domingo, 9 de agosto de 2020

Comissão Pastoral da Terra se despede de Dom Pedro Casaldáliga que enfrentou o fascismo da ditadura militar


Para além das fronteiras eclesiais, Pedro é patrimônio e referência para cidadãs e cidadãos de todo canto que lutam em defesa da democracia, de quem sonha um mundo mais justo e igualitário, de quem quer uma Amazônia livre e preservada

Jornal GGN:

da Comissão Pastoral da Terra

CPT, na esperança que não morre, se despede de Pedro Casaldáliga

“De golpe, com a morte,
Minha vida se fará verdade.
Por fim terei amado!”
(Pedro Casaldáliga, Profecia extrema)
É com imenso pesar, mas também com fé e esperança, que nós, da Comissão Pastoral da Terra, nos despedimos de Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de S. Félix do Araguaia (MT), um dos nossos principais fundadores, falecido na manhã deste sábado (8).
Por palavras e atitudes genuinamente proféticas, Pedro, como gostava de ser chamado, foi uma das maiores referências humanas, sociais e eclesiais de dignidade, fraternidade e justiça, práticas que sinalizam a concretização do Reinado de Deus, inaugurado por Jesus de Nazaré, a quem buscou e amou com fidelidade a toda prova. Traduzindo em prática permanente esta fidelidade ao Deus, que “no ventre de Maria se fez homem e na oficina de José se fez classe”, pôs-se a serviço das grandes causas da humanidade, o que o levou a enfrentar destemidamente toda forma de poder, opressão e morte que sacrifica vidas de pobres, peões, posseiros, trabalhadores e trabalhadoras na Amazônia, marginalizados no Brasil e em vários países latino-americanos.
Pedro se tornou um patrimônio da Igreja que busca ser fiel ao Evangelho, que acatou a renovação promovida pelo Concílio Vaticano II e pela Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín, que traduziu o Concílio para nosso subcontinente. Para além das fronteiras eclesiais, Pedro é patrimônio e referência para cidadãs e cidadãos de todo canto que lutam em defesa da democracia, de quem sonha um mundo mais justo e igualitário, de quem quer uma Amazônia livre e preservada para os povos e comunidades ali presentes e de tradição milenar, e para o bem de toda a humanidade e o planeta, ameaçados como nunca.
Esta trajetória mística e profética sacudiu cercas do latifúndio, porões da Ditadura Civil-Militar e estruturas de dominação, até dentro da Igreja Católica, e o transformou em um dos homens mais odiados por muitos poderosos e associados beneficiários deste poder. E, pelas mesmas razões, uma das pessoas mais amadas por gente de boa vontade nos mais variados setores e lugares. Seu jeito de ser e agir, radical ao falar e querer o direito e a paz da gente empobrecida e injustiçada, plantou sementes de vida e esperança entre povos e comunidades e animou suas lutas. Em sua ânsia por ser fiel ao Evangelho encarnado nas situações concretas, Pedro foi decisivo na criação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e na afirmação das Comunidades Eclesiais de Base, “jeito de toda a Igreja ser”, como dizia ele.
Não é este – pelo avançar da necrose política e social – um momento para perder uma liderança como a de Pedro. Mas, pela idade (92 anos exemplarmente vividos) e pela doença (seu “irmão Parkinson”), foi merecido descanso, o que nos consola. Torne-se, então, mais resplandecente a luz de seu exemplo! Milhares de vozes agradecidas se levantam, no campo e na cidade, em inúmeras comunidades, aldeias, quilombos, templos, terreiros e periferias, a proclamar a vida e a ressurreição: Pedro vive no meio de nós! Também entre os bispos redatores da Carta ao Povo de Deus, entre eles os dois diretores da CPT, que estavam em reunião virtual quando da notícia da passagem de Pedro. Com a tristeza brotaram também as preces de gratidão pela sua vida e testemunho e de pedido da sua intercessão para que continue o profetismo na Igreja. Junto de Deus, para sempre vivo no meio de nós, Pedro nos convoca a todos e todas à imperiosa necessidade de continuar a caminhada, acreditando na força dos fracos, na radicalidade evangélica, “no clarão maior da aurora quanto mais escura a noite”, na profecia dos povos, no Bem Viver, na Terra Sem Males.
Pedro, por onde você andou, anunciou a terra esperada, denunciou a morte matada; Pedro, você que já se dispôs tantas vezes a morrer no lugar de outros, pequeninos; Pedro, poeta amoroso, agora você nos deixa sem você, a pelejar ainda “neste vale de lágrimas”; Pedro, vai sabendo que lhe somos eternamente gratos e gratas pelas marcas que deixou indeléveis no Caminho e o modo como segui-las, sem vacilar; Pedro, na certeza que Deus lhe acolhe, continuaremos como você a lutar e a “esperar contra toda esperança”. Amém, Axé, Awere, Aleluia!
Goiânia, 08 de agosto de 2020.
Diretoria e Coordenação Nacional da CPT

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