quinta-feira, 7 de abril de 2022

Além de suspeita de superfaturamento, ônibus escolares superfaturados foram usados como capital eleitoral de deputados da direita

 

Parte destes veículos foram financiados por emendas parlamentares de deputados federais, e não pelo FNDE

O então ministro Milton Ribeiro, ao lado do governador do MS, Reinaldo Azambuja (PSDB), dentro de ônibus escolar entregue no estado, em março de 2021 – Foto: MEC

Não é somente suspeita de superfaturamento envolvendo os ônibus escolares na licitação do Ministério da Educação (MEC). Parte dos custos destes veículos enviados a municípios de todo o Brasil foram financiados por deputados federais, por meio de emendas parlamentares, junto a seus colégios eleitorais e estados. Não sendo, portanto, um investimento público direto do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Ainda, com vistas às eleições 2022, como contrapartida, as prefeituras de cidades levantadas pelo GGN agradeciam publicamente, nomeando o deputado federal e outros políticos envolvidos na articulação dos pagamentos, principalmente por emendas parlamentares, garantindo espaço de propaganda política vantajosa ao pleito eleitoral deste ano.

Em notícia que foi retirada do ar, a prefeitura de Itaporã, uma cidade de 24 mil habitantes ao sul do estado, narrava que o programa no governo Bolsonaro havia contemplado a cidade com dois ônibus. E deixava claro que era resultado de “um trabalho da bancada federal com intermédio do Dep. Federal Beto Pereira (PSDB)”.

Reprodução da Prefeitura de Itaporã (MS)

Em março de 2021, a distribuição dos ônibus foi feita em evento no estado com a participação do governador Reinaldo Azambuja (PSDB), do prefeito da cidade, Marcos Pacco (PSDB), e do então ministro da Educação, Milton Ribeiro, quando outras cidades do Mato Grosso do Sul, além de Itaporã, receberam os transportes escolares.

Evento de entrega dos ônibus no Mato Grosso do Sul, em 08/03/2021. Da direita para esquerda, o deputado Beto Pereira, o então ministro Milton Ribeiro e o governador Reinaldo Azambuja – Foto: MEC

A notícia dava conta que uma minoria de R$ 13,3 milhões dos recursos ao Mato Grosso do Sul para a compra de ônibus escolares era proveniente da pasta do governo federal para a compra de 68 ônibus.

E mais R$ 34,1 milhões para o programa seriam de “emendas da bancada federal”, justificado no agradecimento especial dado ao deputado tucano, que se elegeu pelo estado e que pretende se reeleger este ano.

Reprodução da Prefeitura de Itaporã (MS)

A notícia calculava um total de R$ 47,4 milhões do programa Caminhos da Escola, em somatória entre os recursos do MEC, mas principalmente de emendas parlamentares e também dos próprios municípios, para o Mato Grosso do Sul receber 168 ônibus.

No demonstrativo consolidado do pregão de ônibus escolar do último ano, dentro do SIGARP (Sistema de Gerenciamento de Atas de Registros de Preço), levantado pelo GGN (disponibilizado abaixo), o estado do Mato Grosso do Sul recebeu, a partir de setembro, mais R$ 45,3 milhões com a aquisição de 142 ônibus escolares para a região.

Não está claro se o envio dos ônibus à Itaporã pelo programa Caminhos da Escola, em março do ano passado, fazia parte das remessas do pregão que viria meses depois, em setembro, ou parte da contratação anterior, de novembro de 2019 e que durou até janeiro de 2021.

Nesse pregão anterior, Mato Grosso do Sul recebia um total de 208 ônibus, em um total de R$ 44.073.640 da licitação do FNDE.

Naquele mesmo período, em abril de 2021, o prefeito Flaudivan (MDB) da pequena cidade de Pendências, no Rio Grande do Norte, de 15 mil habitantes, anunciava receber um ônibus rural escolar do programa, graças à emenda parlamentar de Benes Leocádio, deputado federal pelo Republicanos.

“A aquisição do veículo é fruto de uma emenda parlamentar do Deputado Federal Benes Leocádio por intermédio do vereador Fernando Junior”, agradecia a Prefeitura. “O veículo custa hoje 274.000,00, desse montante, 247.950,00 de emenda parlamentar com uma contrapartida do município de 26.050,00”, informava.

Assim como em Itaporã (MS), o gabinete da pequena cidade do Rio Grande do Norte explicitava que a compra era fruto de emenda parlamentar e de recursos municipais. O ônibus rural enviado à Pendências, em abril do ano passado, não contou com aportes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do governo federal.

Reprodução da Prefeitura de Pendências (RN)

O demonstrativo do SIGARP revela que Rio Grande do Norte recebeu 82 ônibus, com valores totais de R$ 19,5 milhões, entre 2019 e 2021; e 65 ônibus, que somaram R$ 20,8 milhões, no pregão de setembro de 2021 (íntegra do demonstrativo abaixo).

As emendas parlamentares, entretanto, tramitam no Orçamento público por fora dos investimentos direcionados nas pastas, como é o caso do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. São pedidos diretos de parlamentares para investimentos específicos, tornando-se um potente capital eleitoral a deputados e senadores junto ao seus estados.

Apesar de o programa Caminho da Escola permitir o financiamento por disponibilidade orçamentária, o que incluiria as emendas parlamentares, um dos pilares da fonte desses recursos é o FNDE, por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR). Conforme estabelece a Lei nº 12.695, o Ministério da Educação deve transferir recursos aos estados e municípios para apoio financeiro dessas ações por meio do FNDE.

Foi justamente este órgão do MEC que abriu três pregões durante o governo de Jair Bolsonaro para transferir recursos, especificamente, nos ônibus escolares: o primeiro em 2019, com vigência até 2021; o segundo em 2021, e o terceiro este ano, suspenso por suspeita de superfaturamento nos valores dos veículos (entenda aqui).

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