sábado, 9 de dezembro de 2017

Os Reitores e a Petrobrás, por José Augusto Ribeiro




Os Reitores e a Petrobrás
por José Augusto Ribeiro
GGN. - Foi pelo blog do Nassif – não pela grande mídia dos jornais e da TVs - que tomei conhecimento do triste episódio da condução coercitiva do Reitor Jaime Arturo Rodrigues, da Vice-Reitora Sandra Goulart de Almeida e de outros professores da Universidade Federal de Minas Gerais.  Não é pela grande mídia, é  pelo blog do Nassif e por outros blogs – principalmente Paulo Henrique Amorim, do Conversa Afiada, e Leonardo Attuch, do 247 – que tomo conhecimento dos protestos contra essa brutalidade.
A  condução do Reitor da UFMG foi tão silenciada na grande mídia quanto as circunstâncias do suicídio do também Reitor Luís Carlos Cancellier, da Universidade de Santa Catarina. No caso de Cancellier, houve grande alarido quando  se contou e mostrou na TV o espetáculo  da verdadeira operação de guerra planejada e executada para desmontar o que apresentaram como um grande esquema criminoso e afinal não pariu nem um rato. Depois do suicídio, silêncio. No caso da UFMG, idem, silêncio desde o início.
No  caso de Cancellier,  a história toda foi contada pelos blogs, o que me levou a uma pecaminosa associação de ideias. Num capítulo da temporada de 2016 desta série televisiva chamada Lava Jato, o blogueiro Eduardo Guimarães foi submetido, a pretexto de que blogueiro não é jornalista,  a uma condução coercitiva destinada a obrigá-lo a revelar a fonte de uma informação publicada por ele – informação relacionada a outra condução  coercitiva, a de Lula no início daquele ano. Na história contada pelos blogs e omitida pela grande mídia, ficou claro que o Reitor foi vítima de uma delação mentirosa, um ato desprezível de vingança praticado por um corregedor e acolhido por uma delegada  e por uma juíza.
No caso da UFMG, não nos espantaremos se logo aparecer alguma delação  ou  alguma denúncia anônima, pois essa prática foi erigida em serviço patriótico, tem sido muito bem remunerada e substitui as investigações que comprovariam ou não as suspeitas de corrupção. Se lessem um pouco mais de história contemporânea e um pouco menos das revistinhas do Capitão América e do Homem Aranha, os cavaleiros dessa cruzada macartista saberiam que Stalin e Hitler montaram a eficácia de suas polícias políticas recorrendo à deduragem, até de filhos pequenos induzidos a espionar e denunciar os próprios pais.
A violência na UFMG foi seguida, dias depois, por outro episódio  que me parece exemplar da triste situação a que estamos submetidos,  com o  envenenamento até do ar que respiramos: a palestra do juiz Sérgio Moro na Petrobrás – e espero que Moro o desminta e que as notícias a respeito não sejam verdadeiras. Pelo que li, o juiz fez várias recomendações à Petrobrás – e, entre elas, que a empresa institua prêmios em dinheiro  a seus funcionários,  para estimular a denúncia de casos de corrupção.
Até aqui tínhamos pessoas investigadas ou já processadas que negociavam, em troca de delações premiadas, penas menores ou até nenhuma pena (caso dos Joesleys da JBS). Agora, a ser verdadeira a notícia, teremos funcionários da Petrobrás espionando e denunciando colegas em busca de sua mega-sena secreta. Já dá para imaginar o clima de suspicácia, desconfiança e medo em que passarão a trabalhar e viver os milhares de profissionais  de nível superior – sobretudo  engenheiros e geólogos – e de nível técnico que já levaram a Petrobrás ao Pré-Sal, mas  serão tratados como suspeitos e em alguns casos como investigados e ficarão sujeitos ao que acontecia na Alemanha de Hitler: se batiam à porta de sua casa de manhã cedo, não era o leiteiro, eram as SS.
