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domingo, 26 de maio de 2019

Relator especial da ONU explica como as “sociedades multinacionais privadas” tornaram-se as verdadeiras donas do mundo, e impedem qualquer Estado, cidadão ou política social de conter fome, pobreza e as crises humanitárias


"O mundo se tornou incompreensível para o cidadão, que não mais consegue ler o mundo. As 500 empresas multinacionais privadas têm 52% do PIB do mundo (todos os setores reunidos, bancos, serviços e empresas). Elas monopolizam um poder econômico-financeiro, ideológico e político que jamais um imperador ou papa teve na história da humanidade. Eles escapam de todos os controles de estado, parlamentares, sindicais ou qualquer outro controle social. Eles têm uma estratégia só: maximização dos lucros, no tempo mais curto e não importa a qual preço humano." - Jean Ziegler


Jean Ziegler: assim as corporações alimentam a ultradireita






Imagem: Laurent Gillieron
Por Jamil Chade
No SWI Brasil 
Jean Ziegler é uma ave rara na cena política suíça, encarnando há quase meio século a figura do intelectual público de projeção global. Seu ativismo político e atuação internacional, como relator especial da ONU, rendeu-lhe uma extensa gama de inimigos, não só entre os bancos, empresários e lideranças conservadoras, mas até mesmo no campo mais progressista. Mas Ziegler continua um observador ativo, e nota que os cidadãos das grandes democracias vivem um “desespero silencioso e secreto”.
Ele, porém, não perde a esperança e insiste que a resposta à atual crise está no fortalecimento de uma sociedade civil planetária. Para Ziegler, os acontecimentos nos últimos anos e a impotência do sistema político em dar respostas mostram que a “democracia representativa está esgotada”.

