segunda-feira, 8 de julho de 2019

Os abusos do Direito e da Justiça com apoio da imprensa, por Fábio de Oliveira Ribeiro



O mau uso do Direito e da Justiça ocorreram durante a Lava Jato porque os amadores da imprensa preferiram silenciar os especialistas em Direito Constitucional, Direito Penal e Direito Processual Penal



Aqui mesmo no GGN já fiz alguns comentários sobre a crise do discurso jurídico. Também dissertei sobre o estrago que foi causado ao Sistema de Justiça e volto ao assunto para debater a mesma questão à luz das novidades que tem sido reveladas ao respeitável público.
Os chats entre Sérgio Moro e Deltan Dellagnol, que foram publicados pelo The Intercept, Folha, Veja, etc… revelam um fenômeno importante: o uso político do Direito. Sérgio Moro interferiu para proteger Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Cunha e ajudou a acusação a perseguir Lula. O maquiavelismo jurídico jugar do juiz lavajateiro foi fundamental para que ele chegasse ao Ministério da Justiça depois que ele garantiu a vitória de Jair Bolsonaro tirando da disputa o candidato preferido pelo povo brasileiro.
O Direito é oriundo da política, mas sua aplicação pelos órgãos do Sistema de Justiça deveria obedecer aos princípios da publicidade, moralidade, imparcialidade e impessoalidade. Sérgio Moro e Deltan Dellagnol definiam em segredo de que maneira aplicariam a Lei de maneira parcial, imoral e seletiva. Os processos judiciais eram simulacros em cujos autos os heróis lavajateiros apenas simulavam atuar da maneira adequada.
A essência do que ambos estavam realmente fazendo veio a público. Mas até o presente momento nenhuma consequência jurídica operou efeitos. Lula continua preso. Sérgio Moro não quer abandonar o posto que conquistou utilizando politicamente seu cargo de juiz e sacrificando o Direito. Deltan Dellagnol não foi responsabilizado pelas infrações funcionais e, eventualmente, criminais que cometeu.
O uso politico do Direito é perigoso pois corrompe o princípio da igualdade perante a Lei e desgasta profundamente aqueles que deveriam resguardar a credibilidade da Justiça. Os juízes e procuradores não devem utilizar seus cargos para proteger seus amigos e perseguir seus inimigos. Amizade e inimizade comprometem a imparcialidade judicial e a impessoalidade do órgão de acusação. Por isso a legislação obriga o juiz e o procurador a se afastar dos casos em que estejam emocionalmente comprometidos.
Durante todo o século XX os políticos fizeram um mal uso da história. Uma parcela de culpa pelas catástrofes que isso provocou foi atribuída aos historiadores:
“… os historiadores não são cientistas, e se não estão se fazendo entender pelo público interessado em história, outros virão correndo ocupar o vácuo que deixarão. Os líderes políticos e de outras naturezas quase sempre vão em frente com o uso incorreto ou o abuso prejudicial que fazem da história para seus interesses individuais, uma vez que o resto das pessoas não sabe como contestá-los. O muito de história que o público lê e aprecia é escrito por historiadores amadores. Algumas coisas são de boa qualidade, mas a mair parte não é. A história de má qualidade conta apenas parte de histórias complexas.” (Usos e Abusos da História, Margaret Macmillan, editora Record, Rio de Janeiro-São Paulo, 2010, p. 52)
Durante vários anos a história jurídica da Lava Jato foi contada apenas por jornalistas. Apenas uma versão parcial foi contada ao ‘respeitável público’. Segundo ela, tudo o que os heróis lavajateiros estavam fazendo era assegurado pela legislação. Até mesmo os abusos que eles cometeram (o abuso de prisões cautelares para obter delações, o grampo criminoso de Dilma Rousseff, a condução coercitiva de Lula, etc…) foram aplaudidos pelos rábulas da imprensa.
Os juristas que criticavam as ilegalidades da Lava Jato eram silenciados pela imprensa e relegados à margem dos acontecimentos. Alguns deles (digo isso pensando no professor Afrânio Jardim) fizeram apelos dramáticos no Facebook, mas foram simplesmente ignorados. Os juízes que ousaram tentar frear a energia criminosa que crescia nos porões da República de Curitiba foram severamente criticados por jornalistas que se apresentavam ao público como especialistas em Direito e defensores da legalidade lavajatiana.
A imprensa é e deve ser livre. Entretanto, o mal uso da liberdade de imprensa (como ocorreu durante a Lava Jato) pode produzir distorções políticas profundas e causar estragos duradouros nas instituições. Nesse momento em que a própria liberdade de imprensa começa a ser atacada pelo ex-juiz da Lava Jato, nós devemos refletir de maneira profunda. Não apenas acerca da necessidade de frear a partidarização do Judiciário e do MPF, mas também sobre como a própria imprensa deve se conduzir diante de problemas jurídicos complexos que os jornalistas ignoram.
O mau uso da história, segundo Margaret Macmillan, ocorre porque os historiadores profissionais deixam um vácuo que é utilizado pelos amadores. O mau uso do Direito e da Justiça ocorreram durante a Lava Jato porque os amadores da imprensa preferiram silenciar os especialistas em Direito Constitucional, Direito Penal e Direito Processual Penal. Se o debate jurídico na imprensa é inevitável (em alguns casos ele é desejável) é essencial que a própria imprensa se abra aos especialistas sem selecionar apenas aqueles que reforçarão a “linha da casa”. Se continuar silenciando os especialistas, a imprensa livre acabará se tornando vítima de sua própria ambição autoritária.

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