segunda-feira, 28 de junho de 2021

Xadrez dos jogos de poder em torno do impeachment de Bolsonaro. Por Luis Nassif

 

"Nos próximos meses, no embalo das novas formações políticas, visando o pós-bolsonarismo, ficarão mais nítidas as diferenças entre a centro-esquerda progressista e a centro-direita liberal. Ambas tratarão de avançar em discursos sociais. A diferença é que a centro-direita se limitará a demonstrações de bom mocismo, preservando a extraordinária concentração de renda no país, a continuação do desmanche do Estado e a privatização de estatais estratégicas."

Do Jornal GGN:



Dois episódios recentes, fundamentais, ditarão os cenários políticos futuros: as últimas pesquisas, mostrando a probabilidade de Lula ser eleito no 1o turno; o escândalo Biontech-Covaxim, expondo as relações políticas e de negócios entre a família Bolsonaro (representada por Flávio) e o Centrão (representado pelo líder do governo Ricardo Barros.

Entenda.

Peça 1 – a economia, o momento e o futuro

A pesquisa reflete o momento, os desastres continuados de Bolsonaro no combate à pandemia, seus arroubos e a permanência da crise econômica.

Há um conjunto de fatores pela frente, com vistas a 2022, cujos desdobramentos são de difícil aferição:

Recuperação relativa da economia – aumento das commodities, recuperação relativa da ociosidade da indústria poderão melhorar os indicadores de PIB. Por outro lado, permanece o enorme exército de desempregados.

Inflação em alta – a inflação está sendo pressionada pela soma de alta internacional das commodities e desvalorização cambial. Os últimos movimentos, de apreciação do câmbio poderá reduzir um pouco a pressão. Mas a elevação dos preços comprimiu as margens das empresas. Por isso, é pouco provável que a apreciação do câmbio se reflita sobre os preços.

Alta nos juros – a irracionalidade da política de metas inflacionárias levou o Banco Central a promover nova rodada de alta de juros, com impacto na recuperação da economia .

Efeitos da vacinação – em tese, deveria reduzir a incidência do Covid-19. Mas há sinais claros de entrada da terceira onda da pandemia, em um momento em que parcela pequena da população foi completamente vacinada.

Crise energética – a partir do segundo semestre haverá racionamento de energia ou, nos dizeres do governo, racionalização do consumo da energia. Haverá impacto óbvio nas tarifas de luz, impactando o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado e, também, o custo de produção das empresas.

Há uma probabilidade menor de recuperação da economia. Mas há que se considerar que qualquer melhoria, por mais discreta que seja, muda relativamente os humores do eleitorado.

Os próximos movimentos políticos se darão em torno desse jogo de dados sobre o potencial eleitoral de Bolsonaro.

Peça 2 – a crise da Bharat Biotech

A sucessão de escândalos em torno da vacina, obrigará as instituições a tomarem posição. Bolsonaro está se tornando insustentável. O que o mantém são apenas os cálculos em relação a 2022, pela dificuldade de se avaliar os desdobramentos do que vier a acontecer.

1. Se Bolsonaro é mantido no cargo, chegará a 2022 como uma ameaça de continuidade. Essa perspectiva reforçará a ideia do pacto em torno de Lula, afastando a viabilidade da terceira via.

Pelo contrário, se Bolsonaro cai, há dois movimentos subsequentes.

2. O primeiro, a tentativa do Partido Militar de se recompor em torno do vice-presidente Hamilton Mourão. Impressiona pelo eventual potencial golpistas, jamais por fôlego político.

3. A segunda, a tentativa de empinar a candidatura de um terceira via, da centro-direita autoritária, com probabilidade de ser Ciro Gomes.

Uma terceira possibilidade – menor – seria o bom senso baixar em um país e se manter a ideia de um pacto mais amplo, ensaiado a partir do encontro de Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Peça 3 – as disputas políticas

Nos últimos meses, esvaíram-se os últimos ecos da Lava Jato. Sérgio Moro foi jogado no lixo da história sem choro nem vela. Deltan Dallagnol, que um dia julgou se tornar mais popular que Lula, não provoca comoção nem em seu antigo exército de robôs vingadores. No TRF-3, as últimas eleições afastaram de cargos de comando os principais desembargadores avalistas de Sérgio Moro. No Supremo, Luiz Edson Fachin queda e Luis Roberto Barroso se cala, esboçando alguma ação apenas na defesa do voto eletrônico. Mas o Supremo, como um todo, avança para segurar os esbirros autoritários de Bolsonaro.

Em todo esse movimento, foi mantido incólume a espinha dorsal da corrupção brasileira, o Centrão, a mais espúria força política do período pós-Constituinte. O grupo assumiu postos relevantes no governo FHC, quando houve a crise da energia, no governo Lula, depois do “mensalão”. E, quando extirpado do governo Dilma, promoveu o impeachment. 

Ontem, a CPI confirmou o que o GGN vem antecipando há semanas: o papel do Centrão e do líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR) no caso Covaxin-Biotech, talvez o maior escândalo da história da República, devido ao envolvimento direto do presidente da República no episódio.

