segunda-feira, 11 de abril de 2022

Xadrez da nova ordem mundial e do fim do império do dólar, por Luis Nassif

 

A cooperação econômica global será baseada em investimentos coligados, tendo como meta melhorar o bem-estar dos povos.

Luis Nassif

O Xadrez abaixo é um resumo da entrevista do cientista russo Sergey Glazyev, da Academia Russa de Ciências, publicada no The Slaker, e traduzida no Brasil 247.

É a melhor interpretação que li, nos últimos tempos, sobre a nova ordem mundial.

Segundo Glazyev, há dois fenômenos mundiais ocorrendo simultaneamente. 

Um, são as grandes mudanças tecnológicas que acontecem a cada 50 anos, exigindo novas formas de gerenciamento. 

Outro, as mudanças econômicas, que ocorrem a cada 100 anos.

A mudança dos padrões tecnológicos geralmente é acompanhada por uma revolução tecnológica, por uma depressão e por uma corrida armamentista.

Já os padrões econômicos mundiais mudam a cada 100 anos e suas mudanças são acompanhadas por guerras mundiais e revoluções sociais. Deve-se ao fato das elites dominantes, na antiga estrutura, se enclausurarem nos sistemas antigos de gestão, tentarem combater as mudanças e os novos líderes, e manter a sua hegemonia e posição de monopólio por todos os meios, incluindo os meios militares e revolucionários.

Peça 1 – O império britânico

Foi o que ocorreu com o Império Britânico. A primeira revolução industrial esgotou-se e o império passou a ser confrontado por novas economias dinâmicas, especialmente o Império Russo e a Alemanha. Segundo o autor, a Primeira Guerra foi provocada pelos serviços de inteligência britânicos. A guerra levou a autodestruição dos três impérios europeus. – a Rússia czarista, o império alemão e o austro-húngaro, e também o quarto império otomano.

O Reino Unido manteve a dominância global. Mas foi sufocado pelas leis inexoráveis de desenvolvimento econômico.

Seu poder se baseava no sistema colonial, no trabalho escravo e na relação de trocas com outras economias, trocando matérias primas por produtos industrializados.

Peça 2 – o modelo soviético e o americano

O modelo britânico foi  superado pelos por três novos modelos, o soviético, o americano, e o da Alemanha nazista, com eficácia produtiva muito maior, porque organizados sobre princípios diferentes.

No caso dos EUA, o capitalismo das famílias foi  sendo substituído pelo poder das grandes corporações multinacionais. Em todos  os casos, estruturas centralizadas de regulação econômica, emissão monetária ilimitada, usando a moeda fiduciária para ativar a produção em massa de produtos, de forma muito mais eficaz.

Na Europa, o vitorioso foi o modelo nazista, segundo ele, apoiado pelas agências britânicas e pelo capital estadunidense. Hitler desenvolveu rapidamente um sistema centralizado de governança corporativa na Alemanha – o qual permitiu que o Terceiro Reich conquistasse rapidamente toda a Europa”.

Com a Alemanha destruída pela Segunda Guerra, a nova ordem imperial mundial restringiu-se ao modelo soviético e ao modelo ocidental, tendo como centro os EUA.

Peça 3 – a nova ordem mundial

Os anos 60 em diante foram palco de novas revoluções tecnológicas, da microinformática, da eletrônica e dos bens de consumo. E a União Soviética fracassou devido a um sistema de gerenciamento planificado, pouco flexível para responder às necessidades dos novos tempos.

Mas, mesmo com os EUA assumindo a posição de potência única, as estruturas hierárquicas verticais – características do que ele denomina sistema econômico imperial mundial – revelaram-se rígidas demais para assegurar processos de inovação contínuos e crescimento da economia mundial.

A partir da periferia foi sendo moldada uma nova ordem mundial, baseada em modelos flexíveis de gestão, de organização de redes de produção nas quais o Estado age como agente integrador, combinando os interesses de vários grupos sociais ao redor de uma meta: aumentar o bem estar social público.

