sábado, 22 de setembro de 2018

Exclusivo: as denúncias do diplomata Jobim, morto pela ditadura (assassina, como mostrou até mesmo a CIA) militar brasileira



"Primeiro morto político a ter autorização para mudar certidão de óbito, 39 anos após sua morte, a história do diplomata José Jobim é um caso clássico a ilustrar a falta de limites do regime militar brasileiro."


Do Jornal GGN:


Exclusivo: as denúncias do diplomata Jobim, morto pela ditadura militar




Primeiro morto político a ter autorização para mudar certidão de óbito, 39 anos após sua morte, a história do diplomata José Jobim é um caso clássico a ilustrar a falta de limites do regime militar brasileiro.
Não era guerrilheiro, nem militante, nem mesmo um crítico do regime. Era um diplomata aposentado que toda manhã saía de sua casa, usando uma indefectível gravata-borboleta, para suas rotinas diárias.
Foi sequestrado, torturado e morto. Na certidão de óbito informava-se que se suicidara. Na semana passada, foi o primeiro morto político a conquistar o direito de retificar o atestado de óbito, graças ao trabalho da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
Nos anais da Comissão da Verdade narra-se parte de sua história. Teria mencionado em um coquetel sua intenção de publicar um livro de memórias relatando casos de corrupção ocorridos na construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Poucos dias depois, apareceu morto. A versão inicial é que se suicidara.
As circunstâncias da morte foram levantadas pela Comissão da Verdade. Os detalhes de sua denúncia nunca vieram a público.

A história de José Jobim

José era irmão de Danton Jobim, jornalista, professor, político de larga influência no Rio de Janeiro. Ficaram órfãos ainda crianças, tiveram infância pobre e passaram pela Fundação Casa daquela época. Ambos foram criados por um tio, Belmiro Valverde, que depois se tornou grande quadro integralista.
No Itamarati, Jobim se tornou amigo de Saraiva Guerreiro e de Azeredo da Silveira, o Silveirinha. Foi embaixador na Colômbia, tendo como adido militar o general Leônidas Pires.
Depois, serviu no Vaticano, tentando quebrar as resistências da hierarquia da Igreja com os militares. Figura de destaque nessas negociações foi Cândido Mendes.
Mais tarde, serviu na Argélia. Lá, foi o único embaixador brasileiro que teve coragem de dar um passaporte para Miguel Arraes.  Da Argélia foi para Marrocos, e depois de aposentou.
Foi do Partido Comunista na juventude, antes da era Luiz Carlos Prestes. Mas se desligou logo. Serviu no Paraguai, no governo JK, como ministro conselheiro e se interessou pelo tema das Sete Quedas, depois, Itaipu.
No governo Jango, participou de negociações com os russos, para que financiassem a futura hidrelétrica de Itaipu. A URSS havia desenvolvido um modelo de turbinas gigantes, a Kaplan. Foi bem-sucedida na implantação de usinas no Egito, que teve 30 anos para pagar, em produtos. Havia a ideia de se repetir o modelo por aqui.
Seguiu-se uma disputa acirrada entre os russos e a Siemens, alemã, presidida na época pelo ex-diplomata Pio Correa, antigo chefe da extrema direita do Itamaraty, o diplomata que criou o serviço secreto da casa.
Espalhou-se que, caso fosse fechado o negócio, o PCB receberia comissão sobre as compras. Quem espalhava essas suspeitas, com cheiro de fake news, visando prejudicar o negócio, era o jornalista Adirson de Barros, que hoje mora em Petrópolis.
O representante comercial dos russos era Mario Pacheco, dono da empresa MAPA e casado com uma filha do marechal Lott. Ele representava os interesses soviéticos no Brasil. E a MAPA era a trading que negociava com a trading de Leningrado.
A missão russa chegou ao Brasil em dezembro de 1963 e foi embora em janeiro de 1964, nas vésperas do golpe militar. Era comandada por um engenheiro de primeiro nível. Era a negociação internacional mais importante daquele momento. A Hidrelétrica de Assuan, no Egito, custou US$ 3 bi. A corrente de comércio brasileira era de US$ 700 milhões. Um acordo com a URSS, seguindo o mesmo adotado nos anos 30 com a Alemanha, significaria enorme desvio de comércio. 
A versão do jornalista Sebastião Nery era a de que Jango já havia acertado com os russos e viajariam me março de 1964 para assinar o pré-acordo.

