sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Do El País: “O sigilo deveria ser exceção. O decreto do Governo (assinado por Mourão) prejudica a transparência”



Do El País:


“O sigilo deveria ser exceção. O decreto do Governo prejudica a transparência”

Gil Castello Branco, do Contas Abertas, e outras entidades criticam mudanças em Lei de Acesso à Informação que ampliou poder de servidores para classificar documentos


Lei de Acesso à Informação
O vice-presidente e presidente em exercício, Hamilton Mourão.  (REUTERS)
Por meio de um decreto publicado nesta quinta-feira no Diário Oficial da União, o governo de Jair Bolsonaro mudou a regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI), para permitir que cargos comissionados —muitos sem vínculo permanente com a administração pública— possam classificar informações oficiais com o grau máximo de sigilo: de 25 anos (dados ultrassecretos) ou 15 anos (dados secretos). Na prática, o documento, assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, em exercício da Presidência devido à viagem de Bolsonaro ao Fórum Econômico Mundial, em Davos,  ampliará o número de documentos sigilosos, algo criticado pelas entidades e especialistas no tema.
"O decreto, tal como está redigido, prejudica a transparência, o controle social das instituições públicas. O sigilo deveria ser exceção", afirma Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, especializada em monitorar gastos públicos. Em vigor desde 2012, quando foi assinado por Dilma Rousseff, a LAI só permitia, até então, que o presidente, o vice-presidente, ministros e comandantes das Forças Armadas classificassem dados sigilosos. "As entidades de transparência participamos dos debates antes da criação da lei e um dos nossos pedidos era justamente que o mínimo de pessoas tivesse o poder de classificar essas informações", conta Castello Branco, que considera "lamentável" que a sociedade civil não tenha sido consultada antes da assinatura do decreto.
A decisão também surpreendeu Manoel Galdino, presidente da Transparência Brasil e membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da Controladoria Geral da União (CGU), que considera o decreto um "retrocesso". "Justamente essa medida foi tomada de modo nada transparente. A sociedade não foi informada, o conselho também não".
Na última reunião do Conselho, realizada no dia 12 de dezembro de 2018, o ministro da CGU, Wagner do Rosário, elogiou o órgão e disse que o Governo levaria propostas de alterações na LAI para serem debatidas pelo Conselho. Em fala registrada na ata da reunião, ele fala em mudanças na lei, mas sem retirada de direitos: "Devem ser propostas algumas mudanças na LAI, mas não será nada que retire qualquer direito. São somente alguns prazos de recurso e alguns outros detalhes, que serão apresentados na próxima reunião". O próximo encontro do órgão está previsto para março. "Se a CGU foi ouvida e participou das alterações, é ainda mais grave, já que esse órgão deveria ser o bastião do zelo pela transparência", critica Castello Branco.
Nesta quinta-feira, o ministro ativou uma conta no Twitter para "reafirmar o compromisso com a transparência pública" e com a garantia do "direito constitucional de acesso à informação". "Afirmo a vocês que não procede a alegação de que alterações relativas à classificação de informações trariam efeitos nocivos à LAI, pois, pelo contrário, as mudanças propostas têm como objetivo simplificar e desburocratizar a atuação do Estado", escreveu. 
O discurso de Rosário vai no mesmo sentido do de Mourão, que chegou a dizer que o decreto melhorará o acesso aos dados públicos. O vice-presidente se contradisse esta tarde, no entanto, ao afirmar que "só ministros" poderão tornar documentos ultrassecretos, acrescentando que estes são "raríssimos no Brasil". 

Pedidos de revogação

Organizações como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Transparência Internacional também criticam o decreto, que consideram "esquisito" e "bastante prejudicial". Uma das preocupações das entidades é que não há critérios claros para determinar  que tipo de informação pode representar um risco à sociedade ou ao Estado e que deveria ser, portanto, sigilosa. Ao ampliar o leque de servidores para escalões mais baixos, os especialistas temem que haja menos uniformidade nesse processo e que, consequentemente, levem a um "uso infundado e exagerado desse instrumento".
"Além de ser um instrumento efetivo de controle, a LAI marcou uma mudança de cultura no Brasil, iniciando um novo entendimento sobre a relação entre Estado e sociedade. Seu maior avanço foi a compreensão de que acesso à informação pública é um direito do cidadão. Portanto, qualquer medida restritiva de direito deve ser excepcional, criteriosa e de alçada superior", afirma, em nota, a Transparência Internacional Brasil. "O próximo passo que daremos como organizações da sociedade civil é pressionar para que esse decreto seja revogado", afirma Gil Castello Branco.
Autor do projeto que resultou na LAI, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT) já anunciou que apresentará, no primeiro dia de legislatura (1º de fevereiro), um decreto legislativo para revogar a medida assinada por Mourão. Em nota, Lopes afirma que o sigilo imposto “fere a alma da transparência no serviço público, o enfrentamento à corrupção e a democracia brasileira”. Já o PSOL anunciou que vai ao Supremo Tribunal Federal contra o decreto.



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