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segunda-feira, 9 de março de 2020

The Intercept: Quem são os juízes-celebridade espalhafatosos e explicitamente partidários que militam na direita


 The Intercept Brasil:


Juiz Marcelo Bretas durante cerimônia de posse ao Governo do Estado do Rio de Janeiro.


Quem são os juízes-celebridade espalhafatosos que militam na direita

Nayara Felizardo, João Filho — 8 de Março
Essa figura é, ao mesmo tempo, agente e produto da degradação gradual pela qual vem passando a democracia brasileira.
O JUIZ-CELEBRIDADE é uma figura cada vez mais comum nestes tempos obscuros. Ele vive dando palestras, opina constantemente sobre assuntos que não dizem respeito à atividade judicial, ataca instâncias superiores e se dedica à militância política.
Sergio Moro talvez seja a maior referência desse tipo de juiz, que rejeita sistematicamente alguns dos princípios básicos que norteiam o ofício da justiça, mas que é visto por parte relevante da sociedade como um justiceiro do bem, um herói capaz de atropelar as leis para enquadrar vilões e proteger cidadãos de bem. Ele e alguns de seus companheiros lavajatistas abriram as portas para um festival de conduções coercitivas irregulares, grampos ilegais e vazamentos seletivos de informação — atos incomuns, mas que sem eles teria sido impossível transformá-lo numa celebridade. O juiz de primeira instância soube aproveitar os holofotes e, depois de ajudar a destruir a classe política, entrou para a política pelas mãos de Bolsonaro, o maior beneficiário político da sua atuação enquanto juiz.
As principais orientações do Código de Ética da Magistratura têm sido desprezadas pelo juiz-celebridade, que tem sua atuação regida por um certo “sentimento social”, como diria Barroso, e não pelas regras da magistratura. O código recomenda que os magistrados devem, por exemplo, evitar comportamentos de autopromoção, opinar fora dos autos sobre processos que estão em andamento e manter distância equivalente das partes. Mas juízes-celebridade não demonstram qualquer pudor em se autopromover, opinar sobre processos em andamento e aparecer frequentemente confraternizando com o bolsonarismo. Não foi à toa que esses juízes viraram baluartes da militância de extrema direita.
Ludmila Lins Grilo é uma dessas estrelas da magistratura contemporânea. Aluna dedicada do guru Olavo de Carvalho, aquele intelectual que tem dúvidas sobre a esfericidade do planeta Terra, a juíza é figurinha carimbada nos canais de comunicação alinhados à extrema direita governista como Terça LivreSenso Incomum e Leda Nagle. No YouTube, canais bolsonaristas exaltam a juíza com títulos como “Juíza de direito detona ministros do STF, ativismo judicial e interesses globalistas no judiciário” ou “Juíza conservadora repercute na internet ao mandar recado enigmático a ‘elevado figurão da magistratura nacional’”.
A juíza, que atua regida pelos princípios alucinados do olavismo, compartilha do mesmo espírito lacrador do seu mestre. Está sempre combatendo as esquerdas nas redes sociais e provocando ministros de instâncias superiores. Adepta da escola jurídica lavajatista, usa a visibilidade do cargo para se promover como figura de relevância no debate político. No ano passado, ela foi convidada para palestrar em um seminário promovido pelo Ministério das Relações Exteriores. O tema da palestra foi “O ativismo judicial a serviço do globalismo”. Para os olavistas, o conceito de globalismo se refere à ideia de que o mundo é controlado por elites marxistas internacionais. É esse tipo de maluquice, sem nenhum respaldo na realidade dos fatos, que faz a cabeça da juíza-celebridade.
Quando o presidente da República compartilhou com o país um vídeo pornográfico no carnaval, Grilo usou as redes sociais para defendê-lo. Para a juíza, Bolsonaro fez muito bem em exibir conteúdo pornô para denunciar as imoralidades do Carnaval.
Grilo considerou um ato flagrantemente incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo — e que configura um evidente crime de responsabilidade — em militância em defesa da moral e dos bons costumes. É o duplipensar de George Orwell em estado bruto. É triste, porém, ao mesmo tempo fascinante ver o que o olavismo é capaz de fazer com a mente das pessoas.
As decisões de Ludmila Lins Grilo no TJ de Minas Gerais, comarca de Buritis, são marcadas pelo punitivismo e refletem o rigor da lei que ela defende em seus textos e palestras. Uma pessoa que roubou um celular ou que se envolveu em uma briga e feriu outra com faca é severamente condenada “para a garantia da ordem pública, considerando o temor e sensação de insegurança que tal crime impôs na comunidade”.
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Ludmila Grilo não esconde sua admiração por Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo, no Twitter.
Reprodução: Instagram/Ludmila Lins Grilo
No ano passado, em uma audiência na Câmara dos Deputados para discutir projetos de lei que endureciam o sistema penal, entre eles as propostas do pacote anticrime de Sergio Moro, Grilo disse: “Nós sabemos que há muitos juízes que acabam seguindo opções extremamente garantistas e que vão se valer disso para realmente colocar criminosos perigosos na rua antes do tempo”.
Ela já condenou um homem acusado de roubo de celular com arma de fogo, na companhia de dois adolescentes, a 11 anos e 5 meses em regime fechado e sem direito de recorrer em liberdade. As grandes facções criminosas, cujo recrutamento de novos membros acontece principalmente nos presídios, agradecem à sanha punitivista de Grilo.
Marcelo Bretas é outro expoente dos juízes-celebridade. É um magistrado marombeiro, que adora exibir seus músculos no Instagram com fotos tiradas em frente ao espelho. Lavajatista de carteirinha, o juiz blogueirinho se sentiu muito à vontade no figurino de herói e se mantém permanentemente sob os holofotes. Esse status foi conquistado porque Bretas descumpre o código de ética da magistratura e as recomendações do CNJ, que lhe ajudaram a conquistar essa aura de cowboy lavajatista implacável com a criminalidade.
Todas as suas manifestações públicas relacionadas à política estão alinhadas ao bolsonarismo. O juiz tem atuado escancaradamente como um militante bolsonarista de uma forma nada sutil. O juiz aceitou o convite de Flávio Bolsonaro para participar da posse do presidente. Naquela época, o filho mais velho de Bolsonaro já estava enrolado com milicianos e rachadinhas em seu gabinete, mas isso não constrangeu Bretas. A sintonia com Jair Bolsonaro e sua família é tanta que, quando o presidente o seguiu no Twitter, Bretas comemorou e se disse honrado.
Quando Bolsonaro viajou ao Rio de Janeiro, o juiz usou o Instagram para lhe dar boas vindas e se juntou a ele no evento de inauguração da alça de ligação da Ponte Rio-Niterói com a Linha Vermelha, andando em carro oficial da presidência e aparecendo ao lado do presidente cantando um hino evangélico. Esse tipo de comportamento contraria uma resolução do CNJ que regula o uso das redes sociais de juízes. O texto aponta que juiz pode ter opinião política, mas veda manifestações públicas de simpatias político-partidárias ou “em apoio ou crítica a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos”, a fim de preservar a imparcialidade.
Juiz Marcelo Bretas e sua esposa juíza Simone Bretas presentes durante cerimônia de inauguração da alça de ligação da Ponte Rio-Niterói à Linha Vermelha.
O juiz Marcelo Bretas e sua esposa, a juíza Simone Bretas, na cerimônia de inauguração da alça de ligação da Ponte Rio-Niterói à Linha Vermelha.
 