Os escândalos de Itaipu

Em fevereiro de 64 Jobim foi ao Paraguai como representante do Itamaraty. Preparou longo relatório para ser apresentado a Jango. Com a queda do regime, o relatório foi entregue em maio de 1964 ao general Ernesto Geisel, que era Secretário Executivo do Conselho de Segurança Nacional.
No ano seguinte, foi assinada a Ata das Cataratas, documento inicial da construção de Itaipu. Jobim era embaixador na Colômbia, mas foi chamado a participar como consultor.
Mesmo sem Itaipu, os russos continuaram ativos por aqui. No governo Médici, o apoio a Pacheco passou a ser o Ministro Delfim Netto. Em 1972, Delfim recebeu a missão soviética, mas não se sabe se os russos conseguiram algum negócio.
Os escândalos de Itaipu começaram a vir à tona com um livro de um empresário alemão radicado no Brasil, Kurt Mirow, “A Ditadura dos Carteis”, editado por Ênio Silveira, e de alta octanagem. Com denúncias de alta octanagem, o livro foi boicotado pela mídia e, logo depois, Mirow precisou fugir para a Alemanha, para não ser preso.
Paulo Jobim foi casado com uma irmã de Leda Collor, mãe de Fernando Collor. Eram duas irmãs de gênio fortíssimo.
Em março de 1979, na transmissão da presidência para João Batista Figueiredo, foi convidado por Saraiva Guerreiro para a recepção.
Em uma roda, da qual fazia parte Gilberto Marinho, presidente do Senado pela Arena, Jobim teria dito que estava preparando livro de memórias no qual faria grandes revelações sobre Itaipu. A conversa foi da noite de 15 para 16 de março.
Jobim saiu na tarde de 22 de março para visitar outro jornalista. Grande parte dos seus amigos eram jornalistas, como Marcial Dias Pequeno, braço direito do Chagas Freitas e Chefe da Casa Civil do Rio. Jobim tinha planejado ir ao Palácio da Guanabara e, depois, comprar um blazer. Era metódico, conservador. Desapareceu naquela tarde.
O SNI tinha esquema de monitoramento, mas nada apurou, como jamais, naquele final de governo Geisel, jamais apurou os 58 atentados ocorridos, dos quais só um esclarecido, o do Rio Centro, e parcialmente o da OAB, no qual foi morta uma secretária e identificado o agente Guarani.
No dia 24 de março, pela manhã, o corpo de José Sobim apareceu pendurado em uma árvore na Barra da Tijuca. A narrativa que se criou é que estaria endividado a ponto de pedir dinheiro para o porteiro do Jockey. Uma segunda narrativa, mais maldosa – que me foi contada por Walther Moreira Salles – é que não suportara mais o gênio forte da esposa.
O irmão Danton Jobim transitava muito bem pelos meios jornalísticos. Havia sido do Diário Carioca. Depois, foi nomeado interventor de todo o sistema Última Hora. Finalmente, tentou ser embaixador em Portugal antes do AI5. Nem assim conseguiu trazer à tona o caso do irmão.
A versão mais plausível é que a preparação do livro reverberou. O monitoramento do SNI era comandado pelo general Newton Cruz. Em uma reunião super-fechada teria sido selado o. destino de Jobim.
Alertado para seu desaparecimento, Gilberto Marinho, que era muito amigo dele, foi à sua casa. Uma das pessoas presentes, amiga da mulher do Jobim, e viúva de outro diplomata, teve a ideia de ligar para Pio Correa, que conhecia vários delegados e poderia ajudar. Mas ele não estava. Falaram com sua esposa, Tereza Maria Graça Aranha, muito simpática. Quando o marido chegou em casa, logo depois Tereza telefonou dizendo que ele iria tomar providências.
Pio ligou para Rui Dourado, delegado, seu colega de faculdade e do CPOR, de família culta, parente de um grande historiador, Mecenas Dourado. Quando chefiou o Departamento Político do Itamaraty, Pio havia requisitado  Rui Dourado quando esteve no Uruguai
No outro dia, o cadáver do Jobim apareceu na Barra, em uma delegacia cujo delegado titular era justamente Rui Dourado.
 Pio Correa era presidente da Siemens, concorrente da URSS nos projetos de Itaipu. Rui Dourado era seu compadre e seu braço policial. O corpo de Paulo Jobim apareceu na jurisdição de Dourado.
A suspeita inicial é que Pio Correa havia mandado matar Jobim. Mas ninguém julgou razoável a hipótese. O mais razoável é que o SNI sequestrou, levou para um aparelho, foi torturado e morreu. Quando Dourado se meteu na história, acionado por Pio Correa, ligou para amigos que passaram o corpo para ele.
O suspeito número 1 era Newton Cruz, chefe operacional da Agência Central naquele momento.
Jobim foi o primeiro caso de sequestro no período Figueiredo, similar ao que ocorreu com Alexandre Von Baumgarten, sequestrado e torturado depois de se meter em trapalhadas financeiras com militares.
No relatório de Jobim, havia duas pistas sobre a corrupção.
Uma delas envolvia uma figura controvertida, Costa Cavalcanti, que foi presidente da Itaipu Binacional. Jobim tinha verdadeiro asco dele. Pessoas ligadas ao Serviço Secreto da Aeronáutica mencionavam majoração de preços nos custos de comissão de Itaipu para pagar comissão do lado paraguaio e brasileiro. Suspeitava-se que sua provável fonte havia sido Mário Pacheco.
Mas os escândalos foram abafados com sua morte.
O episódio serve para mostrar a face sem álibi da repressão. Torturaram e mataram um cidadão pacato, diplomata aposentado, para abafar um crime do regime.

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