quinta-feira, 24 de junho de 2021

Xadrez do caso Paraguai e as jogadas ambientais de Ricardo Salles, por Luis Nassif

 Empresa que tentou golpe em Itaipu se envolveu em jogadas ambientais em São Paulo. O esquema federalizou com o desmonte da fiscalização ambiental



Publicado originalmente em 13 de agosto de 2019 no GGN:

O jogo da desregulação ambiental

A reportagem abaixo descreve como são montados os grandes negócios em cima do vácuo criado na fiscalização ambiental.

O jogo segue as seguintes etapas:

Etapa 1 – grupos da economia subterrânea juntam-se visando influenciar a obtenção de licenciamento ambiental.

Etapa 2 – montam-se esquemas com empresas fantasmas, visando ocultar os verdadeiros beneficiários.

Etapa 3 – obtido o licenciamento, vendem os direitos a outras empresas.

Como Secretário do Meio Ambiente do governo Alckmin, Ricardo Salles atuou nessa direção, em um esquema que envolvia o grupo Leros Participações S/A, que, agora, se envolveu no escândalo do acordo de Itaipu.

O caso que vou relatar refere-se a um projeto da Gastrading, empresa que pretendia montar um projeto bilionário em Peruibe. A empresa é controlada pela Leros Energia e Participações S/A.

Vamos por partes

Peça 1 – os fabricantes de CNPJ

Comecemos por  Kleber Ferreira da Silva, o principal controlador da Leros Energia e Participações S/A. Ele é sócio de 33 CNPJs (clique aqui), desde o Mercadinho São José até a SP Energia e Participações e  da Leros Group – a empresa que tentou adquirir a energia da ANDE, a Eletrobrás paraguaia, deflagrando o escândalo que ameaça o cargo do presidente da República paraguaia.

Há cinco pessoas que figuram como sócios e diretores Kleber Ferreira e mais quatro sócios, dentre os quais Alexandre Siqueira Chiofetti.

Alexandre Siqueira Chiofetti é sócio de 1 empresa no estado de Rio Grande Do Norte, 5 em São Paulo e 1 em Rio De Janeiro. É também o titular de uma conta nas Ilhas Virgens Britânicas, indício de que opera em nome de alguém.

A parte mais relevante do organograma é o nome de Eduardo Duarte, ligado a Chiofetti.

Duarte é um notório criador de empresas laranjas, atuando em parceria com Simone Burck. Já abriu 132 CNPJs e se apresenta como sócio de 1 empresa no estado de Paraná, 1 em Bahia, 1 em Rio Grande Do Sul, 34 em São Paulo, 3 em Santa Catarina e 80 em Rio De Janeiro, com uma quantidade enorme de sócios[i].

Duarte e Simone já se envolveram com o Opportunity, na Operação Satiagraha (clique aqui) .

Na época, Duarte chegou a ser apontado como sócio de mais de 700 empresas (clique aqui).

Em um dos casos, “a  EDSP90 Participações S/A foi criada em 15 de março de 2007 com um capital social de R$ 1.000. Menos de três meses depois, em assembleia realizada em 1º de junho, mudou de nome para GME4 e passou a receber aportes de capital que variaram de R$ 500 mil a R$ 8 milhões”. (clique aqui).

O caso mais notório – e menos divulgado, por razões óbvias – foi a montagem de uma empresa com capital de R$ 1 mil que foi adquirida pelos irmãos Marinho e, em seguida, transformada em  Organizações Globo Participações, com capital registrado de R$ 7.961.759.235,74 (clique aqui)[ii]. Aparentemente foi uma operação destinada a disfarçar ganhos de capital e que terminou no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Não se sabe o desfecho.

É mencionado na Operação Recomeço, do MPF, que investiga o escândalo com o Fundo Postalis (clique aqui)[iii]. O casal montou uma empresa de prateleira que, posteriormente foi repassada para Ronald Levinsohn, envolvido em escândalos graúdos nos anos 80, com sua caderneta de poupança Delfim.

Também aparece em investigações da Receita Federal, na Operação Lava Jato (clique aqui)[iv].

O nome de Eduardo Duarte, no esquema da Leros, é forte indicativo de empresas fictícias ou em nome de laranjas.

Peça 2 – o caso da empresa Gastrading.

A Gastrading Comercializadora De Energias S/A é uma empresa com capital social de R$ 1 milhão, e escritório na rua Gomes de Carvalho.

Em 2017 conseguiu uma licença ambiental em tempo recorde para construir uma usina termoelétrica em Peruíbe, litoral paulista.

Segundo a rádio CBN, em agosto de 2017 o Ministério Público Federal estranhou a rapidez com que o projeto caminhava para aprovação na Cetesb, sem consulta à população de Peruibe (clique aqui) e instaurou inquérito civil para acompanhar o licenciamento (clique aqui). Ao mesmo tempo, a Câmara Municipal de Peruíbe aprovou uma lei impedindo a instalação da empresa. O caso repercutiu na imprensa, assim como os riscos ao meio ambiente, inclusive com a possibilidade de formação de chuvas ácidas, conforme se confere na entrevista do Repórter Brasil (clique aqui).

Pergunta – No site do Verde Atlântico Energias aparece que o projeto terá baixa interferência nas unidades de conservação, mesmo com o TGNL dentro de uma APA Marinha. Mas consta a instalação de 10 km de gasoduto, de um emissário submarino a 2 km da costa que vai despejar 2.400 t/h de água quente no mar, uma unidade de captação de 3.400 t/h de água do mar a 4 km da costa, quebra mar de 900 metros que vai até o fundo do oceano, mais o tráfego de embarcações (com risco de acidentes e vazamentos), além da TGNL. Não parece muita coisa para ser considerada baixa interferência em um local, que é sempre bom lembrar, é considerado uma APA Marinha?