O caso mais notório é a China que por mais de 30 anos, cresceu três vezes mais rapidamente que os EUA. “Atualmente, a China já ultrapassa os EUA em termos de produção, exportação de bens de alta tecnologia e taxas de crescimento”.

Outro exemplo é o da Índia, com um sistema político distinto, mas com a primazia do interesse público sobre o privado e onde o Estado busca maximizar a taxa de crescimento, a fim de combater a pobreza.

Ao mesmo tempo, diz ele, a Índia – e também China – usa mecanismos de competição de mercado, o que garante a eficácia da alta concentração de recursos a fim de promover saltos econômicos.

Desde 1995 a economia chinesa cresceu 10 vezes, enquanto a economia americana cresceu apenas 15%. China, Índia e Indochina já produzem mais produtos que Estados Unidos e União Europeia. Se somar Japão e Coreia – com sistemas similares de gerenciamento – a nova ordem mundial já domina o mundo. 

E aí, diz ele, a elite dominante dos EUA não consegue aceitar.

Peça 4 – a resistência à nova ordem e a crise de 2008

Segundo ele, nos últimos 15 anos, esta elite está travando uma guerra híbrida, buscando o caos nos países fora do seu controle e refrear o desenvolvimento da China. Mas, devido ao seu sistema arcaico de gerenciamento, não consegue sucesso.

A crise de 2008 foi um divisor de águas. Segundo Glazyev, o ciclo de vida da antiga ordem tecnológica já terminou e o processo de redistribuição em massa do capital para uma nova ordem tecnológica começou. Essa nova ordem tecnológica inclui um complexo de tecnologias de nano bioengenharia e de comunicações e informações. 

E aí, aconteceu a diferença fundamental.

O passo essencial de um Estado moderno é dar acesso a dinheiro barato de longo prazo a todas as empresas, permitindo adotar as novas tecnologias.

Mas nos EUA e Europa os fundos foram gastos em bolhas financeiras, criando déficits orçamentários. Já na China, a enorme emissão monetária foi completamente dirigida para o crescimento da produção e o desenvolvimento de novas tecnologias. E a enorme monetização chinesa não produziu inflação porque o aumento do dinheiro foi acompanhado por um aumento na produção de bens, introdução de novas tecnologias avançadas e aumento do bem-estar social público.

Trump tentou deter o crescimento chinês e falhou. Segundo o autor, porque a China tem um sistema de gerenciamento mais eficaz. Principalmente porque o gerenciamento do dinheiro conserva a questão monetária no quadro da reprodução expandida do setor real da economia, focalizando o financiamento do investimento para o desenvolvimento.

Na China, cerca de 45% do PIB é investido, contra 20% nos EUA e Rússia.

Na China, o sistema bancário é estatal e opera como uma única instituição de desenvolvimento. Nos EUA, o dinheiro é usado para financiar o déficit orçamentário e realocado para as bolhas financeiras.

Segundo ele, a eficácia dos sistemas econômico e financeiro dos EUA é de apenas 20% – ou seja, somente um em cada cinco dólares chega à economia real -, contra quase 90% na China.

Peça 5 – as novas guerras

Segundo Glazyev, quando as guerras comerciais falharam, os EUA abriram a frente de guerra biológica. Aqui, uma afirmação polêmica: os EUA teriam lançado o coronavírus na China, na esperança que a liderança chinesa não conseguisse lidar com a pandemia. Mas o sistema de gerenciamento chinês mostrou uma eficácia muito maior, especialmente quando a pandemia se espalhou pelo mundo, revelando o fracasso das políticas púbicas dos EUA e Europa.

Segundo ele, paralelamente à guerra comercial com a China, os “serviços especiais” dos EUA já preparavam a guerra contra a Rússia.

A guerra foi deflagrada após a anexação da Crimeia pela Rússia e o primeiro passo foi a organização, pelos serviços especiais estadunidenses, do golpe de Estado de 2014 na Ucrânia.

Segundo ele, a Rússia foi inicialmente convencida que se tratava de um fenômeno temporário. O jogo sapo ficou claro quando os EUA passaram a treinar as forças armadas da Ucrânia, deram educação militar aos “nazistas” (como se refere ao exército ucraniano) em suas academias e, depois, polvilharam com eles as Forças Armadas da Ucrânia.

