Por Luis Nassif, no GGN

Peça 1 – Globo lança Moro político

De tão ostensivo, tornou-se extravagante o movimento das Organizações
Globo de lançar Sérgio Moro politicamente.
Principal porta-voz do grupo, Merval Pereira não foi sutil. Com o artigo
Outro Patamar”, Merval tentou transformar em vitória a derrota do pacote
anticrime de Moro, que retirou pontos fundamentais da proposta original.
“O ministro Sérgio Moro está se saindo um “hábil político”, como disse
Bolsonaro. Ontem, passou o dia no Congresso, negociando a aprovação do
pacote anticrime e a autorização para a prisão em segunda instância, que
foi retirada dele, mas deve ser votada separadamente”. Ora, é de
conhecimento geral que o pacote aprovado na Câmara é fruto de um grupo
de trabalho coordenado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre Moraes.
Nas reportagens, a mesma tentativa de criar um clima de vitória para Moro,
mas com algumas ressalvas. “O pacote teve amplo apoio, até mesmo da
oposição,
mas algumas das principais proposições de Moro foram ignoradas”.
Ora, o pacote representa um freio nos abusos do estilo Moro, ao proibir
prisões provisórias, preventivas ou denúncias à Justiça baseadas exclusivamente
em delação premiada; ao instituir o juiz de garantia, para zelar pela legalidade das investigações criminais; autorização para substituir crimes de menor gravidade por prestação de serviços; proibição de gravação de conversas de advogados com
presos, a não ser em presídios de segurança máxima e com autorização judicial.
E endurece nos crimes contra a honra, na Internet, na punição dos crimes
hediondos.
Ficou de fora o tenebroso excludente de ilicitude, que isentaria policiais que
matassem em serviço. E também a prisão após segunda instância, pontos
centrais da proposta de Moro.
No artigo, diz que Moro deu uma declaração a favor de Bolsonaro contar o
governador de São Paulo João Dória, ao não incluir o massacre de Paraisópolis
nas hipóteses do excludente de ilicitude.
No dia anterior, houve ampla cobertura de um evento do Globo – com o
indefectível patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a
CBF do comércio -, em que Moro foi louvado. No evento, além da crítica a
Doria, Moro se esmerou em louvar o chefe Jair. Negou pretensões políticas,
garantiu apoio incondicional a Bolsonaro, em caso de candidatura a reeleição.
Peça 2 – as investidas contra a Lava Jato
A troco de quê esses dois movimentos: o de lançar Moro como político e o de
enfatizar os elogios de Moro ao seu chefe?
A explicação estava em três movimentos que tendem a enquadrar definitivamente
a Lava Jato, constituindo-se na maior ameaça à imagem pública da corporação.
O primeiro foi o caso Januário Paludo e a abertura de investigação penal que
rompe definitivamente a blindagem da mídia – até então, apenas a UOL havia
se referido ao caso, suspeitas de recebimento de propina pagas pelo doleiro
Dario Messer. Hoje, FolhaValor entraram no tema.
Como se sabe, o pacto de blindagem da Lava Jato – incluindo mídia, PGR, CNJ,
STJ – consiste em acatar apenas denúncias endossadas pelos principais jornais.
Foi a maneira de fugirem às reportagens levantadas por outros veículos de
imprensa, especialmente online.
O Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação no âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça), sob responsabilidade do subprocurador-geral Onofre Martins.
Ao mesmo tempo, a Corregedoria do MPF abriu sindicância para analisar os
fatos da ótica ético-disciplinar. É cedo para qualquer conclusão definitiva, mas
é um  precedente relevante. Especialmente porque, segundo as primeiras informações, pretende-se avançar para as denúncias do advogado Tacla Duran – que envolvem procuradores da Lava Jato e a família Moro, devido à proximidade com o principal suspeito, Carlos Zucolotto.
Não ficou nisso.
No dia 22 de novembro passado foi aberta uma correição extraordinária visando apurar a regularidade no serviço, pontualidade, o
cumprimento das
obrigações legais de membros do MPF alocados em forças tarefas, assim como recursos e necessidades.
A responsável é a procuradora Raquel Branquinho, uma das reservas morais do MPF, insuspeita de
corporativismo.
Nos três casos, significa um tiro nas pretensões do grande comandante da
Lava Jato, Ministro Sérgio Moro. É óbvio que essas investidas do PGR contaram com o respaldo amplo de Bolsonaro. Daí a insistência de Moro em apregoar lealdade ao chefe e cobri-lo de elogios. Só faltou beijo na boca.
Peça 3 – a escalada do MPF
O MPF saiu da Constituinte como a grande esperança de poder em defesa dos
interesses difusos da população. Apesar de alguns exageros, cumpriu adequadamente com suas obrigações até a gestão Cláudio Fontelles – em que pese o período Geraldo Brindeiro.
A partir de Antônio Fernando de Souza começou a degringolada, muito em função da pusilanimidade com que o poder foi tratado pelos governos do PT – Lula e Dilma – ao mesmo tempo em que, mundialmente, o sistema judicial tentava se apropriar das prerrogativas políticas, avançando sobre as vulnerabilidades do sistema político.
A decisão de escolher para PGR o mais votado pela categoria foi fatal. O MPF passou a se ver como um poder independente, o primeiro lance da tomada do poder pelas corporações públicas, em um ensaio da invasão corporativa dos anos seguintes.
Antônio Fernando rompeu um pacto, de PGR não procurar a reeleição. E, 
com o “mensalão” deu início a esse processo que devolveu às corporações 
públicas, sem voto, o poder político dos tempos da ditadura – com outros atores.
Como já escrevi exaustivamente aqui, o ponto central da denúncia – o tal desvio
de R$ 75 milhões da Visanet – nunca ocorreu. Mesmo se tivesse ocorrido, a
Visanet não era uma empresa pública, portanto não poderia fundamentar o
crime de corrupção.
O “mensalão” foi uma criação exclusiva do MPF, na figura de Antonio Fernando de Souza, do sucessor Roberto Gurgel, do ex-colega Joaquim Barbosa e de todos os assessores da PGR que convalidaram a farsa da Visanet.
Mas a pá de cal, definitivamente, foi Rodrigo Janot. Em seu período ocorrem dois fenômenos. O primeiro, a Lava Jato. O segundo, a expansão desmedida do MPF,
com jovens concurseiros de toda parte atraídos por salários iniciais muitíssimo
 acima dos de mercado.
Ampliou-se o quadro sem que os jovens procuradores fossem formados pelos valores históricos do MPF. Seu modelo passou a ser Deltan Dallagnol e seus companheiros praticando o empreendedorismo no serviço público. O apoio da mídia e do grupo do impeachment conferiu-lhes um poder inédito, a ponto de se transformar em ameaça geral, em instrumento mais explícito da onda fascista que se apoderou do país.

