segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A urgência e a emergência da luta antifascista no Brasil


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"Há cerca de dois anos, as forças político-partidárias estavam acintosamente polarizadas, mas não se passava o mesmo em intensidade com a sociedade. Hoje a sociedade se polarizou inequivocamente, percebendo o perigo dessa situação, algumas forças politico-partidárias ensaiam sinais de reconciliação. A iniciativa veio tarde demais e já não poderá dar frutos no processo eleitoral, só depois. A eleição deixou de ser solução definitiva para a crise quando se optou por manter Lula, o centro de facto, preso. "

Do Jornal GGN:


A urgência e a emergência da luta antifascista no Brasil
por William Nozaki
O que parte da sociedade e das forças políticas não compreenderam sobre o último período é que a defesa de Lula Livre não é uma concessão ao PT, mas uma necessidade para a sobrevivência da democracia brasileira.
Lula é o verdadeiro "centro gravitacional" de nossa dinâmica sociopolítica, qualquer tentativa de fazer de Alckmin, Marina ou Ciro uma "terceira via" é artificial e enganosa, pois parte do diagnóstico equivocado de que Bolsonaro e Haddad são pólos equivalentes, o que é um absurdo, pois, a autoritarismo do primeiro não se compara ao republicanismo do segundo.
Esse erro está sendo levado a cabo pela confluência de outros quatro fatores: (i) o crescimento de Bolsonaro como candidato anti-petista e "anti-sistêmico", na esteira da exposição midiática que teve com o atentado; (ii) o desespero das candidaturas de Alckmin, Ciro e Marina com a chance cada vez mais remota de ida para o segundo turno, estimulando o discurso de que o bolsonarismo não pode ser vencido pelo petismo; (iii) as ambiguidades da candidatura petista na defesa da libertação de Lula e na questão do indulto, bem como os inadvertidos e antecipados acenos em direção ao mercado; (iv) as movimentações tresloucadas de Paulo Guedes, Hamilton Mourão e nas reações contra as mulheres do #EleNão.
O resultado desse cenário é que o debate sobre a "questão do desenvolvimento", que permite associar Bolsonaro e Alckmin a Temer, está sendo precocemente substituída pela "questão da democracia" e da luta antifascista, que põe em dúvidas a capacidade de o professor-prefeito vencer o capitão reformado.
Esse debate tem se expressado na opinião pública de duas maneiras: na discussão sobre a antecipação do voto útil no primeiro turno (em Alckmin ou Ciro) e no debate sobre a organização de um bloco democrático e antifascista também já no primeiro turno. Certo está que o fascismo não pode ser subestimado, mas dissociar essa luta do Lula Livre é praticar o auto-engano, pois é fingir que outra figura pode "despolarizar" as eleições e a política, o que simplesmente não é verdade.
Há cerca de dois anos, as forças político-partidárias estavam acintosamente polarizadas, mas não se passava o mesmo em intensidade com a sociedade. Hoje a sociedade se polarizou inequivocamente, percebendo o perigo dessa situação, algumas forças politico-partidárias ensaiam sinais de reconciliação. A iniciativa veio tarde demais e já não poderá dar frutos no processo eleitoral, só depois. A eleição deixou de ser solução definitiva para a crise quando se optou por manter Lula, o centro de facto, preso. Isso cria uma armadilha para os eleitores progressistas em geral e para os petistas em particular.
No que se refere ao eleitor progressista, a arapuca está no fato de que a transferência de votos de Lula para Haddad tem se mostrado tão exitosa que a cada nova pesquisa se torna mais impensável conceber um segundo turno sem Haddad. De modo que, de forma estilizada, o voto útil da classe média do Sudeste em Ciro Gomes já não é mais capaz de deter o voto popular dos trabalhadores do Nordeste em Fernando Haddad, o único efeito desse suposto voto útil agora é enfraquecer a ida do PT para o segundo turno.
Já no que diz respeito aos petistas, o engodo está em, sob pretexto de querer acertadamente debater a "questão do desenvolvimento" e as relações entre Temer, Bolsonaro e Alckmin, negligenciar o fato de que, gostemos ou não, a agenda anti-fascista, pro-democrática e de construção de um bloco mais amplo, já ocupou a preocupação dos eleitores e tomará as ruas, ao que tudo indica, antes do fim do primeiro turno. Nesse cenário, o PT não pode repetir o erro de 2013, qual seja: deixar de participar do movimento porque ele não nasceu petista e teima em não respeitar o calendário da tática eleitoral do partido.
Estamos, portanto, diante do risco de duas profecias auto cumpridas: eleitores progressistas que achando que Haddad terá mais dificuldades de vencer Bolsonaro no segundo turno estão criando mais dificuldades para Haddad vencer Bolsonaro no segundo turno, antecipando um voto útil que não será vitorioso; apoiadores petistas que, com medo de que o movimento antifascista atrapalhe a migração de votos para Haddad, estão criticando indevidamente o timing e amplitude do movimento, o que também pode atrapalhar o crescimento eleitoral de Haddad.
Em uma conjuntura tão complexa como essa o mais aconselhável é não promover rinhas entre verdades cristalizadas e a realidade em mutação acelerada. Sendo assim, assuma-se: a polarização se entranhou nas eleições e ela será, a um só tempo, a luta da democracia e do desenvolvimento contra o fascismo e o neoliberalismo, com contradições, ambiguidades, com tudo.
William Nozaki - professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Possui graduação em Ciências Sociais pela USP e mestrado em Economia pela UNICAMP onde realiza o doutorado em Desenvolvimento Econômico. Atua nas áreas de economia política e brasileira pesquisando temas como crescimento econômico, concentração de riqueza e distribuição de renda.

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