Do Contexto Livre:
Em “Era bolsonarista pode terminar antes de começar”, de 10/12/2018 [ler aqui], dissemos que “Escândalos, incompetências e riscos ao país são motivos que alimentam as conjecturas sobre o encurtamento do prazo de validade do Bolsonaro”.
Concluímos o artigo sustentando que “A era bolsonarista poderá acabar antes de iniciar. O general Mourão já admitiu que, ‘na hipótese de anarquia, pode haver autogolpe do presidente com apoio das FFAA’”.
O que no início de dezembro passado era uma hipótese plausível afigura-se como uma tendência realista, decorridos 40 dias. Doravante, pelo tempo que os militares decidirem manter Bolsonaro no cargo, ele será um zumbi político sem autoridade política e institucional.
A descoberta das falcatruas da família na política e no submundo miliciano do Rio de Janeiro ganharam força inercial, e os Bolsonaro já não conseguem deter a exposição dos escândalos nos quais, suspeita-se, estejam implicados.
Moro, Deltan e a Lava Jato, apesar da larga expertise em vazamentos seletivos contra os inimigos e na contenção de vazamentos prejudiciais aos amigos, já não conseguem abafar as ilicitudes do clã, mesmo que o super-ministro da Justiça tenha o COAF sob seu controle e mantenha articulações orgânicas com setores bolsonarizados do judiciário, do MP, da PF e da mídia.
No “Xadrez do fim do governo Bolsonaro”, o jornalista Luis Nassif oferece um panorama dos negócios dos Bolsonaro, a associação deles com esquemas escabrosos do RJ e com outros escândalos que poderão ser revelados em investigações sérias e independentes e que têm enorme potencial de abreviar a vida do governo [ler aqui].
O Globo detonou uma bomba que não poderia ser mais aterradora para os Bolsonaro: revelou dados do COAF que mostram que Queiroz movimentou atipicamente não “apenas” R$ 1,2 milhão em 1 ano, mas R$ 7 milhões em 3 anos em transações típicas de lavagem de dinheiro [ler aqui].
Queiroz integra o círculo íntimo da família há quase 3 décadas, o que indica que o montante de dinheiro ilícito transacionado e os ilícitos cometidos em todo esse período deve ser muito maior, realidade que poderá reverberar ainda mais o escândalo.
A bajulação de Luiz Fux, o vice-presidente do STF que fabricou uma decisão teratológica e sob medida para safar o filho presidencial Flávio, acabou produzindo o efeito contrário, exponenciando a desmoralização da família presidencial e dele próprio, Fux.
Afora o escândalo familiar, em 3 semanas o governo revelou-se uma usina de absurdos, desatinos, incompetências e atrapalhações protagonizadas pelos ministros civis. Damares, Ricardo Salles, Vélez Rodriguez, Onyx, Ernesto Araújo etc [ler aqui] propiciaram momentos não menos que ridículos, para não dizer escatológicos.
Dos ministros civis responsáveis pelas áreas governamentais mais relevantes, por enquanto Teresa Cristina, Sérgio Moro e Paulo Guedes não caíram na fritura militar. Por sinal, as áreas mais estratégicas.
A colonização do governo por militares – 45 oficiais de altas patentes ocupam ministérios centrais e funções-chave de 21 áreas – é sintoma do poder de mando e da influência técnica, gerencial, política e ideológica das Forças Armadas no aparelho de Estado.
Os militares conhecem as imensas debilidades do Bolsonaro, e têm consciência dos limites do governo. Por isso assumiram a gestão de áreas prioritárias para preservar a imagem pública das FFAA diante dos riscos de colapso governamental.
É sintomático que generais se reúnam mais com empresários, representações sociais, agentes políticos, embaixadores de outros países e representantes de organismos internacionais – ou seja, que governem de fato – que os ministros das Pastas aos quais corresponderia cumprir agendas específicas.
O silêncio e a discrição dos militares ante o caos instalado não significa indiferença ou desatenção, mas observação e acompanhamento atento da conjuntura.
Embora sejam os maiores fiadores do Bolsonaro, os militares agem como árbitros, não como parte da crise. Eles não hesitarão, por isso, em assumir as rédeas do jogo para deter o desastre político, econômico e institucional derivado do colapso do governo.
O impeachment seria um remédio prescrito na Constituição, mas isso não garante que possa ser a primeira escolha do regime de exceção.
O vice-presidente general Mourão, por exemplo, em setembro de 2017 defendeu que
“ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso [a intervenção militar]. […]. Se [os Poderes constitucionais] não conseguirem, né, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará problemas, podem ter certeza disso aí” [ler aqui].
Já no período eleitoral, em setembro de 2018, em entrevista na Globo News [ler aqui], Mourão explicitou defender um “autogolpe”, se “necessário” para conter a “anarquia”:
“Mourão: As Forças Armadas têm responsabilidade de garantir que o país se mantenha em funcionamento. Cruzamos os braços e deixamos que o país afunde?
Cristiana: A política não tem como mediar isso?
Mourão: Se a política não estivesse mediando. Olha a situação que eu estou colocando, Cristiana, é o momento em que a anarquia toma conta do país. Não está acontecendo.
Cristiana: Mas em qualquer hipótese, uma intervenção é …
Merval: Quem é que vai decidir que a situação está de anarquia nesse limite que o senhor está colocando?
Mourão: Para isso que existe comandante, né? O comandante teria que decidir, não seria a iniciativa…
Merval: Mas o comandante quem? O presidente da República?
Mourão: O próprio presidente é o comandante-chefe das Forças Armadas, ele pode decidir isso. Ele pode decidir empregar as Forças Armadas. Aí você pode dizer: ‘mas isso é um autogolpe’.
Merval: É, é um autogolpe.
Mourão: É um autogolpe, você pode dizer isso.
Cristiana: Mas o congresso que tem que decidir…
Mourão: É um autogolpe também.
Merval: O senhor admite a possibilidade teórica de haver um autogolpe?
Mourão: Já houve em outros países, né? Aqui nunca houve”.
A solução militar defendida pelo general Mourão não está prevista na Constituição. Isso não significa, contudo, que não possa ser empregada, porque o país está sob a vigência do regime de exceção e a presidência do STF está tutelada pelos militares.
A eleição da chapa Bolsonaro/Mourão transcorreu num ambiente de fraude que foi tolerada pelo TSE e STF.
Não foi uma eleição limpa e livre. Houve manipulação com injúrias e notícias falsas, financiamento milionário da fraude do WhatsApp com dinheiro de caixa 2 por empresários corruptos, e proibição ilegal da candidatura do candidato favorito, Lula.
Esta realidade atesta a ilegitimidade do golpe, do regime de exceção e do atual governo.
A velocidade vertiginosa dos acontecimentos não permite a interpretação da realidade em tempo real. É preciso, nesse momento, confiar que os militares possam agir como corresponde, ou seja, devolvendo a soberania deliberativa ao povo.
Se prevalecer a visão do vice-presidente Mourão, o Brasil ficará ameaçado de sofrer mais um golpe dentro do golpe. É fundamental, nesse sentido, resistir à imposição de uma solução militar que, se implementada, poderá evoluir para uma ditadura – opção que, infelizmente, está no horizonte de certos setores dos estamentos militares e judiciais.
Não se deve esquecer que o poder militar hegemônico hoje é exercido pelos setores mais especializados da contra-insurgência das FFAA, ou seja, pelo militarismo de cultura e temperamento repressivo, treinado a combater e reprimir insurgências e inimigos.
São segmentos militares que, por formação, criminalizam e combatem com violência e repressão o conflito social legítimo existente em toda sociedade de classes.
É importante lembrar que os comandantes militares que dirigem o governo foram treinados e aperfeiçoados em missões internacionais contra-insurgentes, de enfrentamento de crise humanitária [Haiti] e de atuação em guerra civil [Congo].
A saída para a crise brasileira está na democracia, não na ditadura. A saída mais correta para o impasse criado pela própria classe dominante, nessa perspectiva, está na convocação de eleição livre, limpa e soberana.
O Brasil precisa se reencontrar com a democracia, com o desenvolvimento, com o emprego, com a liberdade, com o respeito e com a paz entre seus irmãos.
Jeferson Miola
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