segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Brumadinho, Bolsonaro e a Demagogia (Muito além dos seis minutos em Davos), por Armando Coelho Neto, advogado, delegado aposentado da PF e ex-representante da Interpol



  "O consórcio midiático-jurídico-financeiro que, violentando a Democracia, conseguiu abrir espaço para a vitória eleitoral da ultradireita no pleito de 2018, abusou das redes sociais para difundir falácias em caráter sistemático. Dentre os maiores engodos aplicados aos eleitores se incluem as pretensas prioridades à segurança e ao desenvolvimento. Valendo-se de uma argumentação neoliberal rasteira, buscou-se convencer as pessoas que, no Brasil, o Governo intervém demais na atividade econômica, enquanto o “cidadão de bem” fica desassistido na sua luta pessoal contra a “bandidagem”. Libere-se o comércio de armas e munições, aprovem-se “leis mais duras”, incentive-se as forças policiais a recorrer à letalidade e demita-se o Estado das tarefas fiscalizatórias. Promessas ou ameaças de campanha, aliás, que começam a se concretizar já nos primeiros dias de gestão."


Do Jornal GGN:

Brumadinho e demagogia (Muito além dos seis minutos em Davos), por Armando Coelho Neto

Brumadinho e demagogia (Muito além dos seis minutos em Davos)
por Armando Rodrigues Coelho Neto
Atribui-se a Tim Maia a autoria da frase “a demagogia é uma mentira mentirosa”. Sábio vaticínio.
O consórcio midiático-jurídico-financeiro que, violentando a Democracia, conseguiu abrir espaço para a vitória eleitoral da ultradireita no pleito de 2018, abusou das redes sociais para difundir falácias em caráter sistemático. Dentre os maiores engodos aplicados aos eleitores se incluem as pretensas prioridades à segurança e ao desenvolvimento. Valendo-se de uma argumentação neoliberal rasteira, buscou-se convencer as pessoas que, no Brasil, o Governo intervém demais na atividade econômica, enquanto o “cidadão de bem” fica desassistido na sua luta pessoal contra a “bandidagem”. Libere-se o comércio de armas e munições, aprovem-se “leis mais duras”, incentive-se as forças policiais a recorrer à letalidade e demita-se o Estado das tarefas fiscalizatórias. Promessas ou ameaças de campanha, aliás, que começam a se concretizar já nos primeiros dias de gestão.
No que concerne à questão do meio ambiente, por exemplo, entre outros insultos declarados pelo “mito” do conservadorismo tropical, ele ameaçou, e foi filmado, que não se pode conviver com o ambientalismo xiita do IBAMA e do ICMbio. E ameaçou dizendo que, no que estivesse ao seu alcance, iria reduzir o quadro de servidores desses organismos. Pausa para o gesto de arminhas com as mãos, criando o même “lacrador” da semana nos grupos de Whats App. Que beleza, não? Ignorância orgulhosa acima de tudo e grana acima de todos. Vamos ganhar dinheiro poluindo e desmatando à vontade. E liquidar quem estiver contrário. Só que não...
Eis que a realidade, essa inconveniente que teima em não se vergar às convicções voláteis do Facebook, faz ruir a barragem de detritos de mineração da Companhia Vale, soterrando parte do Município de Brumadinho/MG. Desastre ambiental de proporções bíblicas, somente comparável a outro de semelhante natureza, motivado pela mesma empresa no Município de Mariana/MG, em 2015. Para além das centenas de mortos, do sofrimento atroz das famílias, da aniquilação do ecossistema, da perda mesmo dos referenciais de vida das comunidades e da mudança definitiva da morfogeologia local, surge o questionamento: será mesmo tão clara a correlação entre menos fiscalização e mais economia?
Para quem defende que um País mais rico e seguro se faz com mais armas e mais policiais e com menos atuação administrativa, o equívoco já começa na incapacidade de compreender o fenômeno. Prover estabilidade social é talvez a mais complexa e difícil responsabilidade estatal, desde que se tenha em conta que é um somatório de êxitos em diversas outras áreas, em caráter transversal (perpassando desde políticas públicas de assistência e saúde da família, passam pela educação, urbanização, cidadania, participação popular e probidade administrativa).
Na trilha civilizatória, o sistema jurídico de um País elege determinados bens (vida, saúde, infância, família, patrimônio, meio ambiente, moralidade pública, dignidade humana) como valiosos para aquela Sociedade Política. E determina a sua observância e proteção em vários níveis. O Direito Penal, como se ensina em qualquer faculdade, é a “ultima ratio legis”, isto é: entra em cena quando nada mais foi suficiente para evitar a causação de um risco ou de um dano para a coletividade – ou seja, apenas quando falharam a cultura, a religião, a escola, as regras de civilidade, a auto-composição dos conflitos, as esferas estatais administrativas e a seara judicial cível. Essa ordem não pode jamais ser invertida pois, ao menos no edifício civilizatório liberal, a sanção penal se apresenta como a mais drástica. É corolário lógico, assim, não ser a primeira alternativa de mediação da conflituosidade social.
Capacitar forças de segurança, investir em equipamentos e nos salários dos policiais, dar um tratamento previdenciário condigno a quem devota sua vida à proteção dos concidadãos são medidas indubitavelmente relevantes para que se aprimore as condições de vida em Sociedade. Não se pode ter a menor ilusão, contudo, de que segurança se atinge apenas com esforços de manutenção da Ordem Pública. O exemplo desceu o morro. De que adianta, neste momento, uma investigação primorosa, excelência pericial no dimensionamento dos danos ambientais e quantificação dos mortos e feridos? Ninguém poderá restituir a normalidade das vidas dilaceradas pelo desastre em Brumadinho.
Capitão Bozo, contudo, não pensa assim. Nos inacreditáveis seis minutos (esse é o tamanho da intimidade entre o “mito” do conservadorismo tropical e sua “pátria amada”, bem como a presumível profundidade) em que “dissertou” sobre o Brasil em Davos, o mundo assistiu a um governante inseguro e despreparado vender facilidades ambientais e financeiras para que o capital estrangeiro viesse explorar nossas riquezas naturais (algo que os brasileiros, obviamente, não são capazes).
Tenha a certeza de que, se algum investimento vier, não será do tipo que nos ajudará a desenvolver economicamente o País. Por que os investidores de países desenvolvidos não pensam com a lógica superficial das mentiras contadas ao povo brasileiro para enganá-lo eleitoralmente. Mesmo sem ter ouvido Tim Maia. 
Armando Rodrigues Coelho Neto - advogado e jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo

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