Eis a entrevista

Vemos em diferentes partes do mundo uma reação popular contra partidos tradicionais e contra a política. Também vemos a vitória de políticos como Orban, Trump, Salvini e Bolsonaro. Por qual motivo o sr. acredita que estamos vendo essa onda?
O mundo se tornou incompreensível para o cidadão, que não mais consegue ler o mundo. As 500 empresas multinacionais privadas têm 52% do PIB do mundo (todos os setores reunidos, bancos, serviços e empresas). Elas monopolizam um poder econômico-financeiro, ideológico e político que jamais um imperador ou papa teve na história da humanidade. Eles escapam de todos os controles de estado, parlamentares, sindicais ou qualquer outro controle social. Eles têm uma estratégia só: maximização dos lucros, no tempo mais curto e não importa a qual preço humano.
Elas são responsáveis, sem dúvida, por um processo de invenção científica, eletrônica e tecnológica sem precedentes, e de fato extraordinário. Até o fim da URSS, um terço dos habitantes do mundo vivia sob algum tipo de regime comunista. Havia a bipolaridade da sociedade dos Estados. O capitalismo estava regionalmente limitado.
A partir de 1991, o capitalismo se espalhou como fogo de palha por todo o planeta e instaurou uma só instância reguladora: a mão invisível do mercado. Isso também produziu uma ideologia que totalmente alienou a consciência política dos homens. Há, hoje, uma ideologia que dá legitimidade a uma só instância de regulação: o neoliberalismo. Esse sistema sustenta que não são os homens, mas os mercados que fazem a história e que as forças do mercado obedecem às leis da natureza.
E qual é a implicação disso para o cidadão?
As forças do mercado trabalham com as forças da natureza e o homem é dito que não é mais o sujeito da história. No neoliberalismo, não é mais o homem que é o sujeito da história. Cabe ao homem se adaptar a esse mundo.
De fato, entre o fim da URSS no começo dos anos 1990, e o ano de 2000, o PIB mundial dobrou. O volume do comércio se multiplicou por três e o consumo de energia dobrou em quatro anos. Isso é um dinamismo formidável. Mas isso tudo ocorreu de uma forma concentrada e nas mãos de um número reduzido de pessoas.
Se considerarmos a fortuna pessoal dos 36 indivíduos mais ricos do mundo, segundo a Oxfam, ela é igual à renda dos 4,7 bilhões de pessoas mais pobres da humanidade. A cada cinco segundos, uma criança com menos de dez anos morre de fome ou de suas consequências imediatas.
E no mesmo relatório sobre a insegurança alimentar no mundo da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) diz: no atual estado de seu desenvolvimento, a agricultura mundial poderia alimentar normalmente 12 bilhões de seres humanos. Ou seja, quase o dobro da humanidade – somos 7,7 bilhões de pessoas hoje. Não há fatalidade. A fome é feita pelas mãos do homem e pode ser eliminada pelos homens. Uma criança que morre de fome é assassinada.
Isso é sustentável?
De forma alguma. A desigualdade não é só moralmente vergonhosa. Mas ela também faz com que o estado social seja esvaziado. Os mais ricos não pagam impostos como deveriam. Os paraísos fiscais, o sigilo bancário suíço – que continua – isso tudo ainda permite uma enorme opacidade. Empresas são contratadas para criar estruturas que impedem que os reais donos do dinheiro sejam encontrados em sociedades offshore. Os documentos revelados pelos Panama Papers mostram muito bem isso. Portanto, podemos dizer que as maiores fortunas do mundo e as maiores multinacionais pagam os impostos que querem.
E qual a consequência disso?
O fato que os mais ricos pilham o país e não pagam impostos gera duas situações: esvaziam a capacidade social de resposta dos governos e impedem contribuições obrigatórias dos países mais ricos às organizações especializadas da ONU que lutam contra a miséria no mundo. Portanto, esse sistema mata.
No fundo, essa ditadura do mercado faz com que os cidadãos entendam que não é o governo pelo qual eu votei que tem o poder de definir o destino. Isso cria uma insegurança completa e a desigualdade não é controlável. Se não bastasse, o cidadão é informado que seu emprego passa por um período profundo de flexibilização. A França, a segunda maior economia da Europa, tem 9 milhões de desempregados e três quartos dos empregos no setor privado são contratos de duração limitada (CDD, contrato de duração determinada). Outros milhões vivem de forma precária, como a maioria dos aposentados.
Quem são, portanto, os atores que influenciam o destino econômico de um país?
Vou dar um exemplo. As sociedades multinacionais privadas são as verdadeiras donas do mundo. Nos EUA, sob a administração Obama, foi criado uma lei que proibia o acesso ao mercado americano de minerais que tenham sido extraídos por crianças em suas minas, principalmente do Congo. O cobalto, por exemplo, foi um deles.
Essa lei gerou a mobilização de Glencore, RioTinto e tantas outras, denunciando que era inaceitável, pois era contra a liberdade dos mercados. Uma das primeiras medidas que Donald Trump tomou ao assumir o governo, em janeiro de 2017, foi a de acabar com essa lei. Como este, existem muitos outros exemplos no meu livro.
Em quais setores?
A agricultura é outro. Em 2011, três semanas antes da reunião do G7 em Cannes, o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, foi à televisão e declarou que iria propor que a especulação nas bolsas e no mercado financeiro fosse proibida, principalmente sobre o arroz, milho e trigo e outros produtos agrícolas de base. Isso seria uma forma de lutar contra o aumento de preços dos alimentos básicos, especialmente nos países mais pobres.
Faltando poucos dias para o G7, a França retirou sua proposta, depois de ter sido pressionada pelas grandes empresas do setor, como Unilever, Nestlé e outras. Essa mobilização impediu uma ação do presidente da França.
Portanto, voltando ao ponto inicial: o capitalismo é o modo de produção que mais mostrou vitalidade nos avanços tecnológicos e de inovação e tem uma produtividade muito superior a qualquer outro do passado, incluindo o da escravidão. Mas, ao mesmo tempo, o modelo capitalista escapa de todo o controle político, sindical ou da ONU. Eu insisto: ele funciona sob apenas um princípio, que é o da maximização dos lucros, no tempo mais curto possível e a qualquer preço.
E o que isso significa para uma democracia?
É um sistema que priva o cidadão, mesmo numa democracia, de todo tipo de resposta efetiva à precariedade, à desigualdade que destrói o estado social. E é nesse contexto que se cria uma espécie de desespero silencioso e secreto entre os cidadãos. E, como sempre ocorreu na história e como ocorreu nos anos 30 na Alemanha, é neste momento que vêm os grupos de extrema-direita com sua estratégia de criar um bode expiatório.
De que forma?
O discurso é simples. Eles chegam a declaram ao cidadão: sim, sua situação é insuportável. Você tem razão. Não falam como outros que tentam dar esperanças ou dizer que as coisas vão melhorar. Mas, num segundo momento, o que fazem? Apresentam um bode expiatório para essa crise. Na Europa, eles são os imigrantes e os refugiados.
Justamente, em comum, esses movimentos denunciam a entrada de estrangeiros em seus países. Como o senhor avalia?
São governos europeus que cometem crimes contra a humanidade, ao recusar de examinar os pedidos de asilo dos refugiados. O direito a pedir asilo é uma convenção internacional de 1951, ratificada por todos os países, e os governos são obrigados a receber os pedidos.
Os eslovacos, por exemplo, aceitaram apenas 285 refugiados, sob a condição de que sejam cristãos. Em outros locais, como na Hungria, crianças estão na prisão. Mas mesmo assim esses governos continuam sendo sancionados pela UE, que continua a lhes enviar dinheiro. Só Viktor Orban (primeiro-ministro húngaro) recebeu 18 bilhões de euros no ano passado em fundos de solidariedade da Europa. As sanções, portanto, são inexistentes.
E qual tem sido o resultado dessa estratégia desses grupos populistas na Europa?
Eles mudam de paradigma e ganham força. Basta ver os resultados do partido Alternativa para a Alemanha (AfD). Hoje, eles têm o mesmo número de representantes no Parlamento que o tradicional SPD, o partido social democrata alemão que já nos deu políticos como Willy Brandt. O mesmo ocorreu com Matteo Salvini na Itália, Viktor Orban na Hungria, e ainda na Holanda, na Áustria. A estratégia do bode expiatório é uma estratégia que tem funcionado. Além disso, a consciência coletiva está sendo cimentada por uma ideologia neoliberal de que o homem não é mais o sujeito da história e que apenas pode se adaptar à situação e às forças do mercado, que obedecem às leis naturais.
Mas, voltando ao ponto da representatividade, tal cenário não ameaça minar a própria democracia?
Jean Jacques Rousseau publicou seu livro O Contrato Social em 1762, que foi a Bíblia para a revolução francesa. Ele descreveu a soberania popular e o fato de dar a voz a alguém para me representar. A delegação é um pilar do contrato social. Mas esse contrato social, que é a fundação da República, está esgotado. Essa democracia representativa está esgotada.
O povo não acredita mais nela. O povo vê que, ao votar em um deputado, não é ele que toma decisões, mas a ditadura mundial das oligarquias do capital financeiro globalizado. Portanto, há uma percepção de que ela não serve para nada. Não é ele quem vai garantir meu trabalho.
Ao mesmo tempo, esse povo não está disposto a abrir mão de seu poder e nem de sua capacidade de intervenção. No caso dos Coletes Amarelos, na França, um dos pontos principais é o apelo por um referendo popular como mecanismo. O que eles estão dizendo: o Parlamento faz o que quer. Queremos ter o direito de propor leis, de votar por elas. Hoje, a democracia representativa não funciona, num período de total alienação.
Quais são as respostas possíveis?
Retirar essa placa de cimento das consciências, que foi imposta. Liberar a consciência dos homens que é, por natureza, uma consciência de identidade. Se uma pessoa, seja de qual classe social ele for ou de qualquer religião, vir diante dele ou dela uma criança martirizada, algo de si afunda. Ele se reconhece imediatamente nela. Somos a única criatura na terra com essa consciência de identidade. E é por isso que milhões de jovens na Europa e na América do Norte se mobilizam em imensos cortejos, todas as semanas, pela sobrevivência do planeta e contra o capitalismo. O que eles estão dizendo aos seus governos? Que assim não podemos continuar. Façam algo contra essa ordem canibal do mundo.
A questão climática pode ser decisiva nesse contexto para modificar a forma de pensamento?
Pelo Acordo de Paris, cada um dos 190 estados que assinaram assumiu obrigações precisas para limitar as emissões de CO2 na atmosfera. 85% do CO2 emitido vem de energias fósseis. O acordo pede que as cinco maiores empresas de petróleo reduzam 50% de suas emissões até 2030 e de dar parte dos lucros ao desenvolvimento de energia alternativas, como solar, eólica e outras.
Mas o que é que ocorreu desde 2015? As cinco grandes empresas de petróleo do mundo aumentaram, em média, sua produção em 18%. E financiaram energias alternativas somente em 5%. Os jovens dizem: isso não funcionará.
Então, existe esperança?
Por anos, fui membro do Conselho Executivo da Internacional Socialista. Seu presidente, Willy Brandt, dizia a nós jovens, como eu, Brizola e Jospin: não se preocupem. A cada votação, vamos avançar aos poucos e as pessoas vão se dar conta. Lei por lei, vamos instaurar uma democracia social, igualdade de oportunidades e justiça social. Mas isso não ocorreu. No lugar do progresso da democracia social, o que vimos foi a instauração da ditadura mundial de oligarquias do capital financeiro globalizado que dá suas ordens, mesmo aos estados mais poderosos.
Desde a queda do Muro de Berlim em 1989, a liberalização do mercado e a perda do poder normativo dos estados avançou mais que nunca e, ao mesmo tempo, a desigualdade social aumentou. Mas Brandt também nos dizia: quando vocês falarem publicamente, é necessário dar esperança. O discurso deve ser analiticamente exato. Mas ele precisa ser concluído com uma afirmação de esperança. Caso contrário, é melhor ficar em casa.
Mas onde está essa esperança?
É a sociedade civil planetária. É a misteriosa fraternidade da noite, a miríade de movimentos sociais – Greenpeace, Anistia Internacional, movimento antirracista, de luta pela terra – que lutam contra a ordem canibal do mundo, cada qual em seu domínio. São entidades que não obedecem a um comitê central ou a uma linha de partido, e que funcionam por um só princípio: o imperativo categórico.
Emmanuel Kant dizia: “a desumanidade infligida a um outro humano destrói a humanidade em mim”. Eu sou o outro e outro sou eu. Essa consciência, em termos políticos, cria uma prática de solidariedade entre os indivíduos e reciprocidade entre povos. Mas essa sociedade é invisível. Não tem uma sede. Ela é visível cinco dias por ano, no Fórum Social Mundial, organizado pelos brasileiros em Porto Alegre.
O escritor francês George Bernanos escreveu: “Deus não tem outra mão que seja a nossa”. Ou somos nós que mudaremos essa ordem canibal do mundo, ou ninguém o fará.

