segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A grande imprensa como fabrica de manipulação e homogeneização ideológico-plítica de informações



     "A mais importante razão para o fechamento em massa de postos de trabalho é o posicionamento político radical da indústria de comunicação. A maior parte do que se noticia ou se deixa de noticiar nestes meios, em especial em matéria de política e de economia, está sujeita a este posicionamento, e não a tradicionais critérios jornalísticos" - Carlos Tautz

Empresas perdem sentido e os jornalistas, seus empregos


Texto de Carlos Tautz


Antes de tudo, minha solidariedade às centenas de profissionais demitidos pelas empresas convencionais de comunicação. E, se isso ajudar de alguma forma, saibam que suas demissões pouco têm a ver com as razões apresentadas pelo patronato. Nada de queda de faturamento, concorrência com a internet, diminuição do número de anunciantes e leitores etc etc A verdade é outra e discutir alguns de seus aspectos mais amplos ajuda a entender o cenário em que nos encontramos.

A mais importante razão para o fechamento em massa de postos de trabalho é o posicionamento político radical da indústria de comunicação. A maior parte do que se noticia ou se deixa de noticiar nestes meios, em especial em matéria de política e de economia, está sujeita a este posicionamento, e não a tradicionais critérios jornalísticos.

Em grande medida, a informação publicada é um ato de fé e de interesse corporativo, que se enquadra em um sistema de ideias. Quem lê ou ouve uma notícia tem de se esforçar para separar o fato objetivo de sua interpretação ideológica.

Sempre foi assim na América Latina. Na ausência de instituições político-partidárias capazes de tecer uma narrativa lógica de sua forma conservadora e reacionária de ver o mundo, entram em ação os conglomerados de mídia para ocupar esse espaço.

Antes, reuniam-se na Sociedade Interamericana de Imprensa para jogar a sua parte na Guerra Fria. Agora, organizam-se no Grupo de Diários Américas para combater os mandatários que sucederam os governos eleitos na onda neoliberal dos anos 1990. Seus alvos preferidos são os governos de Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai (este deposto por uma articulação em que as empresas de comunicação tiveram papel destacado), Peru, Venezuela e Uruguai.

Não é de se estranhar, assim, o que revelam pesquisas de confiança do leitorado. Elas apontam que boa parte do que é publicado vêm rapidamente deixando de fazer sentido para seus leitores, enfastiados de uma cobertura que se caracteriza por uma visão pré-concebida da realidade, recheada de preferências particulares e, muitas vezes, pouco vinculada à realidade factual.

Outras fontes de informação passam, então, a produzir sentido – como os inúmeros informativos gratuitos distribuídos pela internet, celulares etc. Ainda que eventualmente parciais, muitos deles assumem que posição defendem. Ao contrário da mídia convencional, não se arrogam o status de oráculo da verdade, de bastiões da informação crível e de guardião das instituições democráticas.

Blogs, sites e que tais têm seu valor justamente por serem apenas o que são, como atestam seu crescente impacto informativo. Por que então optar pela velha mídia convencional ideologizada?

É emblemático — inclusive por razões históricas — que o mais recente passaralho de grandes proporções ocorra n´O Globo. Ele é uma espécie de núcleo duro ideológico da holding Globo, a maior de sua área no Brasil, que por sua vez inspira politicamente os demais grupos do setor. Mais cedo ou mais tarde, as principais posições políticas do grupo Globo acabam mimetizadas pelas demais empresas.

É a segunda vez em 2015 (a primeira ocorreu em janeiro) que O Globo varre de seus quadros, numa onda só, dezenas de profissionais de imprensa — outras empresas do grupo fizeram o mesmo, mas dissimuladamente. Somando os dois tisunamis, foram quase 80 profissionais da redação mandados embora.

Os concorrentes miméticos d´O Globo seguem caminho semelhante, às vezes por razões distintas. No Rio de Janeiro, foi o caso do recentemente falecido Brasil Econômico, de O Dia e do provedor de acesso à internet IG, pertencentes à Portugal Telecom (PT). A PT investiu em mídia no Brasil buscando influência política para operar a telefônica Oi, em que detém cerca de 30% do capital votante. Sabe-se lá o porquê, a posse dos veículos de comunicação perdeu sentido para a PT, que não hesitou em fechar o BE e deixar o tradicionalíssimo O Dia em estado de alerta.

Em um ano, perto de dois mil postos de trabalho de jornalistas foram fechados no Brasil.

Pelo seu peso específico, o grupo Globo — pertencente à família mais rica do Brasil, segundo a Forbes — é o ator emblemático nesse movimento de perda de sentido das empresas de comunicação e dois momentos são particularmente especiais para exemplificar a repulsa à cobertura de O Globo e a consequente e imediata queda de sua audiência.

O primeiro é a capa do jornal em 17 de outubro de 2013, um dia após a PM ter desocupado a escadaria da Câmara dos Vereadores do Rio, onde centenas de manifestantes se reuniam pacificamente havia semanas. O Globo criminalizou preventivamente e violentamente os manifestantes. Desconsiderou que, culpados ou não, eles ainda precisariam ser julgados pela Justiça.

