segunda-feira, 26 de maio de 2025

Vergonhoso ato de fascismo bolsonarista junto com fundamentalistas religiosos em Ilhabela, SP: Alvo de ataques, professor pede demissão após aula sobre mitologia em escola cívico-militar de SP

 

 

Do ICL Notícias:

PAÍS

Alvo de ataques, professor pede demissão após aula sobre mitologia em escola cívico-militar de SP

Docente é alvo de ataques de um vereador de extrema direita e da gestão de Ilhabela após aula sobre o conceito de tempo em diferentes culturas para uma turma do 6º ano


Por Gabriel Gomes

César Augusto Mendes Cruz, professor e doutorando em História, pediu demissão da Escola Municipal Senador Major Olímpio, que adota o modelo cívico-militar na cidade de Ilhabela, no litoral de São Paulo, depois de sofrer ataques de um vereador de extrema direita e da gestão do município após uma aula sobre o conceito de tempo em diferentes culturas para uma turma do 6º ano.

A aula, dada no início do ano letivo deste ano, abordava as interpretações de tempo na cultura ocidental e na cultura iorubá, com o mito de Irokô. Em um dos momentos, o professor apresentava três obras de arte que retratam o tempo como figura masculina idosa: uma pintura de Francisco Goya, uma de Rubens e uma de Jacopo del Sellaio. A atividade terminou com a canção “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso.

Após um ciclo de quatro aulas sobre o assunto, César Augusto relata que algumas famílias procuraram a Secretaria de Educação de IlhaBela alegando que o professor estaria “mostrando material impróprio”. “Supostamente, um dos alunos não estava dormindo de medo por causa da pintura de Goya”, diz o docente. A pintura do artista espanhol exibida foi “Saturno devorando um filho”.

“Saturno Devorando Seu Filho”, do pintor Francisco Goya. (Foto: Reprodução)

O alto escalão da Secretaria, sem aviso prévio, realizou uma reunião com o professor, na própria escola municipal. “Eu fui pego de surpresa. Vieram com a pauta de que as famílias haviam reclamado, queriam saber de que maneira a minha aula se enquadrava no currículo”, conta o professor César Augusto.

“Eles já vieram com o currículo na mão, como censores mesmo, querendo saber de que maneira a minha aula se enquadrava dentro das habilidades previstas. Eu estranhei a abordagem, fiquei acuado por sentar em uma sala com três chefes”, completa. O professor encaminhou um ofício à Secretaria de Educação da cidade solicitando a ata da reunião, mas não obteve resposta.

“Me senti extremamente vulnerável institucionalmente, porque as regras da administração pública não foram acolhidas nesse sentido. A regra diz que eu não posso ter contato direto com a chefia que não seja a minha chefia imediata e eu fui levado para uma salinha que tinha o alto escalão da Secretaria de Educação”, relata o professor.

Professor

Professor César Augusto Mendes Cruz. (Foto: Arquivo Pessoal)

Professor é alvo de ataques

Na reunião, César foi informado que seu nome circulava em grupos de pastores. Desde então, o professor passou a ser alvo de diversos ataques. O principal deles partiu de um vereador da extrema direita de Ilhabela, Gabriel Rocha (PL). Da tribuna da Câmara da cidade, o parlamentar centrou críticas no docente e atacou a obra de Francisco Goya. “Essa aula foi dada para crianças de dez anos. O que estão aprendendo é sobre um quadro libidinoso e perturbador”, disse.

“O professor que causou isso depois ainda teve a coragem de ir à Câmara fazer denúncia contra os gestores que só quiseram conversar”, completou. O vereador foi o idealizador da implantação das escolas cívico-militares em Ilhabela.

Vereador Gabriel Rocha (PL). (Foto: Reprodução/ Redes Sociais)

Após o discurso do parlamentar, os ataques a César Augusto nas redes sociais se multiplicaram. “O clima ficou muito difícil na escola porque eu estava sendo abertamente atacado na Câmara, meu nome estava sendo veiculado em grupos de WhatsApp”. Segundo o professor, a Secretaria de Educação realizou, em março, uma reunião com as famílias da turma, que foram incentivadas a procurar o Conselho Tutelar e o Ministério Público para denunciá-lo.

César, então, resolveu pedir demissão da matrícula que possuía para dar aulas na Escola Municipal Senador Major Olímpio. “A situação ficou muito ruim dentro da escola e eu não confiava na equipe gestora. Não vi outra situação, não tinha como eu continuar trabalhando lá, pedi para que o contrato fosse cessado. Mas, continuei no meu cargo de efetivo”, conta.

Após o pedido de demissão da escola, a secretária de Educação da cidade, Lídia Lúcia Sarmento de Lima, resolveu abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o professor, por supostamente ter mostrado material impróprio para os alunos e estar caluniando a secretária.

“Estou me sentindo vulnerável, cansado, exausto, assediado, exposto e inviabilizado na minha função. Eles estão impedindo que eu dê aula, estão impedindo que eu seja professor, estão impedindo que eu pense. A cena é digna de um processo inquisitorial, denúncias anônimas, sendo obrigado a prestar contas sobre a suposta denúncia para pessoas que têm autoridade constituída política, mas não autoridade pedagógica, tentando cercear minha maneira de dar aula. Isso tudo é muito sério”, desabafa o professor César Augusto.

O ICL procurou a Secretaria de Educação de IlhaBela para que se posicionasse sobre o processo administrativo e os relatos de César. A reportagem, porém, não obteve respostas até o fechamento da matéria.

Conteúdo das aulas é referendado

A Associação Nacional de História, seção estado de São Paulo (ANPUH-SP), referendou o conteúdo ensinado pelo professor César Augusto Mendes Cruz. Em nota, a associação disse que a aula estava em conformidade com a BNCC, o Currículo Paulista e a Lei 10.639/2003. A Anpuh repudiou o que chamou de “obstrução do trabalho como historiador” e “interferência irregular da administração escolar”.

A Apeoesp, sindicato dos professores, criticou a adesão da gestão às pressões de “famílias desinformadas” e comparou o episódio à lógica de propostas como “escola sem partido”. O sindicato também referendou o contéudo e defendeu a liberdade de cátedra.

Escola possui histórico de casos

A Escola Municipal Major Olímpio segue as diretrizes do modelo cívico-militar, com proposta pedagógica baseada em disciplina rígida e valorização de “valores cívicos”. “Um sargento e um subtenente reformados cuidam de dar algumas poucas aulas da parte cívica, que seriam símbolos nacionais ou convívio, coisas do tipo. Eles cuidam da parte disciplinar, ou seja, de punir os desvios de conduta e os desvios de disciplina”, resume o professor César Augusto.

Professor

Escola Cívico Municipal ‘Senador Major Olímpio’, em Ilhabela. (Foto: Divulgação)

Segundo relatos do professor, o seu caso não foi o primeiro a ocorrer na escola. “Já vinha num crescente de assédio a professores, porque antes de mim já tinha acontecido um assédio gravíssimo com professor de ciências e, no ano passado, o professor de português também foi censurado numa questão em que ele trabalhou linguagem neutra”, relatou.

O que diz a Prefeitura de Ilhabela?

O ICL Notícias procurou a Secretaria de Educação de Ilhabela para questionar sobre o caso e não obteve resposta. O espaço segue aberto.

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