Foto: Nayra Halm /Fotoarena/Folhapress
Além dos holofotes, Marcelo Bretas também é guiado pela religião. Segundo ele, o principal livro da sua vara não é a Constituição, mas a bíblia. Ele tem o costume bizarro de citar versículos bíblicos em suas sentenças, como se vivêssemos sob um estado fundamentalista cristão. Para delírio da sua claque evangélica, o juiz já insinuou até mesmo que a teoria da separação dos poderes teria sido criada pelo profeta Isaías, e não por Montesquieu.
Bretas foi quem autorizou a prisão do ex-presidente Michel Temer, que aconteceu à margem da lei, já que o próprio juiz não apresentou na sentença absolutamente nenhum fato que justificasse a prisão preventiva. À época, Lava Jato e STF travavam uma guerra declarada, e Bretas aproveitou para mandar indiretas aos ministros, transformando a sentença em um ataque contra juízes da suprema corte. Ou seja, o juiz de primeira instância, além de autorizar a prisão de um ex-presidente da República de forma irregular, usou a sentença para provocar seus superiores.
Bretas não poupa julgamento de valor em suas decisões e costuma ser mais rigoroso com acusados famosos. Reportagem do site Conjur mostra que a dosimetria das penas que aplicadas por ele varia até 273%. O critério para condenar um acusado a mais anos de prisão depende do quão famoso ele é.
Para o juiz, o que ele considera como “ambição” dos réus é “desmedida”, “repugnante”, “reprovável” e deve ser considerado como um agravante para penas mais severas. Além de apresentar um texto sofrível, Bretas abusa dos adjetivos e das opiniões desnecessárias nas sentenças. Como todo bom juiz-celebridade, o palavreado adotado nas sentenças parece estar voltado para agradar a torcida.
Vejamos alguns exemplos de sentenças. Nessa, relativa à Operação Mascate, Bretas não consegue disfarçar o desprezo pelos réus:
“(…)de tudo que foi apurado nestes autos, a única conclusão possível é que os acusados SERGIO CABRAL e WILSON CARLOS há muitos anos sustentam uma vida de luxo e conforto com o fruto de vários acordos criminosos feitos com várias empresas (…)”
“São, igualmente, reprováveis os motivos que levaram o condenado a dedicar-se intensamente à atividade criminosa apurada nestes autos, considerando as grandes somas de dinheiro de origem espúria posto em circulação clandestinamente e por meio de centenas operações de branqueamento. Toda a atividade criminosa aqui tratada teve a finalidade de que Sergio Cabral, seus familiares e comparsas integrantes da organização criminosa desfrutassem de uma vida regalada e nababesca”.
“Os autos revelaram a ambição desmedida de Carlos Miranda, que era o mais importante homem na administração financeira dos milhões de reais de propinas recolhidas em favor da referida organização criminosa”.
“Os autos revelaram que Ary Filho possuía ambição desmedida em manter-se ao lado de pessoas detentoras de poder, tanto que participava intensamente das campanhas eleitorais de Sergio Cabral”.
Nesse mesmo julgamento, Bretas comenta o fato de Sérgio Cabral ter pedido a sua suspeição depois que o magistrado deu entrevista para o site Valor Econômico antecipando a decisão do julgamento. Foi o próprio magistrado que julgou se tinha agido errado e, claro, concluiu que não. “Em verdade, parece a defesa apegar-se a filigranas, talvez porque não existem argumentos concretos para a oposição da suspeição (…) Em verdade, fica a impressão de que a própria defesa do acusado/excipiente, antecipando-se a possível decisão desfavorável, equivocou-se em fazer uma leitura tendenciosa das declarações veiculadas na imprensa”.
Em outras sentenças, Bretas faz declarações dignas de um político populista que busca dialogar com o tal “sentimento social” de Barroso, sempre abusando de opiniões particulares como se fosse um tuiteiro qualquer:
Grilo e Bretas têm tudo para seguir o mesmo caminho de Sergio Moro, que virou celebridade atuando politicamente na magistratura e, assim, pavimentou o caminho para se transformar num político popular de extrema direita.
O espírito jurídico dos nossos tempos é lavajatista: reacionário, punitivista e populista. É dentro desse cenário que está sendo forjada a figura do juiz-celebridade. Essa figura é, ao mesmo tempo, agente e produto da degradação gradual pela qual vem passando a democracia brasileira. Quando um juiz vira celebridade atropelando as regras, morre um pouco a democracia.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Do ConJur sobre parte da Justiça simpatizante da extrema direita: Promotora do MP que desmentiu porteiro no caso Marielle fez campanha a favor de Bolsonaro, o que a desrespeitada Constituição Federal proíbe








