesmo método de criar uma sequência simples de imagens, porém destacando o que acredito serem alguns dos principais elementos do doutorado informal a partir de uma metáfora.
Mas, o que é doutorado informal?
O mergulho como metáfora do aprender
É preciso ousadia para mergulhar. Essa coragem vem da curiosidade, de se perguntar: o que será que tem neste oceano? Como será a visão a partir de lá?
Como eu me sentiria mergulhando? Qual deve ser a sensação? Estar genuinamente curioso é um dos pontos-chave do doutorado informal e de vários outros caminhos de aprendizagem que apostam radicalmente na autonomia.Essa ousadia, por outro lado, também tem sede de experiência. Mergulhadores iniciantes anseiam pelo momento em que poderão, finalmente, vivenciar o fundo do mar. A conexão com a ação é explícita desde o início. Isso demanda disposição para sair da zona de conforto e experienciar uma outra forma de perceber e estar no mundo, exatamente como ocorre na aprendizagem.
Após a experiência do primeiro mergulho, é como se a curiosidade se transformasse em inquietação: uma jornada se inicia. A cada imersão, adentramos num espaço novo com perguntas, medos e vontades; a cada retorno à superfície, temos algumas respostas e perspectivas novas, mas ainda mais perguntas. Visto sob essa ótica, mergulhar guarda uma importante semelhança com aprender: ambos são alimentados pela curiosidade, mas acabam por gerar mais vontade de saber. O movimento de imergir-emergir revela, então, a recursividade do processo de aprendizagem — voltar à terra firme nos dá mais “coceira nas ideias” para mergulhar novamente, e mais fundo.
A jornada de se descer cada vez mais no fundo do mar não é uma aventura individual. É preciso sempre que haja ao menos uma dupla que acompanha o mergulhador para checar o equipamento, ajudar a planejar o mergulho e até mesmo doar seu ar caso algo dê errado. Além disso, a dupla vivencia a experiência junto, unindo-se ao seu parceiro para apreciar aquele novo cenário e compartilhar as descobertas feitas.
Parceiros de jornada são essenciais para nos aventurarmos na ousadia de aprender a descobrir e a ver mundos velhos com lentes novas. No doutorado informal, precisamos de gente perto que esteja atenta e que seja capaz de nos afetar. Precisamos de amigos comprometidos com nosso processo de mergulhaprendizagem. “Quando vamos até o fundo do mar, descobrimos que ali jamais poderíamos viver sozinhos. Então, levamos mais alguém. E esta pessoa, chamada de dupla, companheiro ou simplesmente amigo, passa a ser importante para nós. Porque, além de poder salvar nossa vida, passa a compartilhar tudo que vimos e sentimos. E em duplas, passamos a ter equipes, e estas passam a ser cada vez maiores e mais unidas. E assim entendemos que somos todos velhos amigos mesmo que não nos conheçamos. E este elo que nos une é maior do que todos os outros que já encontramos. E isso faz com que nós, mais do que amigos, sejamos irmãos. Faz de nós, mergulhadores”. (Carta aos Mergulhadores — Jacques Yves Cousteau)
Aprendizagem significativa
David Ausubel, um pesquisador norte-americano, propôs na década de 60 que o reconhecimento dos conhecimentos prévios dos aprendizes é um fator-chave para estimulá-los a aprender. Partir da potência e das realidades de cada um para criar oportunidades de reconstruir e recombinar saberes seria, então, a missão dos espaços de aprendizagem. Ausubel propôs seu conceito de aprendizagem significativa no contexto escolar, mas não é difícil perceber a pertinência do que ele afirma não somente para crianças e jovens em escolas, como também para todo e qualquer ser humano.
Não estando restrita à ideia de Ausubel, mas se alimentando dela, uma nova compreensão de aprendizagem significativa universal pode basear-se nos elementos do mergulhaprender: curiosidade, experienciação, recursividade (processo) e cooperação. O doutorado informal — que é o que estou fazendo neste momento com a Educação Fora da Caixa — passa a representar, então, uma jornada de mergulhaprendizagem que se sustenta a partir da livre escolha do doutorando, do que faz sentido para ele.
Reconhecendo sua curiosidade, inquietação ou propósito, qualquer pessoa pode iniciar uma jornada em busca de novas lentes e descobertas e entregar para o mundo algo que seja verdadeiramente significativo para si e para os outros. Em qualquer área, e da forma que for mais recompensador a cada um. O doutorado informal, entendido como uma aventura de mergulhos e aprendizagens, também carrega consigo outro elemento essencial: o empoderamento. Acreditar que o que já somos e sabemos não é só o bastante, mas bastante, é fundamental para mergulharmos rumo aos aprendizados e experiências que queremos — o que retoma a teoria de Ausubel. O mais interessante é que se sentir empoderado (eu posso!) não é somente um passo para se lançar num doutorado informal, é também uma consequência do processo. A cada pequena partilha que o doutorando entrega para o mundo, seu empoderamento e sua emancipação crescem.
É como Joseph Jacotot, o mestre ignorante de Jacques Rancière, descobriu: a partir do princípio da emancipação, aprender se torna uma busca incessante. Mas, para a chama permanecer acesa, é preciso não embrutecer. Nessa busca do mergulhaprender, cada gota precisa ser de sabedoria. André Camargo, numa resposta ao meu texto “O que é um doutorado, segundo quem?” é quem diz: “Pensar a formação humana a partir do cultivo da sabedoria envolve ir além mesmo de buscar um conhecimento vivo. Supõe transferir o foco não apenas da informação para o conhecimento, e do ensino para a aprendizagem, mas do conhecimento para a legitimidade desse conhecimento — como usamos o que conhecemos. Em que medida o conhecimento que conquistamos serve à vida? Eis a questão. Afinal, a história do século XX é a história de como o conhecimento sem sabedoria está nos levando a um colapso sem precedentes”.
A noção de sabedoria, de um conhecimento com consciência conecta-se ao ideal da ecopedagogia: transformar as relações humanas, sociais e ambientais que vivemos hoje. E é bem por aí que os doutorandos informais precisam seguir: de doutores dispostos a deixar tudo como está já temos o suficiente. O caminho, além de passar pela curiosidade, experienciação, persistência e cooperação, também vai nos requerer (e despertar) um punhado de empatia.
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Diversas ideias contidas neste ensaio partiram de contribuições de outras pessoas que atenderam ao chamado da escrita colaborativa. Minha gratidão aos coautores: Milena Franceschinelli, Sérgio Araújo, Jessé Pacheco, Elena Oliveira, Caroline Bucker e André Camargo. Valeu, gente!
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