As consequências foram imediatas. Primeiro, repórteres que vão às ruas cobrir a realidade que a direção do jornal despreza queixaram-se do tratamento editorial das prisões. As caixas de email da redação foram entupidas de mensagens reclamando do tratamento dispensado aos manifestantes (todos foram soltos por falta de provas). E, nos dias seguintes, multiplicou-se por quase 20 o número médio de pedidos de cancelamento de assinaturas.

O jornal não reorientou sua cobertura e simplesmente optou por bloquear os sistemas de recebimento de e-mails e de pedidos de cancelamento.

O segundo momento se deu no início de agosto de 2015.

Um dos herdeiros do grupo Globo, João Roberto Marinho, tomou a iniciativa de procurar a Dilma e a bancada do PT no Senado para informar-lhes que o grupo desembarcara da tese do impeachment — contrariando a verdadeira cruzada pelo impedimento da governante em que seus veículos, a tevê à frente, estavam empenhados desde a posse até aquele momento.

Com efeito, viu-se um abrandamento na ferocidade das críticas a Dilma e ela recebeu generosos minutos no Jornal Nacional para que, pela primeira vez, pudesse se defender dos ataques que recebia.

As áreas de inteligência do governo federal circularam a informação de que essa mudança de posição se deve ao fato de a Globo ter sido escolhida pelos maiores grupos econômicos instalados no Brasil como porta-voz de uma posição de manutenção da ordem democrática. Eles possuem interesses valiosíssimos no País e o impedimento de Dilma poderia afetá-los, em um momento de turbulências internacionais.

Se esta versão se verifica ou não, é outra estória. O fato, objetivo, é que aconteceram as reuniões em Brasília e Dilma ganhou uma valiosa trégua capitaneada pelo mais importante grupo de mídia do País.

Assim, do dia para a noite, aquela que era achincalhada pelo noticiário do grupo Globo transformou-se naquilo que nunca deveria deixar de ter sido: apenas mais uma governante, cuja administração precisa ser escrutinada permanentemente por jornalistas, e não o Judas midiático a quem se imputam de chofre todos os crimes.

Com variações de escala, método e impacto político, situações desse tipo já ocorreram em muitas outras redações País afora. As maiores invariavelmente combinam cobertura conservadora com a publicação de colunistas reacionários e agressivos. Aliás… Quantos colunistas progressistas publicam na imprensa diária?

A sociedade é plural e tem direito a uma comunicação idem. Se não a encontra nas fontes convencionais, procura essa pluralidade em outras fontes.

A segunda grande razão central para o cíclico (e crescente) descarte em massa de postos de trabalho para jornalistas é a opção de os veículos de comunicação agigantarem seus departamentos de entretenimento e transformarem seus veículos noticiosos em meros cadernos divulgadores da sua própria indústria do lazer.

Entretenimento e relações públicas se disfarçam de jornalismo, usando-lhe as técnicas e a credibilidade individual de vários profissionais de imprensa. Vários deles e delas abandonam a redação e passam a estrelar de reality shows a programas de amenidades. Deixam se ser ótimos repórteres e se transformaram em apresentadores enfadonhos e arrogantes.

Jornalistas que insistem em desvelar as relações de poder passam a ser peças indesejáveis e altamente descartáveis. A extinção de postos de trabalho integram-se à lógica desse setor de informação-entretenimento (infotainment, como  um teórico estadunindense já chamou).

O próprio jornalismo passa a ser indesejado e inviável, se for entendido como uma forma de investigação e de vigilância sobre as relações entre o Estado e as corporações. Dessa maneira, por exemplo, fica impossível o grupo Globo cobrir as fraudes na CBF. Há décadas, ambos são sócios nas transmissões de futebol.

Entretanto, por mais sombrios que sejam, esses não são os únicos futuros possíveis para a nossa profissão. Quem a entende como uma forma de intervir na realidade tem vários e promissores exemplos alternativos, mesmo entre as empresas de comunicação que operam rigorosamente dentro dos limites do mercado de notícias.

Há experiências de organizações de jornalistas independentes — como a  Agência Pública no Brasil e o International Consortiun for Investigative Journalism nos EUA. Mas, o exemplo ótimo de empresa jornalística lucrativa e crítica — que vem rapidamente se recuperando de prejuízos em anos passados e batendo recordes internacionais de audiência — é o inglês The Guardian.

Não à toa, foi ao Guardian que Edward Snowden denunciou o sistema mundial de espionagem montada pela NSA estadunidense. O Guardian é uma prova concreta de que o jornalismo é viável sob qualquer ponto de vista.

A hora da demissão dói tanto que parece que nunca irá acabar. Quanto mais laços profissionais e de amizade pessoal se criam nos locais de trabalho, mais dramático e longo é esse momento triste. Para que ele sirva de lição, precisa ser compreendido como de fato é: não um ponto final. Mas, um ponto de partida para recriar o sentido do jornalismo e de jornalistas.

Carlos Tautz é jornalista

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