De acordo com o artigo 128 da Constituição Federal, é vedado aos membros do MP exercer atividade político-partidária
Do Conjur, republicado pelo GGN
Apesar de a Constituição Federal proibir a atividade político-partidária por membros do Ministério Público, a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, que participou da coletiva sobre o caso Marielle Franco, fez campanha em favor de Jair Bolsonaro durante as eleições de 2018.
Imagens de seu perfil no Instagram a mostram vestindo camiseta com a imagem do então candidato e o escrito “Bolsonaro presidente”. Em outras publicações ela comemora a vitória de seu candidato: “O Brasil venceu!!! 57,7 milhões! Libertos do cativeiro esquerdopata”, publicou.
As publicações podem render uma punição à promotora. De acordo com o artigo 128 da Constituição Federal, é vedado aos membros do MP exercer atividade político-partidária.
Em recomendação de 2016, o Conselho Nacional do Ministério Público afirmou que a vedação não se limita à filiação partidária, “abrangendo, também, a participação de membro do Ministério Público em situações que possam ensejar claramente a demonstração de apoio público a candidato ou que deixe evidenciado, mesmo que de maneira informal, a vinculação a determinado partido político”.
O órgão, inclusive, tem punido aqueles que violam a regra. Em 2018, um promotor da Paraíba foi multado por exaltar, em um vídeo gravado dirigido ao povo de Bayeux (PB), a candidatura de Leonardo Micena a prefeito daquele município.
Em decisão mais recente, o CNMP puniu com suspensão não remunerada um procurador da Bahia que publicou um texto criticando Jair Bolsonaro e atacando membros do Poder Judiciário. Na decisão, o CNMP entendeu que o procurador não respeitou a impessoalidade e a isenção em relação à atividade político-partidária, deveres constitucionais dos membros do Ministério Público.
Entrevista coletiva
A promotora Carmen Eliza participou de entrevista coletiva nesta quarta-feira (30/10) sobre o caso Marielle Franco. Na entrevista, o MP-RJ disse que o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra mentiu sobre ter ligado, a pedido de Élcio Queiroz, suspeito da morte da vereadora Marielle, para a casa da família do presidente Jair Bolsonaro. A versão do porteiro foi apresentada pelo Jornal Nacional, da TV Globo.
Atendendo a um pedido do ministro da Justiça, Sergio Moro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que o MPF no Rio instaure inquérito para investigar as declarações do porteiro.