Notas:

[1] Jean Ziegler ocupa hoje a vice-presidência do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
[2] Em seu novo livro – Le capitalisme expliqué à ma petite-fille (en espérant qu’elle en verra la fin) – O capitalismo explicado à minha neta (com a esperança que ela veja o fim), da editora Seuil, o sociólogo tenta dissecar o sistema atual de produção e suas consequências para a cidadania.
[3] Ziegler já foi deputado federal, professor da Universidade de Genebra e professor da Universidade Paris Sorbonne. No início do século XXI, ele foi ainda o primeiro relator da ONU para o direito à alimentação.










quarta-feira, 14 de novembro de 2018

A pura entrega do petróleo e gás do Pré-Sal às multinacionais e contra os interesses do povo do Brasil em 3 atos, por Patrícia Laier







O ano de 2016 marcou a quebra da operação exclusiva da Petrobrás no Pré-Sal permitindo que as multinacionais de petróleo e gás passassem a ser operadoras no Pré-Sal. O senador José Serra (PSDB-SP) cumpria uma promessa feita à representante da multinacional norte-americana Chevron e também do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), Patrícia Pradal, conforme documentado em telegrama confidencial intitulado “Podem as indústrias de petróleo derrotar a lei do pré-Sal” enviado pelo Consulado dos EUA para a Embaixada do mesmo país em Brasília. 
A posterior redução do conteúdo local também atendeu o interesse destas operadoras em ocupar a mão de obra e indústrias em seus próprios países visto que bacias como o Mar do Norte (tanto no setor do Reino Unido quanto no Norueguês) e Golfo do México (setor norte-americano) são bacias em declínio de produção.