Resposta – Haverá compensação para todos os potenciais impactos que venham a ser identificados com a instalação da usina.

A interferência do MPF e da Câmara de Vereadores de Peruíbe surtiu efeito. E a Cetesb acabou negando a licença ambiental.

Peça 3 – o jogo do licenciamento

O projeto Gastrading expôs de forma nítida os negócios que se abrem quando se ganham facilidades no licenciamento.

O projeto previa R$ 5,7 bilhões de investimento total, a maior parte destinada à usina, com R$ 4,3 bilhões, R$ 200 milhões para a linha de transmissão de 86 quilômetros a ser conectada em Cubatão, R$ 400 milhões no gasoduto, que se conectaria na mesma cidade e R$ 800 milhões para um terminal que ficaria a 10 km da costa (clique aqui).

“Uma coisa é disputar o leilão da Aneel e a outra é implantar o projeto”, disse  Chiofetti “Podemos até mesmo abrir mão do controle operacional da usina, desde que tenhamos uma participação significativa no projeto”, indicou ele. “Mas temos a musculatura financeira para nos habilitarmos no leilão sim”, assegurou.

O capital social da empresa era de apenas R$ 1,8 milhão. É evidente que o único capital de que dispunha era o licenciamento

Peça 4 – o papel de Ricardo Salles

Durante o período em que o processo andou de forma acelerada na Cetesb, o Secretário do Meio Ambiente era Ricardo Salles, atual Ministro do Meio Ambiente.

Menos de um mês após o MPF instaurar o inquérito civil, Salles pediu demissão da Secretaria do Meio Ambiente (clique aqui).

Saiu com outro inquérito do Ministério Público Estadual nas costas, acusado de ter transformada a pasta em uma advocacia administrativa. Nela, “Bruna Alves Carneiro, esposa do secretário adjunto, assinava petições, e Antônio Velloso Carneiro e Ricardo de Aquino Salles atuavam na interlocução com autoridades públicas”.

Mesmo Ricardo Salles não estando no contrato social, no entanto, o MP acreditava que ele seria um dos donos do escritório (clique aqui).

O resumo do caso, preparado pelo MPE, era definitivo[v]

Em 19 de dezembro de 2018, Salles foi condenado pela Justiça paulista por fraudar o processo do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê (clique aqui).

Estava aprovado para se tornar Ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro.

Peça 5 – a jogada no Paraguai

Para a jogada no Paraguai, a Leros montou parceria com o suplente de senador Alexandre Giordano (PSL). Ele é proprietário de uma empresa concorrente.

Enfim, há um vastíssimo material para que o MPF, a Receita, o COAF e a Polícia Federal possam agir, visando prevenir os grandes negócios que estão sendo montados, em cima do desmonte da fiscalização ambiental por Ricardo Salles.

Sugere-se especial atenção com processos de energia e mineração em áreas de preservação. A propósito, o grupo Leros também montou uma Leros Minning.

Notas

[i] Sócios de Eduardo Duarte : Jorge Manuel Lopes Almeida, Claudia Yuko Sato Duarte, Paulo Sergio Ivo Dos Santos, Simone Burck Silva, Aluir Julio Brandalize, Rubens Gerigk, Matheus Rodrigues Duarte, Vinicius Aguillar Duarte, Carolina Duarte, Elizandra Cardoso Legnani, Fernanda Cristina Barbosa, Adriana Cristina Da Rocha Koch, Rosemeri Vandresen Duarte, Edson Roni Koch, Jeane Macieira Pinheiro Duarte, Carlos Gregorio Telleria, Alexandre Antabi

[ii]

[iii] Simone Burck Silva e Eduardo Duarte, ouvidos em sede policial (f. 423-426), esclareceram que apenas emprestaram o nome para a constituição da empresa RIO GUARDIANA PARTICIPAÇÕES S/A, que posteriormente se transformou na empresa GALILEO ADMINISTRAÇÃO. O próprio MÁRCIO ANDRÉ, aliás, admite que a empresa RIO GUARDIANA era de “prateleira”.

[iv] “Sobre EDUARDO DUARTE, chama atenção o fato dele aparecer no CNPJ como sendo, ou tendo sido, responsável legal perante o CNPJ por nada menos que 150 empresas, e como sócio administrador, presidente ou diretor de 100 empresas, a grande maioria participações societárias tendo como atividade serem holdings de instituições financeiras, a exemplo da RIO MEGA PARTICIPAÇÕES. Grande número de empresas também aparece vinculado a SIMONE BURK SILVA. Diversas empresas do grupo familiar de JORGE LUZ tem como sócio pioneiro EDUARDO DUARTE, (acompanhado de outros como SIMONE BURK, VINICIUS AGUILLAR DUARTE e ROGÉRIA DE CASSIA PINSARD), que parece produzir um espécie de criadouro de empresas para venda. São exemplos ainda as empresas LUZ PARTICIPAÇÕES, SEVEN PARTICIPAÇÕES, e empresas de MARIA DE NAZARÉ (HERAKLION PARTICIPAÇÕES, PREMIUM FUNDS ADMIN DE RECURSOS, MINDELT ASSESSORIA E PLANEJ, CENTRAIS EOLICAS DE CAETITE)”.

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