O BRASILEIRO NUTRE uma falsa esperança que o ano de 2017 será melhor que o de 2016. Os últimos tempos em Brasília não foram nada fáceis: impeachment de uma presidente, prisão de políticos suspeitos de corrupção, delações premiadas atingindo a cúpula do governo e respingando na Presidência da República, aprovação da PEC 55 – que impõe o congelamento de investimentos por 20 anos –, enfrentamentos nas rua, possibilidade de cassação do mandato do atual presidente. Os fatos se avolumam e dão pistas de que o ano próximo será instável e imprevisível.
Despachando no terceiro andar do Planalto, o presidente Michel Temer mantém uma preocupação constante. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), corre um processo que pode retirá-lo Presidência e abrir espaço para uma eleição indireta, em que o Congresso Nacional seria chamado a escolher um novo mandatário. Na denúncia apresentada pelo PSDB, os tucanos apontam suposto abuso de poder econômico e político da chapa Dilma Rousseff-Temer durante a campanha presidencial de 2014. Além disso, sustentam que a campanha teria sido abastecida com recursos ilícitos, derivados de desvios ocorridos na Petrobras.
Brasília- DF 23-11-2016 Presidente, Temer durante Cerimônia de posse do ministro da Cultura, Deputado<br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br />
Roberto Freire<br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br />
Palácio do PlanaltoFoto Lula Marques/AGPT
Michel Temer tenta separar responsabilidades sobre contas de campanha da chapa de disputou como vice de Dilma as eleições em 2014

Foto: Lula Marques / AGPT
Advogados de Temer tentam emplacar no TSE a tese de separação das responsabilidades de uma chapa eleita. O objetivo é não comprometer Temer com as supostas irregularidades nas contas e, assim, preservá-lo no mandato. No entanto, o entendimento na justiça eleitoral é que uma chapa é indivisível. No TSE, até o momento, o ministro Gilmar Mendes, presidente da Corte, sinaliza pela possibilidade de divisão, e cita um caso ocorrido na eleição de 2006 ao governo de Roraima. O vencedor do pleito, Ottomar Pinto, era alvo de um pedido de cassação, mas morreu no meio do processo. À época, a Justiça decidiu manter o vice dele, Anchieta Júnior, como governador. Além de Mendes, o ministro Luiz Fux também acredita que épossível separar as contas de campanha de Dilma e Temer.

TSE imprevisível

Para haver maioria no TSE são necessários 4 votos, de um total de 7. Como o processo caminha para um resultado imprevisível, a defesa do presidente já tem um plano B. No primeiro semestre de 2017 dois ministros terminarão seus mandatos no TSE: Henrique Neves da Silva e Luciana Christina Guimarães Lóssio. Temer conta com a possibilidade de um pedido de vistas ou até mesmo que o processo seja postergado até a saída desses ministros. Caberá a ele a indicação dos dois novos integrantes, e há uma expectativa de serem alinhados à tese de separação de contas.
Relator do processo, Herman Benjamin disse que o caso “é o maior da história” do TSE e que a decisão será “histórica”. Em caso de condenação, como a ex-presidente já foi afastada, o atual é que estará sujeito à perda de mandato. Dilma, no entanto, poderia ficar inelegível, o que não ocorreu com o  julgamento do impeachment no Senado, quando teve preservados os direitos políticos, após um controverso acordo entre o senadores e o ministro Ricardo Lewandowski, que conduzia o julgamento.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim fala na Comissão especial sobre o pacto federativo, durante audiência pública (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Nelson Jobim, ex-presidente do STF, está entre os nomes citados para possível eleição indireta para a Presidência

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
A possibilidade de cassação da chapa já fez surgirem nomes que poderiam constar como candidatos numa eleição indireta para a Presidência em 2017. Entre eles está o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e do ex-ministro Nelson Jobim. Mas parte dos congressistas não está convencida da ideia de tomar para si uma responsabilidade popular de eleger um presidente e pressiona para a votação de uma PEC quepermita eleições diretas, caso o presidente deixe o poder até seis meses antes do fim do mandato (hoje a eleição direta ocorre apenas caso a saída do presidente e do vice ocorra nos dois primeiros anos).
Toda essa incerteza quanto à Presidência tem deixado políticos com os nervos à flor da pele em Brasília, até porque estão previstas mudanças também no Congresso. No início de fevereiro ocorrerão novas eleições para as presidências da Câmara e do Senado. Renan Calheiros, réu no STF por peculato, e que recentemente foi retirado pelo STF da linha sucessória presidencial, deixará a presidência do Senado depois de sua controversa atuação. Quem ocupa o posto recebe também a função de presidir o Congresso.
Na Câmara, o presidente Rodrigo Maia (DEM) – atualmente o segundo na linha de sucessão da Presidência da República – busca uma brecha jurídica para disputar a reeleição, ainda que o regimento da Casa impeça esse movimento, exceto quando há mudanças de legislaturas. Para isso, o deputado busca pareceres jurídicos de fora da Câmara para justificar essa possibilidade de candidatura, entre eles um produzido pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso.

Operação salve-se quem puder

Para embolar mais ainda a disputa de poderes em Brasília, a delação premiada de um ex-executivo da Odebrecht cita o presidente Michel Temer (PMDB), Renan Calheiros (PMDB), Rodrigo Maia (DEM), ministros do governo, senadores e membros da oposição.