E finalmente, também abriu caminho para que a administração Pedro Parente iniciasse as vendas de ativos sob o regime de concessão no pré-sal. Foi-se o gigante de Carcará no Pré-Sal de Santos para que no futuro próximo a Equinor (Statoil, 67% da Coroa Norueguesa) e suas sócias exportem nosso petróleo para a União Européia ou outros países. Foram-se a operação em Lapa, onde poucos dias antes a primeira unidade de produção fora instalada, através de uma parceria estratégica para a Total, e participações em Berbigão, Sururu, Oeste de Atapu (antiga área de Iara do BM-S-11) e em outros campos importantes (alguns gigantes do pós-sal onde a petroleira internacional adquire ao mesmo tempo óleo e reservas de gigantes do pós sal e do pré-sal, este ainda pouco explorado na Bacia de Campos).
Ato 2: 
Do impeachment até hoje foram realizadas pela ANP 4 rodadas de leilões da Partilha de Produção sob justificativa de aumentar as reservas nacionais e dinamizar o setor de petróleo e gás. Nestas rodadas foram leiloadas 12 áreas no Pré-Sal com volume de óleo in place (i.e. in situ) não riscado estimado pela ANP variando entre 0,2 (Sul de Gato do Mato) a 8,3 (Saturno) bilhões de barris de petróleo conforme mostra a tabela 1. Apesar da Petrobras usando seu direito de preferência criado na “Partilha quebrada por Serra”, adquirir 6 áreas estratégicas no Pré-Sal, as operadoras estrangeiras fincaram suas bandeiras nas outras 6 áreas em busca dos campos supergigantes e gigantes semelhantes aos já descobertos (Tabela 2) nas áreas sob Concessão e Cessão Onerosa. 
Mas conforme mostra muito bem a tabela 1, os volumes de petróleo in situ (i.e. in place) estimados pela ANP são muito menores para estas áreas leiloadas nas 4 rodadas da partilha do que os volumes confirmados nas áreas sob Concessão e Cessão Onerosa. Nas áreas da Cessão Onerosa há ainda o excedente estimado pela ANP em 2014 como variando entre 9,8 a 15,2 bilhões de barris, o que eleva o volume recuperável total contido nestas áreas para algo em torno de 15 a 20 bilhões de barris. 
O Excedente da Cessão Onerosa deveria ter sido contratado em regime de partilha com a União conforme determinado em reunião do Conselho Nacional de Política Energética de 24 de junho de 2014 presidida pela presidente Dilma Roussef. Mas em novembro daquele mesmo ano, poucos dias após Aécio Neves perder o segundo turno para Dilma, o ministro do TCU José Jorge que fora ministro de FHC e vice na chapa de Alckimin em 2006, pediu revisão dos contratos da Cessão Onerosa e paralisou com isto a elaboração dos contratos do excedente.
Tabela 1 - Resumo das 5 Rodadas da Partilha com Bacia, Setor, Bloco, Volume de óleo in place (in situ) em bilhões de barris (B bbl), percentual mínimo do excedente, percentual ofertado vencedor e operadora.
Ato 3:
O projeto de venda da Cessão Onerosa (PLC 78/2018) e de facilitação das licitações dos ativos das estatais do deputado federal Aleluia (DEM-BA) é o maior crime lesa-pátria perpetrado contra a soberania nacional. É o golpe de misericórdia para acabar de desmontar o Novo Marco Regulatório de 2010, que baseou-se no modelo norueguês. Na Noruega a forte presença estatal no setor de petróleo e gás garantiu a otimização da geração dos recursos hoje depositados no fundo de pensão global (antigo fundo do petróleo) que já acumula perto de um trilhão de dólares.
Mas por quê Aleluia teve que entrar com este projeto? Porquê os maiores campos do Pré-Sal são Buzios, Lula e os campos das antigas áreas de Iara (Concessão no antigo BM-S-11) e Entorno de Iara (Cessão Onerosa). Búzios e Lula têm VOIPs de 29,9 B bbl e 17,7 B bbl, e volumes recuperáveis de 9,5 a 13 bilhões boe e 6,5 B boe respectivamente. Os 8 campos de Iara (Berbigão, Sururu e Oeste de Atapu) e Entorno de Iara (Norte e Sul de Berbigão, Norte e Sul de Sururu e Atapu) somam mais 5 B bbl em volume de petróleo equivalente recuperável. Aleluia vem entregar o Pré-Sal de fato às multinacionais. Está nas mãos do Congresso, mais especificamente do Senado, impedir este crime.
Tabela 2 - Volumes de petróleo originais in place e recuperáveis nos campos sob regime de Concessão e de Cessão Onerosa.
Patrícia Laier – Conselheira da AEPET e Diretora do Sindipetro-RJ
Fonte: GGN

domingo, 6 de maio de 2018

Gregório Duviver sobre a ganância letal da indústria multinacional de alimentos

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Segue, para reflexão, parte do sétimo programa da segunda temporada da série Greg News, da HBO, Lembrando que esta indústria investiu pesados na campanha de políticos como Eduardo Cunha, tudo para garantir seu poder e imposição mercadológica:


Fonte: Canal Greg News HBO

sábado, 3 de fevereiro de 2018

"Na rota do dinheiro sujo" - série documentário apresentada pela Netflix aponta as trapaças das grandes empresas, dos bancos e do mundo corporativo, tudo aquilo que o MBL não diz existir no mundo do capetalismo neoliberal



"O capitalismo é um sistema doente e moralmente corrompido. E se você ainda tem dúvidas disso, basta assistir a Na Rota do Dinheiro Sujo (Dirty Money no original), nova série documental que entrou no catálogo da Netflix no dia 26 de janeiro. Criada por Alex Gibney (do doc Enron: Os Mais Espertos da Sala), essa nova produção dividida em seis capítulos joga luz sobre histórias distintas, mas com um tema em comum: empresas e empresários agindo sem qualquer escrúpulo na busca do lucro a qualquer custo."

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Segue o texto de Davi Garcia, do Ligado em Sèrie:

Ligado Indica | Na Rota do Dinheiro Sujo, nova série documental da Netflix


O capitalismo é um sistema doente e moralmente corrompido. E se você ainda tem dúvidas disso, basta assistir a Na Rota do Dinheiro Sujo (Dirty Money no original), nova série documental que entrou no catálogo da Netflix no dia 26 de janeiro. Criada por Alex Gibney (do doc Enron: Os Mais Espertos da Sala), essa nova produção dividida em seis capítulos joga luz sobre histórias distintas, mas com um tema em comum: empresas e empresários agindo sem qualquer escrúpulo na busca do lucro a qualquer custo.
No primeiro episódio dirigido pelo próprio Gibney, a série explora o escandaloso esquema envolvendo a Volkswagen e o uso de um dispositivo em seus carros que reduzia, de forma fraudulenta, o nível de poluição emitida por motores a diesel quando testados em laboratório. Traçando um paralelo entre os pilares da fundação da empresa (então amplamente apoiada pelos nazistas que não admitiam ver a indústria automobilística alemã num papel coadjuvante) e essa recente iniciativa criminosa orquestrada por executivos do mais alto escalão da companhia, o capítulo expõe ainda, de forma pungente, evidências de que a empresa sabia que a ação contribuiria para um aumento exponencial de mortes por intoxicação (oriundas da poluição), mas que preferiu mentir e enganar clientes mundo afora em prol de margens de venda e lucros recordes.
O segundo episódio, por sua vez, analisa a indústria do empréstimo consignado e como várias dessas financeiras – buscando atingir um público de baixa renda com o qual os bancos tradicionais geralmente não tem ou querem qualquer relacionamento -, usam subterfúgios que criam verdadeiras armadilhas e transformam o empréstimo fácil num pesadelo para milhares de pessoas. Acompanhando os desdobramentos de um processo que levou ao indiciamento de um ex-piloto americano de Stock car que ficou bilionário ao montar uma financeira sustentada por juros predatórios frutos de contratos com termos pra lá de mal intencionados, o episódio tem como ponto alto o momento em que o entrevistador pergunta ao dono da empresa, àquela altura dizendo-se vítima do governo, se ele era um homem de moral ao que este responde, de forma bastante reveladora: “sou um homem de negócios”.
A indústria farmacêutica também ganha destaque no terceiro episódio que fala sobre como o CEO de uma empresa – contando com a parceria de bilionários investidores de Wall Street -, alçou-a à lista das mais valorizadas na bolsa de valores, ao implementar como estratégia de negócios a aquisição de marcas detentoras de remédios exclusivos (muitos deles usados em tratamento de câncer e doenças raras) e a partir daí aumentar exponencialmente seus preços e consequentemente as margens de lucro. Já no quarto capítulo, o foco cai sobre o caso do banco HSBC, que por anos lavou dinheiro dos cartéis de drogas mais violentos do México e que ao ser exposto, saiu-se pela tangente com a desculpa de que precisava e iria melhorar seus controles internos e que aceitava, como “castigo”, pagar uma multa equivalente a poucas semanas de seu lucro anual sem sofrer qualquer outra consequência.
Livre mercado ou mercado regulado, o que é melhor? Prós e contras viram objeto de análise no penúltimo episódio que fala sobre o xarope de borda, uma especiaria tipicamente canadense cujo barril vale mais que petróleo e que é controlada com mão de ferro por leis que determinam preço, demanda e oferta e transformam pequenos produtores em reféns de um sistema poderoso e pouco disposto a ceder. Já o sexto e último episódio de Na Rota do Dinheiro Sujo, fala sobre a história do atual presidente dos EUA e expõe como Donald Trump usou a mídia para vender, ao longo de anos e anos, a imagem falsa de um empresário bem sucedido, mas que no fim era e continua sendo apenas uma farsa que concentra tudo de ruim que um homem capaz de decidir o destino de milhares de pessoas jamais deveria ter.
Fazer uma maratona dessa série documental é fácil. Difícil é conseguir terminar cada episódio sem ficar indignado com o que acabou de assistir

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Consciência coletiva: agora, contra o poder das Mega-corporações



Cresce, entre ativistas de todo o mundo, ideia de que não basta denunciar governos. Transnacionais são o centro do ataque aos direitos. É preciso enfrentá-las

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Anticapitalismo, agora contra as mega-corporações