sábado, 25 de maio de 2019

Direito, justiça partidarizada, sentença e coerção, por Giselle Mathias


Qual literatura jurídica permite que a liberdade de uma pessoa seja cerceada em caráter subjetivo? A resposta é objetiva: trata-se do Direito Penal do Inimigo, adotado em ditaduras para eliminar os adversários


Por Giselle Mathias
O Judiciário se tornou protagonista na política mundial: muitos estudam seu ativismo político, em especial nas questões relacionadas aos Direitos Humanos. Porém, o protagonismo dos últimos tempos está ligado a um novo formato, qual seja a sua intervenção direta sobre os outros poderes constituídos – Legislativo e Executivo -, usando como motivação um novo mote mundial que seria “a guerra contra a corrupção”.
Há uma cooperação internacional entre os membros de Ministérios Públicos de diversos países, dentre os quais dos EUA e do Brasil. Após o escândalo da política de espionagem da CIA por meio da empresa NSA, tomou-se conhecimento que o governo norte-americano possui muitas informações sobre empresas e governos, as quais são repassadas às Procuradorias destes Estados. Por meio de cooperação entre governos, com a finalidade de processar agentes que tenham cometidos crimes de corrupção, informações obtidas por essa espionagem da NSA são usadas para uma atuação conjunta na abertura de processos e em condenações. Esta é a síntese da construção da chamada “guerra contra a corrupção”.
Em nome dessa “nova guerra mundial”, vem ocorrendo em vários países a condenação de empresários e políticos pelas informações oriundas de espionagem, quase como uma substituição da chamada “guerra às drogas”.
A questão que se abre aqui, especificamente no Brasil, é a motivação e a forma da atuação de alguns membros do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário, com episódios de evidente intervenção nos outros Poderes, extrapolando preceitos legais e princípios jurídicos em nome da “guerra contra a corrupção”.
A dúvida que surge a partir dessas ações paira sobre a qualidade das sentenças judiciais exaradas em casos tais, e como essas decisões – que, a rigor, não se fundamentam no Direito – são cumpridas e aplicadas, em razão de sua força coercitiva.
É preciso evidenciar que sentenças judiciais não possuem força de lei, mas estão  pautadas na coerção, uma vez que, se não forem cumpridas, aqueles que a desobedecerem estarão sujeitos a prisão.
Sua força coativa está demonstrada nos diplomas legais pátrios, transcritos abaixo:
Código Penal, Crime de Desobediência

Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Código de Processo Civil
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Conforme se observa do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988 tem-se que: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade;
Assim, tem-se que não basta uma sentença judicial ser exarada por um juiz togado, aquele que passou em um concurso público, mas a decisão deve, obrigatória e incondicionalmente, estar fundamentada no Direito pátrio. Trata-se de uma garantia ao Estado Democrático de Direito, e à preservação da Democracia.
Diante dessas premissas surgem algumas questões: O que vem acontecendo no Brasil? Por que esses limites não são respeitados? Há possibilidade de coibir esses abusos?
A partir destas questões, depreende-se que, HOJE, O Poder Judiciário brasileiro vem aplicando aos atores políticos um mecanismo de criminalização que historicamente se aplicava de forma restrita a uma determinada camada da população: aquela sempre marginalizada e com seus direitos negados, o que  não é – nem nunca foi – desconhecido de ninguém no país.
Amplia-se, portanto, a partir do chamado “Mensalão” a aplicação de um modus operandiextravagante, dessa vez aplicado pelo Supremo Tribunal Federal, em que o Direito passa a ser secundário e o que vale é apenas a força coercitiva da decisão judicial, com a total ausência de fundamentos jurídicos.
Assim, dentro desse contexto não é possível esquecer a frase constante do voto da Ministra Rosa Weber “Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”.
QUAL LITERATURA JURÍDICA PERMITE UMA CONDENAÇÃO PENAL, EM QUE A LIBERDADE DE UMA PESSOA É CERCEADA, EM CARÁTER SUBJETIVO? A RESPOSTA À ESTA PERGUNTA É OBJETIVA: TRATA-SE DO DIREITO PENAL DO INIMIGO, AQUELE ADOTADO EM DITADURAS COM O OBJETIVO DE ELIMINAR OS ADVERSÁRIOS E AQUELES QUE PODEM ALTERAR AS ESTRUTURAS DE PODER – O “INIMIGO”.
Nessa conjuntura, Nietzsche se torna bem presente na realidade  brasileira em razão de três pressupostos por ele assim definidos: “Primeiro, as regras do Direito são determinadas pela conveniência dos mais fortes; segundo, a consciência do Direito surge exatamente da luta que os homens travam; em terceiro, ‘só há direitos iguais para forças iguais’. Quando a relação de forças muda, mudam também os direitos e os deveres: a manutenção de Direitos depende do poder respectivo dos contratantes, sempre em situação de desigualdade” (in Escritos Sobre Direito, Ed. PUC Rio, 2009, p. 18 e 19).
A análise social do Direito feita por Nietszche demonstra o incômodo da classe dominante com o ampliação dos direitos à população no Brasil. Em razão disso, aqueles que trabalhavam pela mudança na correlação de forças estabelecida no país precisavam ser eliminados da vida política, para que a oligarquia reestabelecesse a sua posição de domínio. Nesse contexto, o Poder Judiciário passa a ser o principal instrumento para a criação do Inimigo.
É interessante observar que na obra “Conceito do Direito”, H. L. A Hart sustenta que toda a construção parte do princípio segundo o qual o duplo grau de jurisdição seria o suficiente para impedir os possíveis rompantes de Poder do indivíduo pois, mesmo que o individuo se sobrepusesse sobre sua competência ou sobre o direito, este seria “corrigido” pelo colegiado – imposto pelo duplo grau de jurisdição – porque a norma de reconhecimento aceita pela sociedade e, principalmente, pela comunidade jurídica, seria a aplicada.
Alterar as normas de reconhecimento, segundo Hart, só seria possível através da tomada de poder, através da ascensão de um ditador, de um autoritário, que imporia suas novas regras de reconhecimento, subjugando o Poder Judiciário.
Também Steven Levitsky e Daniel Ziblat, na obra “Como as Democracias Morrem”, seguem o entendimento que as ameaças às Democracias vêm da ascensão de agentes políticos autoritários no Poder Executivo e no Legislativo. O Poder Judiciário seria pressionadocoagido ou até mesmo corrompido para atender os interesses do grupo que ascendeu ao controle do Estado, seja por eleições no Executivo ou através de processos no Legislativo, como o impeachment.
O Brasil vivencia um período em que a fragilização da Democracia e a aversão à política estão ligadas a ações diretas do Poder Judiciário.