Leia “O Xadrez de como o jogo das vacinas chegou ao centro da corrupção brasileira”.

O oportunismo da Lava Jato e Sérgio Moro de atuarem como atores políticos, acabou poupando o Centrão, com exceção do breve interregno da prisão de Michel Temer e da condenação de Eduardo Cunha. Nada aconteceu com Eliseu Padilha, Wellington Moreira Franco, Fernando Bezerra, Ricardo Barros.

Agora, o episódio liga o Centrão, articulado por Ricardo Barros, diretamente ao esquema Bolsonaro, representado por seu filho Flávio Bolsonaro. Ontem, a revista Veja mostrou que Flávio teve reunião virtual com o presidente do BNDES para interceder pelos donos da Precisa, a distribuidora de medicamentos por trás do escândalo Covaxim-Biontech.

O episódio pega a centro da corrupção política brasileira, com desdobramentos imprevisíveis. De qualquer modo, acendeu uma luz para iluminar o futuro. Daqui para frente, o desmanche do Centrão entra no foco de qualquer reforma política futura. E será peça central para a disputa em torno do impeachment de Bolsonaro.

Peça 4 – as disputas econômicas

O ponto central, para o pós-Bolsonaro, é a disputa econômica. O extraordinário poder acumulado pelo lobby financeiro levou  à tragédia atual. Valeram-se da crise do governo Dilma para impor o início do desmanche do Estado brasileiro, com a “ponte para o futuro”, a destruição de qualquer veleidade de estado social, com Lei do Teto, reforma da Previdência e reforma trabalhista e os obscuros negócios da privatização. E mantiveram intocado o controle do mercado sobre a política econômica

Nos próximos meses, no embalo das novas formações políticas, visando o pós-bolsonarismo, ficarão mais nítidas as diferenças entre a centro-esquerda progressista e a centro-direita liberal. Ambas tratarão de avançar em discursos sociais. A diferença é que a centro-direita se limitará a demonstrações de bom mocismo, preservando a extraordinária concentração de renda no país, a continuação do desmanche do Estado e a privatização de estatais estratégicas.

Haverá consenso apenas em relação às políticas de saúde, educacional e de renda básica.

Peça 5 – os prováveis atores políticos

O próximo tempo político provavelmente será ocupado por Lula e Ciro Gomes. O restante é perfumaria, Mandetta, Sérgio Moro, Dória, Huck.

Lula é o negociador nato, com todas as vantagens e desvantagens dessa posição. No grande pacto que pretende montar, como ficariam as relações com o mercado? Mudaria as políticas de câmbio e juros? Conseguiria implementar suas bandeiras de desenvolvimento social com as restrições monetárias e fiscais? A necessidade de manter a governabilidade permitiria reconstruir parte do estado social destruído? 

Tem a vantagem de um acervo de experiências bem sucedidas, e de experimentos mal sucedidos – com as lições de como corrigir erros. E, certamente, conseguirá reverter os maiores exageros do período Paulo Guedes, fortalecendo novamente as representações de trabalhadores, da indústria e do setor real.

Mas o grande pacto do passado – PT e PSDB – hoje é apenas simbólico, representado pelo encontro FHC-Lula, depois que o PSDB derivou irremediavelmente para a direita.

Ciro Gomes é um camaleão político de viés autoritário. Com exceção da idoneidade e do melhor preparo intelectual, é parecido com José Serra. Fareja determinadas bandeiras, de nicho ou mais amplas, e incorpora em seu discurso, sem se preocupar muito com a coerência.

Por exemplo, no auge dos abusos da Lava Jato, chegou a afirmar que, se sua casa fosse invadida, como foram as de tantas outras vítimas – inocentes ou não – da Lava Jato, receberia Moro à mala. Agora, vendo a bandeira do punitivismo sem dono, incorpora o moralismo exacerbado da Lava Jato, pretendendo herdar os lavajatistas órfãos.

No início do Real, tornou-se um defensor ultra-radical das políticas de câmbio e juros. Depois, se tornou um crítico visceral da política de câmbio e juros. Nos últimos tempos, de crítico severo de FHC tornou-se admirador.

Percebeu que o desenvolvimentismo estava órfão de candidatos e se aproximou dos principais pensadores. Depois, se tocou que a Terceira Via estava sem candidato e tratou de empinar seu papagaio em direção a ela e ao mercado. E, agora, soma seu caráter bélico a João Santana, marqueteiro especializado em destruir adversários e responsável pelos momentos mais ilegítimos da campanha de Dilma Rousseff e radicaliza um antipetismo anacrônico e iracundo.

O que seria o presidente Ciro? Em relação à economia manteria o desenvolvimentismo ou negociaria com o mercado? Qual seria reação teria se medidas suas fossem contidas pelo Supremo? A única certeza é que, pelo seu temperamento, jamais se abriria para a sociedade civil, movimentos sociais, associações empresariais, corporações públicas, fórum de prefeitos e governadores, já que é dono de convicções mutantes, porém inabaláveis em cada etapa da mudança.

Em suma, mesmo após o pesadelo Bolsonaro, há um longo caminho para a conquista da democracia e do pacto em torno de um projeto de desenvolvimento social.

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