Por Brid Brennan e Gonzalo Berrón | Tradução: Inês Castilho e Antonio Martins
Os efeitos da atual crise do capitalismo tornaram-se mais manifestos globalmente em 2016, provocando inesperadas reviravoltas políticas. Contudo, as pessoas mais severamente atingidas pela atual crise econômica escolheram, em sua maioria, apoiar figuras e posições políticas [1] contrárias às formuladas durante anos pela esquerda altermundista, também conhecida como movimento por justiça global. Em parte, isso se deve ao fato de que, na primeira rodada de respostas ao neoliberalismo na América Latina, as forças políticas progressistas fracassaram [2] – seja por fraqueza ou por projeto – em desmantelar os mecanismos que contribuem à consolidação do “capitalismo extremo”, hoje globalmente hegemônico. Essa forma de capitalismo apresenta, somada às suas contradições clássicas, “extrema concentração de riqueza e tendência para extrema concentração de propriedade de corporações” [3], como tipificado no processo monopolista via fusões e aquisições. É o que vemos, quando seis das maiores corporações de agroquímicos e sementes do mundo procuram fundir-se em apenas três megacorporações (Monsanto-Bayer, Dow-Dupont e Syngenta-ChemChina).
Contudo, vale notar que os movimentos da esquerda altermundistas não foram os derrotados em 2016. Ao contrário, eles transformaram-se em forças políticas efetivas e ascendentes: parcialmente convergindo em torno de Bernie Sanders, Jeremy Corbyn e o Podemos, que emergiram como sinais de esperança. O que foi definitivamente derrotado em 2016 é o que podemos chamar de ‘neoliberalismo social democrata’. Como escreveu Naomi Klein: “Foi a adesão dos Democratas ao neoliberalismo que deu a vitória a Trump.”[4]
A nova conjuntura internacional poderia encorajar uma nova onda altermundista, fortalecida pelas lições das recentes derrotas, e galvanizada pelas esperanças que inspirm uma oposição de esquerda contra as tendências fascistas que emergem globalmente – tanto no Norte como no Sul. Como William Robinson alertou profeticamente, em 2011, “o contraponto ao fascismo do século 21 deve ser um contra-ataque coordenado pela classe trabalhadora global. A única solução real para a crise do capitalismo global é uma redistribuição maciça de riqueza e poder – para a maioria pobre da humanidade. E a única maneira de iniciar essa distribuição é por meio de uma luta transnacional em massa, a partir de baixo”.[5]
O debate atual no Comitê de Direitos Humanos da ONU (UNHRC, na sigla em inglês) sobre a criação de um Tratado Relativo a Direitos Humanos e Corporações Transnacionais e Outras Empresas oferece uma grande oportunidade para confrontar os atores centrais da economia capitalista global, hoje comumente referidos como “poder corporativo”, e contribuir para a emergência de uma nova onda de ativismo antineoliberal. Essa oportunidade foi criada em parte por meio das lutas alternativas à globalização em processo, na quais a “Campanha para Desmantelar o Poder Corporativo, Acabar com a Impunidade e Reconquistar a Soberania dos Povos”[6] é uma protagonista. Essa campanha global reúne comunidades, movimentos e organizações sociais afetadas de todos os continentes. Em junho de 2014, mobilizações da Campanha e do Treaty Alliance (Aliança pelo Tratado) [7] em nível nacional e em Genebra, tanto dentro como fora do Conselho de Direitos Humanos da ONU, culminou num bem sucedido voto para iniciar um processo formal de preparação de um tratado.[8]
Na atual conjuntura de lutas, áreas-chave do poder corporativo estão vulneráveis a golpes fatais – que, junto com o processo do Conselho de Direitos Humanos, pode contribuir para o avanço dessa onda emergente de luta por alternativas à globalização. Eis alguns dos objetivos pelos quais lutar:
1. Fim da impunidade legal das corporações
Desde o início dos anos 1980, a elite corporativa global começou um assalto ininterrupto aos direitos humanos e interesses públicos. Essa ofensiva tornou-se visível pela erosão da soberania dos Estados, o desmantelamento do Estado de bem-estar social, a privatização dos serviços públicos, a desregulação econômica, a liberalização do comércio e dos investimentos e o estabelecimento da primazia dos direitos das corporações e investidores sobre o direito dos povos.
Em plano internacional, o livre comércio e os acordos de investimento, em suas várias formas, combinam-se com as políticas da OMC, FMI e Banco Mundial para oferecer a definitiva garantia de proteção ao capital. Sob o regime dessas políticas, as corporações transnacionais (TNCs) adquiriram direitos que vão além dos poderes dos Estados – o que tornou possíveis mecanismos punitivos tais como Mecanismo de Resolução de Disputas entre Investidor e Estado (ISDS, na sigla em inglês). Por meio deles, as corporações podem processar os Estados exigindo bilhões de dólares, enquanto os Estados não podem processar ou sancionar as corporações. O mecanismo ISDS está em operação nas Américas desde o início dos anos 1990, quando foi embutido no Capítulo 11 do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA, na sigla em inglês). Também é agressivamente perseguido no Tratado Transpacífico (TTIP, na sigla em inglês), Tratado de Livre Comércio entre União Europeia e Canadá (CETA) e Parceria Transpacífica (TPP), assim como em outros tratados da “nova geração”.
O resultado dessa estrutura política tem sido a construção de uma verdadeira arquitetura de legitimação e impunidade, que tem priorizado os direitos dos investidores sobre os direitos humanos, ou seja, sobre os direitos dos povos. Esse privilégio sem precedentes, a garantia de que os direitos das corporações serão respeitados sem levar em conta os efeitos de suas operações, é um dos pilares sobre os quais se baseia o “capitalismo extremo”. É parte da fundação do hipertrofiado poder corporativo – a Lex Mercatoria – que reina no mundo de hoje [9]. É sobre o princípio da primazia da norma corporativa que poderia tratar o tratado sobre a regulação das TNCs que a ONU está formulando. Ao propor que os direitos humanos sejam colocados em seu legítimo lugar, acima de qualquer outra norma da lei internacional [10], esse tratado poderá tornar ilegais as arbitrariedades atuais permitidas pelos acordos de comércio e investimento internacional, e identificar certas operações corporativas como crimes internacionais.
2. Cortar a ligação entre poder econômico e democracia
A crescente assimetria econômica entre corporações e Estados, e entre a elite dos negócios corporativos e os outros cidadãos, hoje mais extremos do que em qualquer outro tempo da história recente, é outra característica que define o capitalismo contemporâneo. Essa assimetria leva a sua expressão política, a “privatização da democracia”, e é perpetuada por ela. Mecanismos de captura corporativa tais como organizações lobistas, portas giratórias entre corporações e governos, financiamento de campanhas eleitorais e outros canais legais e ilegais, bem como corrupção operando nos níveis executivo, legislativo e judiciário das democracias contemporâneas, transformam os maiores “bens comuns” da sociedade em um mecanismo para beneficiar uns poucos. Susan George se refere a isso como poder corporativo ilegítimo e irresponsável e explica que “grupos de empresas de, digamos, Estados Unidos e Europa reúnem-se para chegar a resultados que entendem ser do seu interesse coletivo. “Chear a resultados” inclui resultados políticos, e a capacidade de arrancá-los dos governos está crescendo inapelavelmente. Isso, para mim, implica uma séria ruptura da democracia” [11].