A AP 470, chamada de “Mensalão”, foi usada para desconstruir e macular a política partidária brasileira. A partir dela tem-se a construção, no ideário comum da população, que todos os partidos políticos são contaminados pela corrupção, que todos os políticos que estejam no Estado o utilizam para enriquecer. No caso aqui apresentado, o Poder Judiciário traz um novo argumento: alega que os crimes de corrupção cometidos teriam como objetivo “a perpetuação de um partido político no poder”, atípico em relação ao objetivo definidor daqueles crimes, que é o enriquecimento próprio do indivíduo.
Essa alegação serve para justificar a ausência de provas na AP 470, principalmente, no que se refere à pessoa de José Dirceu. Enquanto que, em diversas investigações e processos na atualidade contra determinados políticos encontram-se gravações, contas no exterior e malas de dinheiro, a AP 470 não apresenta qualquer prova de ganhos pessoais.
Assim, para justificar a condenação do então Deputado José Dirceu e ex-Ministro da Casa Civil do primeiro mandato do Presidente Lula, os Ministros do STF sacam uma teoria jurídica – a Teoria do Domínio do Fato – para, supostamente, fundamentar a condenação e a criminalização de um Partido Político. No caso, de um partido de base popular, antagonista aos interesses da oligarquia nacional.
Claus Roxin, jurista alemão que aprimorou a Teoria do Domínio do Fato, declarou em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, no dia 11/11/2012, que “Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado. (…) A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem”.
O que se tem na AP 470 é uma suposta literatura jurídica que “fundamentaria” a condenação de José Dirceu, pois provas não havia e não as há.
Portanto, o que levou à prisão de Dirceu foi única e meramente a força coercitiva de uma decisão judicial, e não a aplicação da norma.
Outro caso conhecido, o qual não se refere à matéria penal, que ilustra bem o momento do Poder Judiciário brasileiro é o famoso auxílio-moradia dos juízes.
A Lei Orgânica da Magistratura determina em seu artigo 65, inciso II, que:
Art. 65 – Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: 
I – (revogado)
II – ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do Magistrado. (Redação dada pela Lei nº 54, de 22.12.1986)
Esse auxílio foi ampliado a todos os magistrados através de uma liminar de Luiz Fux, Ministro do STF, em uma forçada intepretação que  gerou um custo elevadíssimo para o orçamento da União e, consequentemente, para toda a população.
O absurdo (imoral) dessa situação foi a revelação, prolatada por vários magistrados, que a concessão ampliada do auxílio-moradia foi a resposta pela recusa do Executivo em dar aumento ao subsídio dos magistrados.
O que se tem, portanto, é o uso da força coercitiva de uma decisão judicial para burlar as questões legais e as competências estabelecidas pela Constituição.
O mais chocante é ver a defesa desta decisão que traz a seguinte justificativa: uma possível imoralidade deste, mas não sua ilegalidade. Absurdamente, entendem que a imoralidade possa ser aceita. No entanto, o que se vê é a imoralidade de defender a ilegalidade, pois a decisão referida confronta a Constituição, carecendo de fundamentação jurídica e de motivação, assim como também fere a Lei Orgânica da Magistratura que estabelece de forma restrita a concessão de tal auxílio.
Os casos aqui apresentados servem de ilustração para o momento vivenciado no Brasil, em que o Poder Judiciário se arrogou apenas da política e deixa de exercer a função que lhe foi estabelecida na Constituição.
O Brasil foi encarcerado pela oligarquia através do Poder Judiciário, um poder que sempre esteve nas mãos da casta oligárquica e que jamais permitiu ou endossou os avanços das políticas sociais, e, hoje vem sendo usado para impedir o Brasil para todos, encarcerando as lideranças populares e criminalizando a política com o uso maciço da mídia para legitimar suas ações.
O que deveria ser o Poder contra majoritário, usa das ruas para retomar o Estado escravocrata que vinha sendo dirimido nos últimos anos com a implementação de políticas sociais inclusivas e reparadoras de desigualdade.
A pergunta feita acima de como seria possível coibir esses abusos, em princípio, ficaria sem resposta. Porém a resistência, a denúncia e a política são a resposta para se alterar essa correlação de forças. Buscar o equilíbrio entre as forças cidadãs e os interesses da oligarquia, por meio da luta política, é a forma de reestabelecer o Estado Democrático de Direito no Brasil.
 Giselle Mathias é advogada em Brasília e integra a ABJD/DF, a RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares e #partidA/DF.