Ao mesmo tempo, a mídia de massa ucraniana reforçava na opinião pública a imagem da Rússia como inimiga da Ucrânia.

Finalmente, passaram a usar o dólar e o front financeiro como guerra híbrida, Em 2014 impuseram as primeiras sanções e interromperam os empréstimos ocidentais para a economia russa.

Agora, tentam impor o isolamento total da Rússia no mercado financeiro.

Segundo Glazyev, tudo isso foi previsto por ele há 10 anos. Historicamente, a geopolítica anglo-saxã é orientada contra o Império Russo e seus sucessores, porque a Rússia sempre foi vista como principal oponente dos anglo-saxões.

Criou-se um dogma: quem controlar a Eurásia controlará o mundo inteiro. Zbigniew Brzezinski cunhou um teorema, segundo o qual, para derrotar a Rússia enquanto superpotência, teria que lhe arrancar a Ucrânia. 

Esse tipo de dogma incrustou-se no pensamento da elite política estadunidense, diz ele. O objetivo é impedir a aliança estratégica entre a Federação Russa e a República Popular da China, por seria forte demais para os EUA.

Segundo Sergey Glazyev, as novas formas de guerra se desdobram em cinco fronts:

* Monetário e financeiro, nos quais os EUA ainda dominam o mundo.

* Comercial e Econômico, nos quais os EUA já perderam a liderança para a China.

* Informações e cognitivo, campo onde os EUA têm tecnologias superiores.

* Biológico, aberto com o aparecimento do coronavirus no laboratório dos EUA-China em Wuhan. Segundo ele, hoje em dia há uma rede de laboratórios biológicos na Ucrânia.

* As operações militares, como último instrumento.

Segundo ele, os EUA não conseguirão vencer, assim como a Inglaterra não venceu com a Segunda guerra, Apesar de terem vencido formalmente, eles perderam política e economicamente. Perderam mais de 90% de seu território e 95% de sua população. Dois anos depois do fim da guerra, seu império ruiu, porque os outros dois vencedores – URSS e EUA – não necessitavam mais dele.

Do mesmo modo – afiança ele – o mundo não precisa das corporações multinacionais estadunidenses, do dólar dos EUA, de suas tecnologias e pirâmides financeiras.

Peça 6 – a decadência do dólar, da libra e do euro

O início da decadência começou quando os EUA apreenderam pela primeira vez reservas em moedas estrangeiras da Venezuela e passaram para a oposição. Depois, fizeram o mesmo com o Afeganistão, o Irã e, agora, a Rússia.

Ali, o dólar deixou de ser a moeda mundial, assim como o euro e a libra.

Segundo Sergey Glazyev, depois que os últimos dólares foram retornados dos países asiáticos aos EUA, será inevitável o colpado do sistema monetário e financeiro baseado em dólares e euros.

No momento, a Academia Russa está trabalhando no rascunho de um acordo internacional para a introdução de uma nova moeda mundial para liquidações financeiras, atrelada às moedas nacionais dos países participantes e dos bens comercializáveis que determinam seus valores – a propósito, é o mesmo conceito apresentado recentemente em artigo de Fernando Haddad e Gabriel Galipolo.

Com o novo sistema de pagamentos baseado em tecnologias digitais modernas – como o blockchain – os bancos perderiam sua importância. 

Segundo ele, o capitalismo clássico, baseados em bancos privados, é coisa do passado. Todas as relações internacionais, incluindo a circulação de moedas mundiais, estão começando a ser formadas baseadas em contratos. Ao mesmo tempo, está sendo restaurada a soberania nacional, porque países soberanos estão chegando a um acordo.

A cooperação econômica global será baseada em investimentos coligados, tendo como meta melhorar o bem-estar dos povos. A liberalização do comércio deixa de ser prioridade, as prioridades nacionais passam a ser respeitadas e cada Estado constrói um sistema para proteger seu mercado interno e seu espaço econômico.

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