sexta-feira, 31 de março de 2023

Dia 31 de março, desordem do dia (aniversário do golpe criminoso militar). Gregório Bezerra presente!, por Armando Coelho Neto

 

"O trauma militar faz parte da história do Brasil. Após prender fora da lei, torturar, matar, exilar, humilhar, os militares se auto-anistiaram e voltaram para casa como cães sarnentos livres leves e soltos, mas nunca largaram o osso. Mais que isso, mantiveram privilégios e entram para a história como a força armada que mais matou seu próprio povo do que quaisquer inimigos externos."

#ditaduranuncamais



Dia 31 de março, desordem do dia. Gregório Bezerra presente!

por Armando Coelho Neto

Algum militar de alta patente da ativa foi preso, denunciado, sequer apontado como autores, coautores, cúmplices, incentivadores, financiadores no que diz respeito à tentativa de golpe de estado desencadeada no dia 8 de janeiro último, quando dos ataques terroristas aos edifícios-sede da praça dos Três Poderes, em Brasília? Pelo menos, até a colocação do ponto final dessa conversa, parece que não.

O trauma militar faz parte da história do Brasil. Após prender fora da lei, torturar, matar, exilar, humilhar, os militares se auto-anistiaram e voltaram para casa como cães sarnentos livres leves e soltos, mas nunca largaram o osso. Mais que isso, mantiveram privilégios e entram para a história como a força armada que mais matou seu próprio povo do que quaisquer inimigos externos.

Sem justiça de transição, perdoaram seus próprios crimes, e por falta de argumento melhor, disseram que houve vítimas de ambos os lados. Na mais recente tentativa de golpe, em nome da normalização, da pacificação, pegaram carona no dístico de que “o amor venceu o ódio” e é o amor que dever ser imposto. Dessa forma, os culpados declararam que não é hora de procurar culpados. A conferir, também.

O velho modelo militar cristalizou no tempo. O nacionalismo, o patriotismo faz parte um ideário difuso, de cunho aforístico, lendário e/ou cinematográfico, tudo com cheiro de mofo e coturnos manchados de sangue. Movidos pela paranoia do fantasma do comunismo – que nunca ameaçou e nem ameaça o Brasil, vivem distantes da sociedade, sobretudo dos mais pobres e das questões sociais.

Sim, ficou batido dizer que a República nasceu de um golpe, cujo principal protagonista foi o marechal Deodoro da Fonseca (15/11/1989). Desde então vige a sanha da caserna em querer tutelar o Brasil. O cão do golpe com sarnas e pulgas expostas, exercita na surdina sua convivência com a população civil, ora rosnando, ora fingindo dormir, com as patas sobre o osso que não larga, faz do país seu refém.

“Generais de hoje são (cúmplices dos) torturadores de ontem …” é o título de um artigo de Ivônio Barros, membro Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos. Nela, o autor lembra vícios seculares das Forças Armadas, destacando entre outros pontos, que os comandantes, oficiais-generais são contrários à abertura dos arquivos da ditadura militar (1964-1985) querem esconder a verdade.

Segundo o autor, grande parte dos militares são contra a verdade, mesmo que não tenham se envolvido nos casos bárbaros de torturas e assassinatos de militantes políticos. Como são fartas as notícias sobre arbitrariedades nos tempos da ditadura militar, ao assumirem postura contrária às investigações, abertura de arquivos e tudo o mais, mesmo os novos acabam se tornando cúmplices dos crimes da ditadura.

Se para assaltos e corrupção as penas possam estar prescritas, caberia advertir que a tortura é crime que não prescreve, alerta Ivônio Barros. Quem não participou da barbárie, mas ajuda a esconder o passado tem culpa no cartório. São indiscutivelmente cúmplices de torturadores e ou de seus auxiliares. Aliás, a lei pune todo aquele que tem o dever de apurar, com agravante para servidor público.

Se os militares que têm posição de mando e comando hoje não têm nenhuma responsabilidade com os crimes do passado, diz Ivônio, deveriam ser os primeiros a lutar, reivindicar arquivos abertos e que uma comissão especial de investigação fosse formada para identificar quem torturou, quem matou e quem foi partícipe desses atos (incluindo médicos, legistas, policiais, funcionários públicos etc).

“Quando um filho olha para o pai, oficial das Forças Armadas, tem dúvida se ele foi torturador”, pontua o articulista. Quando um cidadão participa de uma cerimônia oficial e vê um oficial-general, olha para ele e vê um potencial assassino torturador, alguém que não deveria estar ali. Na sequência, ele pergunta: será que esses oficiais não sentem nenhum constrangimento? O leitor pode presumir que não.

O constrangimento é zero. À revelia das leis da caserna e dos bons militares (existem, pasmem!) a candidatura do ex-capitão foi urdida nos quarteis, com inequívoco apoio do suposto templo da pretensa idoneidade militar, que é a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), a qual serviu de palco para manifestações políticas conforme vídeos removidos das redes sociais.

Com o advento do AI-5 (13 de dezembro de 1968), o autor do texto lembra que as prisões, torturas e assassinatos se avolumaram. “Os aparelhos de repressão das Forças Armadas ficavam mais cruéis e mais sofisticados. Ao mesmo tempo, o pessoal da área de ‘inteligência’ se tornava mais poderoso na estrutura administrativa e política do governo ditatorial”. Deu no que deu, caro leitor.

Não adianta tentar dizer que não houve tortura e matança entre os anos de 1964 e 1968. O próprio Superior Tribunal Militar já admitiu essa realidade. E, nesse momento, cabe lembrar que os próprios militares foram os torturados pelos seus pares, em especial os quadros de praça (cabos, sargentos) envolvidos em rebeliões e ou em movimentos de apoio ao governo João Goulart.

O sargento Gregório Bezerra (1900 a 1983) é um deles. Militante político do Partido Comunista, deputado constituinte de 1946 e forte opositor da Ditadura Militar de 64, foi torturado em praça pública e foi arrastado pelas ruas do Recife num primitivo espetáculo medieval. Vivo fosse, fugindo a lógica dos chamamentos do Criador, estaria aniversariando no dia 13 de março. Acolham essa fala como homenagem.

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

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