sábado, 16 de março de 2019

Cinco anos de Lava Jato: não há o que comemorar, por Leonardo Isaac Yarochewsky, criminalista e doutor em ciências criminais

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Como já foi dito por Claus Roxin, o sistema de justiça penal é um mal necessário, quando se retira o necessário sobra apenas o mal.

do Empório do Direito (reproduzido também no GGN)

Cinco anos de Lava Jato: não há o que comemorar

por Leonardo Isaac Yarochewsky, Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG


1- A origem:
No ano de 2009, a Polícia Federal (PF), instaurou inquérito para investigar empresas do então deputado Federal José Janene (PP), e deparou-se com indícios de lavagem de dinheiro que culminaram, cinco anos depois, na ação que levou à prisão doleiros, altos executivos e agentes políticos e públicos.
Segundo os responsáveis pela operação, a origem de tudo está na apuração do uso da empresa Dunel Indústria e Comércio Ltda. para lavagem de capitais por meio da CSA Project Finance, que teria à frente pessoas ligadas ao deputado Federal Janene, falecido em setembro de 2010. Mas os indícios de crimes reunidos até aquele momento levaram a investigação adiante, com interceptação de telefones e e-mails. O alvo: o doleiro Carlos Habib Chater, que tinha como base de atuação o Posto da Torre.
Foi esse tradicional ponto de venda de combustíveis em Brasília que inspirou o nome da Operação. “Lava Jato” é uma referência a estabelecimentos usados pelo grupo para lavar valores. O posto, por exemplo, não aceitava pagamentos em cartões. Só dinheiro vivo, o que, de acordo com a PF, facilitava a confusão entre dinheiro sujo e limpo.
Em 17 de março de 2014, a Polícia Federal deflagrou a Operação “Lava Jato” em seis estados e no DF. Dezesseis pessoas foram presas, dentre elas o “doleiro” Alberto Youssef. Três dias depois da prisão de Youssef, em 20 de março de 2014, o diretor de abastecimento da Petrobras de 2004 a 2012, Paulo Roberto Costa, foi preso pela Polícia Federal suspeito de destruir documentos. Paulo Roberto Costa era investigado por supostas irregularidades na compra pela Petrobras da refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006. Verificou-se, também, um relacionamento suspeito entre Paulo Roberto e o “doleiro” Alberto Youssef. 
2- Cinco anos depois:
Em cinco anos de operação (17/3), foram deflagradas, somente no Paraná, 60 fases, com o cumprimento de 1.196 mandados de busca e apreensão, 227 mandados de condução coercitiva – considerada posteriormente inconstitucional pelo STF – 310 mandados de prisão expedidos pela Justiça Federal (entre temporárias e preventivas) contra 267 pessoas (alguns envolvidos seguem foragidos).
Nestes cinco anos, foram oferecidas 91 denúncias contra 426 pessoas. Em 50 processos já houve sentença, totalizando 242 condenações contra 155 pessoas. Até o momento, a soma das penas atinge 2.242 anos e 5 dias.[1]
Os números impressionam, mas escondem os métodos e os meios que foram e continuam sendo utilizados para o fantasmagórico sucesso da “Lava Jato”. Denúncias foram ofertadas sem o mínimo lastro probatório – sem justa causa – com base apenas em convicções do órgão acusador. Conduções coercitivas – consideradas inconstitucionais pelo STF – foram utilizadas com viés intimidatório. Prisões no curso do processo, até mesmo do inquérito, foram decretadas – sem razão de cautela e sem qualquer necessidade – muitas vezes em busca da questionável, frágil e abjeta delação. Interceptações telefônicas foram perpetradas em afronta à Constituição. Em nítida violação ao processo penal acusatório, Procuradores e Magistrados se uniram e se confundirm em nome da sanha punitivista em prejuízo do devido processo legal. Sentenças condenatórias foram proferidas por Juiz incompetente e suspeito. Penas exacerbadas foram aplicadas em desconsideração aos princípios da individualização e da proporcionalidade da pena. Para satisfazer a opinião pública(da) a presunção de inocência foi aniquilada em nome do discurso oco da impunidade.
