domingo, 23 de julho de 2023

Jamil Chade, em sua coluna do UOL: Ida a continente errado mostra ignorância bolsonarista em direitos humanos

 

Do UOL:

A viagem, acima de tudo, revela o desconhecimento e ignorância do grupo em relação aos direitos humanos e à diplomacia brasileira. Como bem disse meu companheiro Chico Alves, "esse avião passa na ONU?".

21.set.2021 - O ex-presidente Jair Bolsonaro durante o discurso de abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU. Imagem: AFP

Jamil Chade - Colunista do UOL


Afinal, onde fica a ONU? Bom, depende do assunto que você pretende tratar. Caso seja um tema relacionado com a paz mundial, o destino é Nova Iorque e seu Conselho de Segurança. Se a questão for drogas e crime, pegue um avião para Viena. Se o assunto for Justiça, Haia é o destino. Se a questão é moradia, o interessado deve se encaminhar para Nairobi. Já temas sobre cultura e educação, a sede fica em Paris.

Mas se o assunto for a situação de pessoas detidas e a questão de direitos humanos, é uma obrigação ir até Genebra, na Suíça.

Nos últimos dias, descobrimos que os senadores Eduardo Girão (Novo-CE), Magno Malta ( PL-ES) e Carlos Portinho (PL-RJ), juntamente com o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) foram até Nova Iorque para entregar à ONU documento assinado por 52 parlamentares bolsonaristas. O texto "denuncia" uma suposta violação de direitos dos cerca de 200 extremistas que continuam presos e que atacaram a democracia brasileira em 8 de janeiro.

A viagem, acima de tudo, revela o desconhecimento e ignorância do grupo em relação aos direitos humanos e à diplomacia brasileira. Como bem disse meu companheiro Chico Alves, "esse avião passa na ONU?".

Bom, a realidade é que o Comitê de Direitos Humanos da ONU tem sua sede, seu escritório e seu staff no Palais Wilson, edifício à beira do Lago Leman e antiga sede da Liga das Nações.

Sempre foi lá. Nunca mudou.

Ele implementa a Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos. Apesar de um tratado ser de 1966, foram necessários mais dez anos para que ele entrasse em vigor e tivesse a ratificação de um número mínimo de governos para funcionar.

Hoje, caso os bolsonaristas acertem o destino de sua denúncia, terão de esperar entre dois e cinco anos para que uma decisão seja tomada.

Curiosamente, trata-se do mesmo órgão que examinou a petição entregue por Luiz Inácio Lula da Silva, denunciando a parcialidade do então juiz Sergio Moro. Anos depois da queixa e com Lula já solto, o órgão da ONU confirmou que o ex-juiz e atual senador cometeu irregularidades em seu comportamento.

Naquele momento, bolsonaristas acusaram a ONU de comunista, globalista e outras palavras que duvido que saibam o significado.

Agora, serão exatamente os mesmos peritos que irão avaliar o caso dos bolsonaristas.

O que aconteceu para que eles recorram ao órgão que tanto atacaram?

Mas não vamos nos antecipar. Primeiro, temos de encontrar o endereço certo. Para isso, basta um correio eletrônico com as informações. Para facilitar, deixo aqui o email:

ohchr-petitions@un.org

Há também uma segunda opção, enviando por correio tradicional. Neste caso, o endereço é:

Petitions and Inquiries Section/Human Rights Committee

Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights

United Nations Office at Geneva

1211 Geneva 10, Switzerland

Não há necessidade de colocar o continente. Os correios sabem onde fica a Suíça.

Mas, antes disso, a petição terá de ser enviada por meio de um formulário. Neste caso, entrem e preencham os dados solicitados no link:

https://www.ohchr.org/en/documents/tools-and-resources/form-and-guidance-submitting-individual-communication-treaty-bodies

Detalhe: não vale preencher em português.

Fazer um lobby certamente é parte do jogo. Mas entregar um documento para o embaixador do Brasil na ONU em Nova Iorque é bater à porta errada. Para que o assunto tenha seguimento, o destino seria a missão do Brasil na ONU, em Genebra.

Sugiro procurar um dos diplomatas mais experientes e bem relacionados do Itamaraty: Tovar Nunes da Silva, o embaixador encarregado de temas de direitos humanos.

De fato, era para Genebra que Damares Alves e sua tropa ultraconservadora embarcavam cada vez que discursavam ou iam defender sua agenda indefensável de direitos humanos na ONU. Eram solenemente ignorados ao tentar fazer vingar suas ideias.

Em certas ocasiões, me deparei com funcionários de altíssimo escalão da ONU zombando da delegação de Damares, depois dos encontros que mantinham com a delegação brasileira.

Isso é outra história. Mas, como diz a escritora Juliana Monteiro, é a mesma história.

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