A privatização da democracia coopta instituições criadas para o bem comum e o interesse público, transformando-as em instrumentos para garantir e aumentar os interesses privados daqueles que assumem o controle. Uma plutocracia direta ou indireta, mais e mais escandalosa, exclui a maioria das pessoas e produz nelas a apatia e desencantamento crescente com a “democracia”. Vozes autoritárias e fascistas (de Trump a Marine Le Pen) começaram a aparecer no palco global e são ecoadas no debate público e representadas em vários parlamentos. Romper o elo entre poder econômico e instituições democráticas é um dos objetivos do trabalho no tratado da ONU. Isso será essencial, se os movimentos populares quiserem conquistar a soberania dos povos, ou, como colocou W. Robinson, avançar no caminho da “redistribuição poder”.[13]
A captura corporativa está internacionalmente reproduzida nas instituições da chamada “governança global” – um eufemismo que esconde a natureza antidemocrática do sistema internacional manifesto na OMC, FMI e Banco Mundial.
Essas instituições estão totalmente capturadas pelos atuais interesses econômicos das corporações que, hoje, ditam suas agendas e o financiamento de seus programas internacionais. Essa tendência global manifesta-se na transferência da governança, das “áreas de conflito político” nos espaços intergovernamentais para espaços “multi-stakeholder” (multi-investidores, acionistas, partes interessadas). Eles são fortemente influenciados, quando não dirigidos, pelos interesses do setor corporativo. Essa tendência vem sendo agressivamente promovida pelo Fórum Econômico Mundial através de sua política de “Global Re-design Initiative (Iniciativa de Re-desenho Global, GRI)”, que promove a governança “multi-stakeholder” como sua opção preferencial. Esta não é uma estratégia ad hoc – ela é na verdade uma das principais estratégias promovidas pela classe de Davos, as elites econômicas globais, em resposta à crise financeira de 2008 e outras crises relacionadas a ela.[13]
A abordagem multi-stakeholder já está bem avançada, especialmente em relação ao nexo comida, nutrição e saúde – e um exemplo é a iniciativa SUN (Scale Up Nutrition, ou Nutrição Aumentada), que reúne uma significativa concentração de corporações, e uma agenda pautada pelo setor privado. Além disso, esta tendência exclui aqueles que não concordam, e ignora os espaços intergovernamentais de políticas alimentares e nutricionais legitimamente estabelecidos, tais como o CFS, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a FAO.[14]
3. Acabar com a festa financeira
Uma das máquinas centrais do capitalismo são hoje as finanças, a dimensão mais globalizada da economia internacional. É bem sabido que o setor financeiro domina o capital produtivo e que há bancos e fundos de investimento de longe mais poderosos do que muitos Estados membros da ONU. O sistema financeiro impõe uma lógica do lucro imediato, que “seleciona naturalmente” os negócios mais lucrativos, gerando padronizações de todos os tipos, extinguindo a diversidade (cultural, gastronômica etc.) e despersonalizando decisões para evitar qualquer conexão com e responsabilidade com relação às pessoas atingidas.
Como aponta Sivanandan, operadores-chaves em mega escândalos bancários rejeitam responsabilidade, como quando Bob Diamond, executivo-chefe do Banco Barclay no período de manipulação da taxa Libor de juros, transferiu responsabilidades para os “níveis inferiores” e pediu uma moratória às desculpas dos banqueiros por seu papel na crise financeira.[15]
O poder das corporações financeiras está baseado em dois elementos chave. Primeiro, a extrema desregulamentação, que permitiu a invenção de infinitos “produtos” financeiros, multiplicando as oportunidades de lucro enquanto eleva o risco geral para o sistema (como revelado pela crise financeira de 2008). Segundo, a habilidade para a evadir impostos e facilitar a evasão fiscal de terceiros (mesmo que por meio de práticas criminosas, como lavagem de dinheiro). Em muitos países, nenhum imposto é cobrado em transações financeiras ou operações na Bolsa, ou são cobrados tributos proporcionais mínimos sobre os lucros gerados pela especulação. Paraísos fiscais e acordos para evitar dupla tributação tê servido, junto com soluções tecnológicas, como mecanismos centrais para facilitar o movimento de capitais pelo planeta. Eles adquiriram liberdade quase total para evitar impostos, esconder riqueza, explorar trabalhadores, praticar “evasão salarial”[16] e especular com os bens de países vulneráveis a financiamentos internacionais via pagamento de juros exorbitantes e dívida extorsiva.
De acordo com Walden Bello, foi preciso que a crise financeira global desse outro golpe no neoliberalismo “ao varrer a Teoria da Escolha Racional e a Hipótese dos Mercados Eficientes, que haviam sido a vanguarda da globalização das finanças”. [17] Contudo, até o presente as corporações bancárias conseguiram resistir a uma séria restruturação e a uma regulação substantiva.
Se queremos que as instituições financeiras trabalhem em benefício de toda a população, é urgente insistir na redução do poder estrutural do establishment financeiro no quadro do poder corporativo global, promovendo, entre outras soluções, regulação financeira estrita, abolindo os paraísos fiscais, eliminando acordos que eliminam a dupla taxação e limitando o tamanho dos bancos e fundos.
4. Frear a mercantilização do conhecimento
As patentes industriais – particularmente as farmacêuticas – são uma estratégia favorita do capitalismo global para a apropriação selvagem de enormes fatias da riqueza produzida pelos seres humanos. As corporações, assumiram, especialmente nos últimos 40 anos, o papel de estabelecer uma estrutura de leis nacionais e internacionais que arantem o controle de patentes sobre descobertas científicas e tecnológicas. Os que detêm as patentes beneficiam-se, em geral, de muitos anos de uso exclusivo. Ou seja, mantêm exclusividade na produção e venda das produtos, a um preço lhes permitirá obter o máximo lucro possível.
A concentração dos Direitos de Propriedade Intelectual e dos regimes de comércio na Organização Mundial do Comércio (OMC) foi primeiramente proposta pelo governo dos EUA, em favor das corporações norte-americanas, sob forte oposição dos governos dos países em desenvolvimento [18].
No contexto deste regime internacional, as corporações que controlam as patentes (que têm seus efeitos expandidos na nova geração de acordos de “livre” comércio) não levam em conta se os preços dos medicamentos. Privam, por exemplo, os pacientes de baixa renda do acesso a tratamentos contra a AIDS ou a Hepatite C. Ritira-se dos camponeses o direito de produzir suas próprias sementes. Evita-se acesso a tecnologias que poderiam contribuir para enfrentar problemas como a mudança climática e a fome.
O regime das patentes e a mercantilização do conhecimento são hoje a base para a acumulação de capital em muitos setores econômicos: comunicações, energia, saúde, medicamentos, alimentação, transporte e tantos outros. Interromper este processo contribuiria para desmantelar o poder das corporações. Também audaria a promover o bem-estar das sociedades. Se o regime de patenes das corporações desempenhou, em algum momento do passado um papel na aceleração do desenvolvimento tecnológico, isso deixou de ocorrer [19]. Ao contrário: de maneira geral, os Estados investem, por meio das instituições públicas, muito mais pesadamente que o setor privado, gerando as condições que tornam o progresso tecnológico possível. Não há razões válidas para transformar de maneira tão absurda os recursos públicos em lucros privados.