Como se não bastasse, os Procuradores da “Lava Jato”, em nome de interesses próprios, utilizam das redes sociais para constranger o Supremo Tribunal Federal (STF).
Acordo espúrio entre os Procuradores da “Lava Jato” e a Petrobras, de R$ 2,5 bilhões, foram objeto de inúmeros questionamentos, inclusive com pedido de anulação através da ADPF (Ação por Descumprimento de Preceitos Fundamentais) feito pela própria Procuradoria Geral de República. Conforme declarou a Procuradora Geral Raquel Dodge, a Constituição define o papel de cada poder e que isso é “fundamento constitucional que constitui o alicerce e o equilíbrio do sistema democrático“.
Referindo-se aos poderes ilimitados do Ministério Público, Afranio Silva Jardim salientou que “depois que o Ministério Público passou a desempenhar a função da polícia, vale dizer, passou a exercer a atividade de polícia judiciária, os seus membros passaram a sofrer daquelas mesmas patologias e estão convencidos que são os verdadeiros ‘salvadores da pátria’”. [2]
Assim, de acordo com o professor e procurador de Justiça (aposentado), “alguns membros do Ministério Público passaram a não mais dispensar uma entrevista coletiva para a imprensa (por vezes patética) e tudo fazem para mostrar que são ‘meninos maus’ e que podem processar qualquer um, que podem processar os ‘poderosos’”.[3]
A imparcialidade, como garantia constitucional, exige que o julgador mantenha uma posição equidistante das partes e equilibrada diante do processo para que possa, ao final, buscar a decisão correta e mais justa e que resulta da sua imparcialidade.
Como bem assevera Gustavo Badaró, “a palavra juiz não se compreende sem o qualificativo imparcial. Não seria exagerado afirmar que um juiz parcial é uma contradição em termos”. [4]
Contudo, na Operação “Lava Jato”, ao invés da imprescindível separação entre juiz e acusação, o que se viu e o que se vê, em muitos casos, em afronta ao processo acusatório – opção e garantia constitucional – é a união entre Juiz e MPF. 
3- Conclusão:
Hoje já é notório, até mesmo para quem dantes defendia a Operação, que os métodos utilizados pela famigerada “Lava Jato”, com seu caráter seletivo, os vazamentos direcionados, as interceptações abusivas, o excesso de prisões provisórias (decretadas, inúmeras vezes, como moeda de troca para forçar delações), as elevadíssimas penas, resultantes das sentenças que desprezam a defesa e o uso da mídia para influenciar a sociedade e justificar os atropelos do devido processo legal, são abusivos, arbitrários e representam uma violação ao Estado de Direito.
Por tudo, é necessário compreender que a Constituição da República não é apenas um objeto a enfeitar as bibliotecas e as estantes dos gabinetes dos procuradores da República e dos juízes Federais. A Constituição da República, nossa lei maior que proclama o Estado Democrático de Direito e que tem como postulado o respeito à dignidade da pessoa humana e que consagra os princípios do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, do devido processo legal, entre outros, não pode ser atropelada pela fúria punitiva e pelo combate cego a corrupção.  Qualquer que seja a operação e sua finalidade, é imprescindível que os limites ao poder punitivo impostos pela lei e pelo próprio Estado Democrático de Direito não sejam ultrapassados. Como já foi dito por Claus Roxin, o sistema de justiça penal é um mal necessário, quando se retira o necessário sobra apenas o mal. Por fim, a sociedade precisa apreender, goste ou não, que qualquer punição fora do Estado de Direito é barbárie
Notas e Referências
[4] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 4ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.p. 44.
Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG.

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