sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Como se manipula a informação


William Bonner, ao vetar esta ou aquela reportagem, diz: 

"essa o Homer não vai entender". 

Ele refere-se ao "telespectador médio" do Jornal Nacional.


Mário Augusto Jakobskind, do Direto da Redação (também publicado na Carta Maior)


Não é de hoje que vários pensadores sérios estudam o mecanismo da manipulação
da informação na mídia de mercado. Um deles, o linguista Noam Chomsky, relacionou
dez estratégias sobre o tema.

Na verdade, Chomsky elaborou um verdadeiro tratado que deve ser analisado por todos
(jornalistas ou não) os interessados no tema tão em voga nos dias de hoje em função
da importância adquirida pelos meios de comunicação na batalha diária de “fazer cabeças”.

Vale a pena transcrever o quinto tópico elaborado e que remete tranquilamente a um
telejornal brasileiro de grande audiência e em especial ao apresentador.

O tópico assinala que o apresentador deve “dirigir-se ao público como criaturas de pouca 
idade ou deficientes mentais. A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza 
discursos, argumentos,  personagens e entonação particularmente infantil, muitas vezes 
próxima da debilidade, como se o espectador fosse uma pessoa de pouca idade ou um 
deficiente mental. Quanto mais se tenta enganar o espectador, mais se tende a adotar um 
tom infantil”.

E prossegue Chomsky indagando o motivo da estratégia. Ele mesmo responde: “se alguém 
se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, por razão da sugestão, 
ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um 
sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos”.

Alguém pode estar imaginando que Chomsky se inspirou em William Bonner, o apresentador
do Jornal Nacional que utiliza exatamente a mesma estratégia assinalada pelo linguista.
Mas não necessariamente, até porque em outros países existem figuras como Bonner, que são
colocados na função para fazerem exatamente o que fazem, ajudando a aprofundar o
esquema do pensamento único e da infantilização do telespectador.

De qualquer forma, o que diz Chomsky remete a artigo escrito há tempos pelo professor
Laurindo Leal Filho depois de ter participado de uma visita, juntamente com outros
professores universitários, a uma reunião de pauta do Jornal Nacional comandada por
Bonner.

Laurindo informava então que na ocasião Bonner dissera que em pesquisa realizada pela
TV Globo  foi identificado o perfil do telespectador médio do Jornal Nacional. Constatou-se,
segundo Bonner, que “ele tem muita dificuldade para entender notícias complexas e pouca
familiaridade com siglas como o BNDES, por exemplo. Na redação, o personagem foi apelidado
de Homer Simpson, um simpático mas obtuso personagem dos Simpsons, uma das séries
estadunidenses de maior sucesso na televisão do mundo”.

E prossegue o artigo observando que Homer Simpson “é pai de família, adora ficar no sofá, 
comendo rosquinhas e bebendo cerveja, é preguiçoso e tem o raciocínio lento”.

Para perplexidade dos professores que visitavam a redação de jornalismo da TV Globo,
Bonner passou então a se referir da seguinte forma ao vetar esta ou aquela reportagem:
“essa o Homer não vai entender” e assim sucessivamente.

A tal reunião de pauta do Jornal Nacional aconteceu no final do ano de 2005. O comentário
de Noam Chomsky é talvez mais recente. É possível que o linguista estadunidense não
conheça o informe elaborado por Laurindo Leal Filho, até porque depois de sete anos caiu no
esquecimento. 
Mas como se trata de um artigo histórico, que marcou época, é pertinente relembrá-lo.

De lá para cá, o Jornal Nacional praticamente não mudou de estratégia e nem de editor-chefe. 
Continua  manipulando a informação, como aconteceu recentemente em matéria sobre o 
desmatamento na Amazônia, elaborada exatamente para indispor a opinião pública contra 
os assentados.

Dizia a matéria que os assentamentos são responsáveis pelo desmatamento na região
Amazônica, mas simplesmente omitiu o fato segundo o qual o desmatamento não é produzido
pelos assentados e sim por grupos de madeireiros com atuação ilegal.

Bonner certamente orientou a matéria com o visível objetivo de levar o telespectador a se
colocar contra a reforma agrária, já que, na concepção manipulada da TV Globo, os assentados
violentam o meio ambiente.

Em suma: assim caminha o jornalismo da TV Globo. Quando questionado, a resposta dos
editores é acusar os críticos de defenderem a censura. Um argumento que não se sustenta.

A propósito, o jornal O Globo está de marcação cerrada contra o governo de Rafael Correa, do 
Equador, acusando-o de restringir a liberdade de imprensa. A matéria mais recente, em tom crítico, 
citava como exemplo a não renovação da concessão de algumas emissoras de rádio que não teriam
cumprido determinações do contrato.

As Organizações Globo e demais mídias filiadas à Sociedade Interamericana de Imprensa
(SIP) raciocinam como se os canais de rádio e de televisão fossem propriedade particular e
não concessões públicas com normas e procedimentos a serem respeitados.

Em outros termos: para o patronato associado à SIP quem manda são os proprietários,
que podem fazer o que quiserem e bem entenderem sem obrigações contratuais.

No momento em que o Estado fiscaliza e cobra procedimentos, os proprietários de veículos
eletrônicos de comunicação entram em campo para denunciar o que consideram restrição à
liberdade de imprensa.

Os governos do Equador, Venezuela, Bolívia e Argentina estão no índex do baronato midiático 
exatamente porque cobram obrigações contratuais. Quando emissoras irregulares não têm as 
concessões renovadas, a chiadeira do patronato é ampla, geral e irrestrita.

Da mesma forma que O Globo no Rio de Janeiro, Clarin na Argentina, El Mercurio no Chile e
outros editam matérias com o mesmo teor, como se fossem extraídas de uma mesma matriz
midiática.

Créditos da foto: Latuff

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