quinta-feira, 6 de abril de 2017

Quando a imprensa elitista tem horror aos direitos e à justiça social...



Novo” colunista da “Folha” repete o antiquíssimo cacoete das elites. Para elas, não há relação com o Estado que não se baseie em privilégios — porque nada é mais detestável que a igualdade…


Eles nunca compreenderão os Direitos


artigo de Camila Barrettto Maia - no Outras Palavras

Em sua coluna de estreia na Folha de São Paulo (“Discurso dos ‘direitos’ parece admirável, mas é antidemocrático”), Joel Pinheiro da Fonseca embaralha conceitos e confunde o leitor para deslegitimar a defesa dos direitos humanos no país.
Omitindo os qualificativos implícitos nas palavras de ordem, Joel não menciona os “direitos humanos” (na sua versão universal) nem os “direitos fundamentais” (na sua versão nacional-constitucional). O faz de maneira a colocar no mesmo saco do “discurso de direitos” o seu extremo oposto: a defesa de privilégios corporativos.
O colunista acerta ao dizer que, ao categorizar determinada questão como um direito, estamos afirmando a obrigação que a sociedade tem de protegê-lo. Os direitos que garantem que todas as pessoas que se encontram no nosso território vivam com um mínimo de dignidade são condição essencial para que a própria regra da maioria, assim como outras normas básicas do jogo democrático, funcione. A desigualdade social e a pobreza podem atingir níveis tais que a sociedade como um todo mergulhe na barbárie – como já ocorre nos territórios marginalizados desde que o Brasil é Brasil.

O diabo está sempre nos detalhes. A passagem mais importante do artigo, aquela que promove uma ideia distorcida do discurso de direitos, está ali onde menos se espera: no exemplo. “Se algo – digamos, a aposentadoria integral de um funcionário público – é visto como um direito, ele sai da esfera da deliberação democrática”, argumenta.
O exemplo é escolhido a dedo para associar defesa de direitos à busca de privilégios. Essa estratégia é nossa velha conhecida, sendo acionada sempre para desqualificar políticas defendidas pela esquerda, notavelmente as de ação afirmativa.
Desta forma sutil, o colunista dá a entender que somos contra a reforma de Previdência em função do direito abstrato de qualquer funcionário público de receber aposentadoria integral às custas da sociedade. Nada mais longe da realidade.
A proposta da “Reforma” da Previdência que buscamos derrubar nas ruas está marcada pela garantia de privilégios como a aposentadoria integral, sem teto, daqueles funcionários que recebem supersalários, incluindo diversas categorias de nível federal, os parlamentares e os integrantes do Poder Judiciário; ou as aposentadorias e pensões dos integrantes das Forças Armadas e seus familiares. Retira, por outro lado, direitos – estes sim, com toda a carga que essa palavra tem – de quem tem pouco ou quase nada como, os beneficiários do Benefício de Prestação Continuada e os trabalhadores das camadas mais pobres, que têm dificuldade de se manter de maneira estável no mercado de trabalho formal.
Outra questão muito diferente, com consequências estruturais, é restringir o acesso à aposentadoria dos professores da rede pública. Aqui, o discurso de direitos não diz respeito apenas ao direito adquirido de uma categoria de servidores. Há décadas, os professores recebem no Brasil salários absolutamente indignos, incompatíveis com a importância da função que cumprem. O sucateamento da educação afeta a busca, pactuada democraticamente em 1988, da garantia do direito à educação pública de qualidade.
Não é privilégio da direita neoliberal “elencar prioridades e medir consequências”. Ao definir nossas prioridades para o Brasil, escolhemos defender direitos e combater privilégios corporativos e de classe. Se a denúncia da retirada de direitos é “a objeção indignada que serve para todas as reformas”, talvez seja porque todas elas apresentam um sentido comum.
A conscientização da população sobre os impactos das reformas – seja sobre seus direitos adquiridos, seja sobre a garantia dos direitos fundamentais no país – busca provocar um debate que as autoridades e a mídia se negam a fazer no tempo e forma necessários. Longe de “cegar para os reais dilemas da política e da ação do Estado”, o discurso de direitos os revela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário