sexta-feira, 12 de julho de 2019

Elitismo, recessão e o terraplanismo de economistas e empresários, por Luis Nassif



Aqui criou-se a teoria da geração espontânea e das falsas identidades. Basta o Estado sair, que o setor privado ocupará o espaço. Assim, como se não houvesse nenhuma relação entre ambos.


Do Jornal GGN:


Acho que foi Nelson Rodrigues quem definiu o subdesenvolvimento como um trabalho de gerações. A maneira como economistas, mercado, empresários do setor real da economia estão reagindo a esse desmonte do país (e da economia), é demonstração acabada do nível de desinformação a que chegou a sociedade brasileira.
Criou-se uma fábula ideológica, que não consta do manual de nenhuma economia desenvolvida. A de que o Estado tem que sair de TODAS as atividades, não apenas da produção, mas de suas próprias responsabilidade como Estado. E que bastaria o Estado sair para o setor privado ocupar o espaço e a banca ganhar e dividir com os empresários do setor real.
Em qualquer sociedade minimamente racional, há uma complementaridade entre Estado e setor privado, com o Estado servindo de alavancagem para os negócios privados, investindo em educação, inovação, financiamentos de longo prazo, gastos públicos. Principalmente em períodos de recessão, os gastos públicas têm papel essencial.
Despesa do Estado significa receita do setor privado.
Aqui criou-se a teoria da geração espontânea e das falsas identidades. Basta o Estado sair, que o setor privado ocupará o espaço. Assim, como se não houvesse nenhuma relação entre ambos. Tenho um produto 1, uma parte é do Estado, outra do setor privado. Se tiro o Estado, fica tudo para o setor privado. Aí descobrem – alvíssaras! – que o produto ficou bem menor que 1 e que o setor privado ficou menor do que no período em que havia mais Estado.
A isso se chama recessão. O setor privado não aparece para suprir os vácuos, a recessão se prolonga, o desemprego aumenta. E o que acontece? O Secretário Executivo do Ministério da Fazenda dá uma entrevista dizendo que pediu um diagnóstico para sua equipe, porque não tinha ideia de que havia tantas empresas que dependiam dos gastos públicos. Como assim?
Qualquer curso de economia ensina conceitos de medição do PIB (Produto Interno Bruto), de matriz insumo-produto. Têm-se uma instituição exemplar, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) medindo mensalmente o pulso da economia, permitindo avaliar o peso do Estado na produção, do setor privado, as implicações da redução dos gastos públicos.
E o brilhante Secretário diz que não tinha noção de que os gastos públicos eram tão relevantes e que iria criar um grupo para analisar as implicações da sua redução na atividade produtiva.
Jogou-se a economia para ser administrada por aprendizes de feiticeiro, sem noção básica sobre a estrutura econômica. E eles não estão apenas no Banco Central.
Os modelitos dos cabeças de planilha
Lembro-me das primeiras conferências de economia que fui cobrir, ainda no início de carreira. Me chamava a atenção os modelos econômicos propostos. O sujeito definia um modelo, colocava três ou quatro variáveis e tirava suas conclusões.
Aí a banca de examinadores questionava. Faltou incluir o fator trabalho. Faltou incluir o fator agricultura. Faltou incluir o fator político. Faltou incluir o fator receita pública. Quando o examinado reincluía tudo, o modelo não fechava.
Sugiro uma leitura atenta do artigo “Economistas dão receitas para o Brasil voltar a crescer após a reforma da Previdência” (clique aqui). É de um nonsense total.
Desde a gestão Joaquim Levy, em cima da uma crise externa (a redução dos preços das commodities) seguiu-se uma política extremamente ortodoxa de corte de gastos públicos, redução da demanda pública jogando a economia em quedas recordes, mesmo com o país sentado em reservas cambiais expressivas e sem riscos cambiais (que estão na raiz de todos os grandes problemas econômicos de países). Depois de quedas expressivas do PIB, a recuperação costuma ser rápida, porque há capacidade ociosa na economia. Mas nada disso ocorreu. Qual a razão?
Ora, não se trata de discussões econômicas esotéricas, mas de analise de caso, dissecação do cadáver.
Vamos a uma analise das receitas propostas por economistas ouvidos pelo Valor

Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

“A estagnação atual é o preço que a sociedade está pagando pelos erros de política econômica dos últimos anos, especialmente pela era em que o país foi comandado por Dilma Rousseff (PT).
Em 2009 e 2010, na sequência da crise financeira mundial, avalia, a reação brasileira de curto prazo foi positiva, e a economia brasileira reagiu. “Só que passamos a utilizar políticas de reativação de curto prazo como políticas de estímulo de longo prazo e intensificamos o uso da política fiscal para alavancar o crescimento da economia. Esse foi o grande equívoco da política econômica”, diz Castelo Branco. Para ele, não há espaço para o uso de qualquer política fiscal nessa retomada. Mais reformas, menos juros e mais crédito (especialmente para pequenas e médias empresas) compõem sua receita para voltar a crescer”
Observação 1 – os erros de Dilma explicam a queda do PIB em 2015 e 2016. Dali em diante, a responsabilidade total é das políticas econômicas implementadas por Temer e Bolsonaro. Mesmo porque, a literatura econômica mundial é unânime na constatação que, depois de uma longa queda do PIB, a recuperação costuma ser bastante rápida. E a recessão brasileira prossegue até hoje.
Observação 2 – ele divide a crise brasileira em três períodos. Período 1: na crise de 2008-2010 foram tomadas medidas positivas (aumento dos gastos públicos, estímulos ao consumo, políticas fiscais expansivas. Período 2 –  de Dilma foi errado, porque Dilma usou instrumentos de reativação de curto prazo como políticas de estímulo de longo prazo. Período 3 – agora, necessita-se urgentemente de estímulos de curto prazo, como foi no Período 1. De repente, essas medidas de estímulo passam a ser impraticáveis.
Observação 3 – diz que não há espaço para políticas fiscais, ignorando completamente as relações entre gastos públicos e recuperação da economia no curto prazo, ainda mais em uma situação de ampla capacidade ociosa da indústria. Propõem o arroz com feijão do mercado, de mais reformas, menos juros e mais crédito. Quem vai tomar crédito sem haver demanda? É pergunta básica que não é respondia.

O pesquisador-associado do Ibre Bráulio Borges

“Uma parte importante da frustração com a atividade econômica “se deve a um excesso de cautela da política monetária”. “Não é coincidência a inflação estar correndo sistematicamente abaixo da meta e termos, do outro lado, a retomada atipicamente lenta da atividade econômica”, argumenta. (…). O primeiro impulso à atividade, defende, virá quando o Banco Central baixar fortemente a taxa básica de juros. E se ela voltar a subir em 2020 depois de cair até o fim deste ano – como preveem os economistas ouvidos pelo Banco Central -, o crescimento pode ser, novamente, contido, avalia”.
Foge que nem o diabo da cruz de qualquer frase que possa parecer estímulo à demanda, porque o tema está anatematizado no sistema. Repito: de que adianta reduzir os juros se não demanda. As empresas tomam crédito ou para reestruturar dívida ou para financiar planos de investimento. Com recessão se espalhando por todos os quadrantes, não há planos de investimento a serem financiados.

Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe do Bradesco

“Ele e e sua equipe, passaram a considerar uma tese nova. Além de choques tradicionais que vieram diferentes do esperado (como o menor crescimento mundial, a crise argentina, a greve dos caminhoneiros no ano passado, entre outras), eles dizem acreditar que a presença do setor público na economia se estendia muito além dos 20% calculados no PIB. Programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), entre outros, ampliaram o tamanho da relação entre o setor público e o privado nos anos anteriores à recessão.
“Quando você corta o gasto público com o teto de gastos, em 2016, uma parte da economia que vivia do setor público para de crescer.
Finalmente, uma lufada de bom senso. Mas aí vem a interdição total do debate, que obriga o economista a pedir desculpas por ver o rei nu:
Não estou dizendo que isso é o culpado pela desaceleração, o caminho é esse e está correto. Mas esperávamos que, quando o governo saísse de cena, o setor privado seria o protagonista do crescimento, e ele não tem sido. É aqui que está a frustração, e não propriamente com a saída do governo”.
É fantástico! Admite que a saída do Estado acelerou a recessão. Mas está frustrado apenas com o resultado – a recessão – e não com a causa – a saída do Estado. Entenderam? Nem eu.

Jose Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do IBRE

Senna, ao contrário, é bastante cético sobre a capacidade de uma redução adicional da taxa básica de juros ajudar a economia brasileira. Ele ancora sua avaliação na já expressiva queda dos juros formados no mercado. “Estímulos de demanda não vão produzir efeitos expressivos. Não podemos acionar o instrumento fiscal quando o governo precisa reduzir seus gastos. Talvez possamos ter uma redução modesta dos juros, mas a atividade não responde só a juros, como a zona do euro nos ensina. Além disso, o mercado financeiro já fez o afrouxamento monetário. Os juros mais longos, formados no mercado, já caíram ao longo deste ano, e não vimos nenhuma euforia das empresas para tomar crédito. Esse é um grande sinal de que o estímulo monetário não é a solução”, diz ele.
Ou seja, não tem saída monetária – no que está certo – e não tem saída fiscal, porque o governo esta quebrado.  Resta cortar os pulsos ou fazer um pneumotórax.  Nenhuma curiosidade em analisar o impacto de gastos públicos na receita fiscal e no crescimento, como se aumento de despesas públicas fosse absolutamente neutro em relação ao aumento da receita fiscal.

Conclusão

A exemplo do que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, no período pré-crise, toda a discussão econômica fica subordinada aos dogmas criados pela ortodoxia e consagrados pelo mercado. Análises que não resistem a uma mera observação empírica, passaram a ser tratadas como ciência pura, da qual não se pode questionar sob risco de perder o respeito da plateia de ignaros que acredita no terraplanismo da economia.

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