quinta-feira, 9 de abril de 2015

Luis Nassif esclarece pontos da Crise Generalizada no Brasil

Para entender a natureza da crise política

, Jornal GGN

Uma das características da crise atual é o da implosão das formas de poder e dos sistemas de controle social.
Não se trata apenas de uma crise do Executivo. É uma crise generalizada das estruturas de poder que se segue aos fenômenos de inclusão ou de urbanização acelerada. Quando ocorre a frustração na ascensão das diversas classes sociais e o aparato político tradicional não dá mais conta do recado, explode a crise.
Aparentemente díspares, os seguintes episódios estão intimamente ligados:
·      A intolerância saindo do armário nas manifestações de rua e nas redes sociais.
·      A rebelião do baixo clero no Congresso, expressa na eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara.
·      A rebelião no Judiciário, com procuradores e juízes de primeira instância tentando se impor sobre o legalismo, o formalismo e a lentidão dos tribunais superiores.
·      Na segurança pública, as execuções recorrentes de pessoas na periferia e nas favelas por PMs sem freio.
·      A impotência do STF (Supremo Tribunal Federal), inibido pelos movimento de turba da mídia.
·      O papel de Gilmar Mendes engavetando a ADIN do financiamento privado de campanha,  instituindo o vale-tudo na mais alta corte..
·      No campo político, o PSDB e a mídia estimulando os templários da Lava Jato a atropelar requisitos mínimos de direitos individuais; e o PT cobrando o mesmo rigor contra executivos de empresas envolvidas no escândalo do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e do HSBC, ambos dando carne fresca ao leão.

Os dois campos de desagregação


Há dois campos nítidos de desagregação das formas de poder e controle.
No campo das relações sociais há normas de conduta que pautam as atitudes individuais. Em tempos de rebelião, esses limites são ultrapassados, e a grosseria e o preconceito saem do armário.
No plano institucional ocorre rebelião similar.
O sistema democrático é pautado pelos chamados freios e contrapesos – isto é, por modelos nos quais um poder serve de limite à atuação de outro, evitando o exercício do poder absoluto. Internamente, cada poder se estrutura em hierarquias colegiadas para evitar a formação de pequenas ilhas de poder.
Quando a besta – o sentimento de rebelião das massas - sai às ruas, essa estrutura vira de pernas para o ar e os diversos grupos oportunistas saem à campo tomando o freio nos dentes e tentando atropelar seus limites de atuação.
São faces do mesmo fenômeno o troglodita que sai às ruas ofendendo minorias e os procuradores que se aliam aos grupos de mídia para atropelar os rituais jurídicos e o Ministro Gilmar Mendes engavetando um julgamento..
Em todos esses casos, o elemento deflagrador são as campanhas midiáticas semeadas em solo fértil, fabricando o ódio e criando a figura do grande Satã a ser combatido.
O caso dos procuradores da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro é significativo. Os limites à atuação de juízes de primeira instância são as instâncias superiores; dos procuradores, é o direito ao contraditório, apresentado pelos advogados dos réus, o juiz de primeira instância e os tribunais superiores, sucessivamente.
Lentidão da Justiça e excesso de recursos impedem apurações, julgamentos e condenações rápidas.
Quando a besta está à solta, os jovens turcos do Ministério Público tratam de cavalga-la em parceria com os grupos de mídia.  Alimentam a besta e, em cima do efeito-manada, desmontam os sistemas de controles. Tornam-se pequenos ou grandes ditadores, dependendo de seu espaço de atuação, e seu exemplo se alastra feito um rastilho.
Na semana passada, em Poços de Caldas, um juiz de primeira instância, aliado a um promotor, ordenou a prisão de mais cinco médicos da cidade, em cima de erros no preenchimento de fichas de paciente. Sem sequer se ter a sentença final, os médicos tiveram as cabeças raspadas e foram mandados a celas comuns para quarenta dias de detenção.
É um fenômeno que vai se repetir Brasil afora, com mini-ilhas de poder ilimitado devido à crise de poder no Judiciário.