A delação da Odebrecht pode fazer um arrastão no mundo político. Membros do governo e o próprio Michel Temer citados. Quem sobrou?
O vazamento da primeira delação da empreiteira (foram feitos 76 acordos) teve impacto direto na base política do governo no Congresso. No documento, Temer aparece 43 vezes; o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), 45; Moreira Franco (Secretaria de Parceria e Investimentos), 34. Também citado na delação, o assessor especial da Presidência, Jose Yunes, entregou essa semana sua carta de demissão a Temer. Ele aparece no depoimento como como recebedor de R$ 4 milhões em dinheiro vivo. Yunes era um dos auxiliares mais próximos de Temer.
Após citação a Temer na delação da Odebrecht, o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), sugeriu ainda a renúncia de Temer, assim como a realização de eleições gerais com disputas não apenas para a Presidência, mas também para o Congresso (Câmara e Senado). A fala de Caiado foi vista em Brasília como uma estratégia para se cacifar numa provável eleição indireta em 2017.
Outros citados em escândalos como Romero Jucá (PMDB) e Geddel Vieira Lima (PMDB), deixaram o governo após aparecem em situações que causaram embaraço a Temer. Por enquanto, o Planalto insiste em transmitir a ideia de estabilidade e não fala em demissão de ministros. Porém, a possibilidade de uma minirreforma para realocar forças políticas é cogitada para fevereiro. As mudanças sugeridas ocorreriam no Ministério da Saúde, hoje na cota do PP, e do Trabalho, na do PTB. Antônio Imbassahy (PSDB-BA) também seria oficializado na Secretaria de Governo, pasta que fora de Geddel.
(Brasília - DF 25/11/2016) Presidente Michel Temer recebe lideranças do PSDB para almoço no Palácio da Alvorada.<br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br />
Foto: Beto Barata/PR
Temer recebe Fernando Henrique e Aécio Neves para almoço no Alvorada em novembro

Foto: Beto Barata / PR
O PSDB, fiel da balança de sustentação da governabilidade de Temer, é outro insatisfeito com os rumos do governo. Os tucanos perceberam a fritura do Planalto tanto nas denúncias que já apareceram quanto nas que estão por vir. Para evitar que o partido rompa com o governo e que isso gere um efeito cascata em outras legendas, o presidente tenta “amarrar” o tucanos. A moeda de troca é o cargosugerido a Imbassahy. Vale registrar que o PSDB já ocupa o Ministério das Relações Exteriores, com José Serra (PSDB-SP), o Ministério das Cidades, com Bruno Araújo (PSDB-PE), e a liderança do Governo no Congresso, com Aloysio Nunes (PSDB-SP).

Choque entre Judiciário e Legislativo

Do outro lado da Praça do Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal dá a entender que vai estender para 2017 os embates que tem travado com o Legislativo. Na última quarta-feira (14), o ministro do STF Luiz Fux determinou que a Câmara dos Deputados recomece do zero a votação do pacote das medidas anticorrupção, aprovado no final de novembro pela Casa. Entre as medidas, os deputados incluíram a responsabilização de integrantes do Judiciário e do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade, o que atiçou a relação já conturbada entre os poderes. Segundo Fux,  “o Poder Legislativo não pode desvirtuar conteúdo de projeto de iniciativa popular, assumindo a proposta em nome próprio e mudando o objetivo original”.
“O Legislativo não pode desvirtuar conteúdo de projeto de iniciativa popular”
Para os parlamentares, porém, o Judiciário também não pode desvirtuar os trâmites do Legislativo. Rodrigo Maia recebeu a decisão de Fux como uma “intromissão indevida do Judiciário” no Poder Legislativo. De acordo com Maia, uma equipe técnica da Casa avaliará as medidas cabíveis para questioná-la. Acostumado a tecer comentários à decisões dos colegas, Gilmar Mendes criticou Fux, afirmando que o STF vive um “surto decisório”: “não sei se é a água que estamos bebendo no tribunal. Estamos em tempos esquisitos”, acrescentou o ministro.
“Estamos em tempos esquisitos”
E não é de hoje que decisões proferidas pelo STF são percebidas como interferências na autonomia de outro poder. No início de dezembro, ao conceder liminar afastando Renan da presidência do Senado, Marco Aurélio abriu uma nova fase da crise com o Congresso. Ao final do impasse, a Corte decidiu por manter Renan na presidência do Senado, mas retirá-lo da linha sucessória presidencial.

Ruas respondem à intranquilidade

Ao que tudo indica a guerra entre os poderes não dará trégua tão cedo. E, enquanto essa medição de força toma conta dos corredores do Congresso e do STF, do lado de fora, os movimentos sociais reagem às políticas propostas e aprovadas sem que o diálogo com a sociedade tenha sido de fato estabelecido.
As ruas estão em um processo de convulsão social, e ao que tudo indica continuará em 2017 ao passo que avançam no parlamento as discussões sobre a reforma da Previdência. Na semana passada, um protesto contra o governo Temer terminou mais uma vez em confronto entre manifestantes e a Polícia Militar do DF. Estudantes foram às ruas para protestar contra as matérias do governo estavam em discussão no Congresso, como a PEC 55/2016. Houve forte repressão da PM, com bombas de efeito moral e spray de pimenta antes mesmo da marcha começar. As pautas do governo Temer têm desagradado à população, e isso reflete diretamente na popularidade do presidente, que segundo Ibope é de 13% de aprovação.
É nesse clima hostil que o brasileiro terminará o ano de 2016: o país subvertido numa guerra infindável entre os Poderes e constante intranquilidade democrática. Às portas, 2017 insiste em querer repetir algumas velhas histórias, mas carregado de novas esperanças.