Peça 4 – o futuro do MPF

A queda do MPF foi acelerada por eventos específicos:
1º – A tentativa de criação da Fundação de R$ 2,5 bilhões, administrada pela Lava Jato de Curitiba, destinada a impulsionar iniciativas de disseminação das práticas de compliance.
  2º – A revelação de que tanto Dallagnol e Roberto Possobon, como Rosângela Moro,
se preparavam para abrir empresas para explorar esse mercado, assim como a disseminação do mercado de palestras de Dallagnol.
  3º – A Vazajato revelando as manipulações das investigações e expondo o direito
penal do inimigo, da forma mais chocante possível, nas declarações sórdidas em
relação a tragédias familiares dos “inimigos”. A banalidade do mal ficou nítida no mais experiente de todos, Januário Paludo. Seu desprezo pela tragédia alheia ajudou a dar visibilidade aos atos concretos de desrespeito aos direitos individuais.
Não é preciso muito tirocínio para prever o futuro do MPF.
Progressivamente, os salários serão rebaixados até se transformar em um êmulo da polícia, mal remunerada e com poucas atribuições.
Os abusos serão contidos de forma mais que proporcional: o MPF perderá poder até
para as ações legítimas de combate aos crimes dos poderosos. E também perderá
força o trabalho meritório em defesa dos direitos humanos, dos desassistidos e das minorias.
Qualquer analista relativamente preparado, com clareza sobre relações de causalidade, identificará os responsáveis pelo fim do MPF da Constituinte de 1988: Janot, os filhos
de Januário, o Ministro Luis Roberto Barroso, todos embarcando nos ventos do momento, aderindo a um modismo, a um poder provisório sem pensar em nenhum momento no futuro da instituição e nas suas responsabilidades para com o país.
Os jovens concurseiros em breve pularão do barco, buscando escritórios de advocacia onde possam aplicar seu conhecimento e praticar o empreendedorismo autêntico.