Os fenômenos globais e os locais

Há diversos fatores explicando esse esgarçamento do poder.
Parte do fenômeno decorre do aprofundamento da globalização.
A inclusão em massa nos grandes países emergentes e os movimentos migratórios nos desenvolvidos, trazendo novas dinâmicas nas relações sociais e políticas e um profundo incômodo à classe média estabelecida provocou terremotos sociais,
Outro fator é o advento das redes sociais implodindo os sistemas tradicionais de controle das informações pelos grupos de mídia.
Um terceiro, a emergência de uma crise econômica global, com o fim da utopia neoliberal, sem que se tenha uma luz no final do túnel.
Esse conjunto de fatores globais explodiu no Brasil e aqui encontrou circunstâncias favoráveis para avançar.
De um lado, o fim de um poderoso ciclo de inclusão e o esgotamento do modelo de crescimento que o sustentou por todos esses anos, baseado no consumo.
Depois,  os escândalos do “mensalão” e da Lava Jato e a maneira como o governo Dilma e o PT permitiram a instrumentalização das informações. Ficaram com toda a conta dos escândalos.
Finalmente, o desgaste produzido pela falta de reação às manifestações de junho e pela falta de resposta à opinião pública após as eleições, com o chamado “estelionato eleitoral” do pacote fiscal.

A presidente em off

Nesses momentos de tiroteio só há dois personagens capazes de trazer saídas: de forma organizada, a presidência da República; de forma caótica, algum aventureiro que inevitavelmente surgirá do caos, caso não se preencham os vácuos de poder.
Só se recompõem os instrumentos básicos de coordenação social e institucional com um projeto claro de país pela frente. Para quem gosta de gestão, o chamado plano estratégico; para quem gosta da política, o chamado projeto político.
Nos próximos meses a recessão se aprofundará assim como o desemprego. Não haverá nada que possa ser oferecido à opinião pública, a não ser ideias coerentes que apontem claramente o rumo do país e ajudem a atravessar  a tempestade.
E aí se entra na responsabilidade da Presidência da República.
Mais do que uma batalha partidária, o país está enfrentando uma guerra ideológica, em que avanços civilizatórios de décadas estão sendo ameaçados pela eclosão da intolerância e de um conservadorismo vociferante.
A divisão que importa não é mais PT vs PSDB, mas modernização vs atraso. Não é mais inclusão vs exclusão, mas aprofundamento da democracia social.
Há propostas modernas e atrasadas nos dois pólos do espectro político. Neoliberalismo não é bandeira modernizante, como não é modrnizante um Estado modorrento e pesado.
O que garantiu a vitória de Dilma, no segundo turno, não foi o PT nem a desconstrução do adversário, mas a percepção de setores modernos de que sua derrota poderia significar um atraso na modernização do país.  Não propriamente devido à atuação de Dilma, que nunca teve políticas pró-aticas nos diversos temas, mas à preservação de espaços que poderiam desaparecer com a eleição de Aécio, apoiado em manadas de tiranossauros babando sangue.
A voz do presidente é um agente organizador do discurso público.
Quem convive com Dilma no Palácio garante que ela tem um pensamento moderno em relação aos direitos das minorias, às políticas públicas etc.
Se tem, que expresse. Não existe Presidente em off.
A Presidente precisa se pronunciar sobre os temas do momento, maioridade penal, casamento homossexual, cotas sociais, democratização do Estado, qualidade dos serviços públicos, sem o medo absurdo de descontentar setores, como ocorreu até agora..
A opinião é apenas o primeiro passo na montagem do projeto.
Um plano estratégico define onde o país está e onde se pretende chegar. Não se trata de uma mera montagem de planilhas e indicadores, mas de uma formulação política com definição de prioridades.
Depois, esse plano precisa ser desdobrado em planos de ação em cada Ministério, todos eles subordinados às propostas políticas maiores.
Se a proposta for de aprofundamento da democracia social, com desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida, cada Ministério tem que apresentar seus planos de ação, seus conselhos participativos, seus programas que caminhem nessa direção.
Se a proposta é a de recuperação do crescimento e do emprego, que se reativem os conselhos empresariais e de trabalhadores para uma política que permita um discurso um pouco mais concreto do que o mito da “lição de casa” – essa história de que bastará um ajuste fiscal doloroso para o país ser purgado de pecados e voltar a crescer.
Todos os Ministros precisam rezar pela mesma cartilha, uniformizar os argumentos, identificar as peças do jogo que seu Ministério será responsável.
Enquanto se prepara o plano, a presidente que se recolha, para não se expor mais ainda. Quanto mais aparecer, sem nada dizer de novo, maior será seu desgaste.
A mudança da opinião pública se dará através da percepção gradativa de que o país encontrou o caminho da reconstrução, com o discurso homogêneo do governo, com os primeiros resultados que começarem a aparecer, provavelmente só no próximo ano.
Quando essa percepção estiver mais clara, voltarão as regras tácitas de convivência social e política, a tentativa de reformar o país com discussões, uma opinião pública mais disposta a pressionar o Congresso, e não a selvageria do jogo atual, com cada setor pretendendo abrir picadas no muque.
Se esse dia chegar, não haverá mais o profundo ridículo  de procuradores posando de Intocáveis.

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