A Petrobrás tem uma história que não se confunde com as revistinhas do Capitão América e do Homem Aranha. Um dos episódios marcantes dessa história figura em meu livro Getúlio Vargas, a Morte com um Sorriso, sobre a crise de agosto de 1954, que pretendo publicar assim que conseguir editora.
No auge da crise, Getúlio era atacado toda noite na televisão, às vezes horas a fio, por Carlos Lacerda, que pedia sua renúncia ou sua derrubada por um golpe militar. Lacerda se revezava nas duas únicas TVs existentes no Brasil, uma no Rio, ainda Capital da República, a outra em São Paulo, ambas de propriedade de Assis Chateaubriand, nosso Rei da Mídia na época.
Além desse monopólio da televisão, Chateaubriand era dono de jornais poderosos e rádios fortíssimas em todos os Estados e de uma revista semanal ilustrada, O Cruzeiro, com mais de 500 mil exemplares de circulação.  O Brasil tinha na época pouco mais de 50 milhões de habitantes e hoje tem quatro vezes isso, mais de 200 milhões. Mantidas as proporções, O Cruzeiro venderia hoje 2 milhões de exemplares.  Todos esses veículos de Chateaubriand estavam mobilizados para derrubar Getúlio.
O subchefe do Gabinete Militar de Getúlio, General Mozart Dornelles,  conhecia Chateaubriand e ficara seu amigo na Revolução de 30, que Chateaubriand cobrira como jornalista (e até se incorporara ao trem que trazia Getúlio e o estado-maior da revolução de Porto Alegre para o Rio). Ferido pela fúria dos ataques de Carlos Lacerda, o General foi procurar Chateaubriand sem informar Getúlio.
A  pretexto, como sempre,  de denúncias de corrupção que os fatos desmentiram completamente, Lacerda ultrapassou todos os limites  na madrugada de 24 de agosto, quando se noticiou que Getúlio se afastaria do governo, licenciando-se, para o Vice Café Filho  assumir as investigações em andamento, embora enfiado até o pescoço no golpe contra o governo.  Eram ataques tão pessoais e desmedidos que Lacerda chegou ao ponto de dizer na Rádio Globo, entrevistado ao vivo nessa madrugada:
- Licença? Ele tem é que apodrecer na prisão!
O General Mozart  esteve com Chateaubriand bem antes disso e perguntou por que aquela campanha. Chateaubriand não fez cerimônia e respondeu, sem a menor preocupação com o que no futuro a história poderia revelar desse encontro:
- Mozart, eu adoro o Presidente... É só ele desistir da Petrobrás que eu tiro as televisões do Lacerda e entrego a quem o Presidente quiser para fazer a defesa do governo.
O General voltou para o Palácio do Catete, sede da Presidência no Rio,  encontrou o Ministro da Justiça Tancredo Neves, seu cunhado, contou o que ouvira de Chateaubriand e pediu a opinião de Tancredo: deveria ou não contar a Getúlio sobre a proposta de Chateaubriand?
- Acho que você deve contar, sim. O Presidente deve ser informado disso. Mas você sabe, Mozart, como eu sei, que o Presidente morre mas não desiste da Petrobrás.
Dias depois, Getúlio estava morto – e, morrendo como morreu, garantiu que a Petrobrás vivesse, ameaçada muitas vezes, mas sempre resgatada pela força do sentimento popular e pela resistência de seu corpo técnico.
Espero que a sugestão atribuída ao juiz Moro pela grande mídia, não pelos blogs, seja desmentida ou descartada e não tentem levá-la também às universidades. Se ideias como essa viralizarem, logo os orçamentos públicos terão de ser corrigidos para destinar mais recursos à construção de presídios. O Brasil, já o terceiro país que mais prende no mundo, disputará o segundo e quem sabe o primeiro lugar nessa corrida. E um novo slogan eleitoral poderá ser oferecido pelos marqueteiros a candidatos emergentes desse arrastão inquisitorial: “Mais prisões, menos escolas!"

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