5. Cortar o acesso das corporações aos bens comuns da natureza
Estabelecer definitivamente o caráter público da natureza e administrar seu uso em favor do bem comum, cortando o acesso restrito das corporações à mineração, energia e produção de alimentos parece ser um objetivo óbvio. No entanto, na prática, os artifícios de propaganda e coptação do senso comum pelos interesses econômicos transformam tal mete em algo pelo qual somos obrigados a lutar.
Um mundo sob risco iminente de desastres climáticos e ambientais exige decisões urgentes para acabar com o extrativismo selvagem que se encontra por trás de tantas crises ambientais – a devastação dos oceanos, mares e rios; o envenenamento dos solos e das florestas; a corrosão da biodiversidade. A solução para estas crises não está nas mãos daqueles que desprezam a lógica dos bens comuns e perseguem a do lucro. Thomas Berry propôs “estruturas leais e decisões políticas conscientes de que o caminho para o futuro não passa pelo desenvolvimento industrial incessante [20]. Como tantos movimentos pela justiça climática enfatizam, as soluções de mercado são falsas e não pdem oferecer uma resposta para a devastação do ambiente.
Só uma proteção da natureza pública e participativa pode reverter a marcha rumo ao colapso em que a humanidade se encontra. Só ela pode estabelece um limite real, por exemplo, à ação das companhias petrolíferas e às corporações do agronegócio e da mineração – que acumularam podere econômico e político para bloquear os avanços civilizacinais indispensáveis para a sobrevivência de nossa espécie. Esta visão – desenvolvida na Declaração de Marrakesh construída pela Via Campesinas e outros movimentos sociais durante a COP 22 – percebe que “a implantação de alternativas, de outras soluções voltadas a acabar com a lógica arrogante do capitalismo, só pode tornar-se real se articular lutas nacionais e globais, até que o balanço de poder penda em favor dos povos [21].
Acabar om a captura da natureza pode ser outro glope fatal contra o poder das corporações.
Ao menos cinco ações: táticas e estratégia para uma segunda rodada do altermundismo
Há sinais de que os povos do mundo estão, cada vez mais, exasperados com as violações praticadas pelo poder corporativo, a impunidade e a arrogáncia com a qual os instrumentos democráticos foram capturados. O desafio desta segunda onda de altermundismo é organizar e fazer convergir estratégicas capazes de impor ao menos estes golpes contra o poder das corporações; é, além disso, passar das resistências à prática de alternativas. É significativo que o caminho para esta ação esteja aberto com o processo do Tratado sobre as Corporações Transnacionais, no Comitê de Direitos Humanos da ONU. Trata-se da maior oportunidade que temos hoje para dar um passo na direção de um mundo justo e sustentável.
Brid Brennan e Gonzalo Berron são membros da equipe do projeto sobre Poder das Corporações no Transnationa Institute (TNI).
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1O blog de Michael Moore, (2016) explica por que a cólera de tantos contra a ruptura do sistema político resultou em milhões de votos para Trump http://michaelmoore.com/trumpwillwin/
[2] Emir Sader (2011) The New Mole: Paths of the Latin American Left , Verso New Delhi – “a direita recuperou sua capacidade de contra-ofernsiva e de sabotar a rejeição dos governos progressistas ao ‘livre’ comércio e a outras políticas do neoliberalismo” p.147
[3Gonzalo Berrón e Lus González, “A privatização da Democracia. Um catálogo da captura corporativa no Brasil”, Vigência!, São Paulo, 2016 Pg. 10. http://www.vigencia.org/catalogo/vigencia-2016/
Ver também referência a Vitali S, Glattfelder, JB, Battiston, S (2011) The Network of Global Corporate Control
[8Open Ended Intergovernmental Working Group (OEIGWG) foi designado e mandatado em 24/6/2014, em votação do Comitê de Direitos Humanos da ONU (UNHRC), para desenvolver um instrumento legal de cumprimento obrigatório sobre Corporações Transnacionais e outras empresas, em relação aos Direitos Humanos http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/WGTransCorp/Pages/IGWGOnTNC.aspx
[9Ver o Capítulo 1: The International Peoples Treaty on the control of Transnational Corporations http://www.stopcorporateimpunity.org/wp-content/uploads/2016/11/PeoplesT…
[10] Maurice De Zayas (2016) Report of the Independent Expert on the promotion of a democratic and equitable international order – see Chapter IV-Primacy of the International Human Rights Treaty regime
[11Susan George (2014) The State of Corporations – The rise of illegitimate power and the threat to democracy https://www.tni.org/sites/www.tni.org/files/download/state_of_corporatio…
[12] Ibid Robinson
[13Ver, de Harris Gleckman “Multi-stakeholderism: a corporate push for a new form of global governance ” 2016 https://www.tni.org/en/publication/multi-stakeholderism-a-corporate-push-for-a-new-form-of-global-governance
[15] Sivanandan, A (2013) The market state vs the good society, Race and Class Institute of Race Relations, Vol.54(3): 1-9 London http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/0306396812464009
[16O relatório “The Bermuda Connection: Profit Shifting, Inequality, Unaffordability at Lonmin 1999-2012″ (Forslund, Dick AIDC, 2015) expõe o papel da companhia mineradora Lonmin na evasão de salários, ou seja, mostra como a companhia deixou de responder às reivindicações salariais dos mineiros alegando problemas econômicos que na verdade serviram de pretexto para transferências ilegais de lucros ao exteriorhttp://aidc.org.za/download/Illicit-capital-flows/BermudaLonmin04low.pdf
[17] Walden Belo (2016) Revisiting the Lessons of the Battle of Seattle and its aftermath
[18C.M. Correa (2016) Innovation and the Global Expansion of Intellectual Propoerty Rights: Unfulfilled Promises southcentre.int/wp-content/uploads/2016/08/RP70_Innovation-and-IP-Unfulfilled-Promises_EN.pdf
[19] Ibid p. 26 Correa cita pesquisas que apontam os problemas provodados pelo regime de propriedade intelectual nos países desenvolvidos. Ela argumenta que “se a propriedade intelectual não funciona nos países desenvolvidos, ao contrário do que é geralmente aleado por seus defensores, a situação só pode ser pior nos países em desenvolvimento, que têm estruturas frágeis de Ciência e Tecnologia, escassez de capitais de risco e perfis de produção não sofisticados. Eses países estão hoje pagando o preço de um sistema que serve primariamene com plataforma para extrair rendas de privilégio (na forma de pagamentos de royalties e preços altos) e faz muito pouco para promover a inovação local e o desenvolvimento econômico”.
[20] Berry, Thomas In Introduction, Cullinan Cormac Wild Law, (2001) 2nd edition Siber Ink, Capetown
[21Ver a Declaração de Marrakesh contra a Cúpula das Falsas Soluções e por um Futuro Justo e sustentável para Todos os Povos, novembro de 2016. https://viacampesina.org/en/index.php/actions-and-events-mainmenu-26/-climate-change-and-agrofuels-mainmenu-75/2213-marrakech-declaration-against-the-summit-of-false-solutions