sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Extrema-direita impõe sua agenda: sai soberania, entra sangue no ventilador, por Gilberto Maringoni

 

(...) Sem lideranças nacionais viáveis e momentaneamente desarticulado, o extremismo reacionário de direita jogou sangue no ventilador. Apesar disso, essa gente conta com capilaridade social, maioria parlamentar, sólidos apoios externos, e representantes no próprio governo.




Extrema-direita impõe sua agenda: sai soberania, entra sangue no ventilador, por Gilberto Maringoni

Castro mata e o governo federal fala em endurecer a legislação, sancionando proposta de Moro aprovada no Congresso. Consenso nacional, enfim!




A CHACINA PATROCINADA POR CLAUDIO CASTRO destroçou a conjuntura e embaralhou a agenda nacional. Senão vejamos. Até o final de semana, Lula reinava absoluto nas redes e mídias, a partir da reunião com Donald Trump, na Malásia. Nada se sabia de concreto acerca das negociações e o jogo sequer começara, mas o campo gravitacional petista já cantava vitória a plenos pulmões. As exaltações se davam em torno da postura corporal e da maneira de sentar do presidente brasileiro diante do líder do Império. A “química” entre ambos foi depositada na conta de Lula e de seu inegável talento negociador. Mensagem implícita: depois dessa, as eleições presidenciais do ano que vem seriam um passeio.

NA TERÇA-FEIRA, A CARRUAGEM começou a virar abóbora. Sem lideranças nacionais viáveis e momentaneamente desarticulado, o extremismo reacionário jogou sangue no ventilador. Apesar disso, essa gente conta com capilaridade social, maioria parlamentar, sólidos apoios externos, e representantes no próprio governo.

O BESTIAL MASSACRE, impulsionado pela métrica de “narcoterrorismo” e animado pela vitória eleitoral de Milei no domingo, implodiu o esquema petista. Narcoterrorismo é termo utilizado pelo trumpismo para justificar a ofensiva militar contra Venezuela e Colômbia, provocação sobre a qual Lula pouco se pronuncia.

A FRÁGIL HEGEMONIA de uma vaga ideia de soberania dá lugar à mais do que concreta matança, com direito a sinais de tortura e cabeças cortadas. Uma ação alucinante, mal planejada e letal enquadra parte da grande mídia, várias alas do PT (Quaquá, Rui Costa e outros governadores e lideranças regionais) e a base aliada no Congresso (Alcolumbre puxa a fila).

O PRESIDENTE LULA, que não entra em bolas divididas, decidiu se calar e colocou seu ministro da Justiça à frente das trincheiras. Ricardo Lewandovsky, apesar do sólido currículo acadêmico e de sua experiência como ministro do STF, não é homem da política, nada tem a ver com esquerda e carece de habilidade de articulação. Apesar da PEC da Segurança Pública tramitar no Congresso e propor integrar as políticas de segurança pública dos estados e municípios com a União, o governo revela-se incapaz de lidar com situações de emergência que não sejam aprofundar o ajuste fiscal. De olho em sondagens nas redes, que mostram ligeira maioria da opinião pública favorável à matança, a administração federal se rende ao senso comum. Notas do presidente da República e da ministra de Direitos Humanos parecem saídas da pena de Rolando-Lero. Nada dizem e não defendem ou se contrapõem a nada ou a ninguém. A extrema-direita percebe a deixa e vai para o embate: nove governadores declaram apoio ao celerado do Palácio Guanabara.

DESLOCADO PARA O RIO DE JANEIRO, o ministro da Justiça é a personalização do recuo ao conceder entrevista ao lado de Claudio Castro, anunciando ações conjuntas. A cena entrará para a história como uma perfeita tradução de capitulação política (é sintomático que no mesmo momento o governo aprovava na Câmara um pacote com cortes de R$ 15 bilhões em programas sociais). Se já não existe polarização nos pressupostos dos projetos econômicos de governo e oposição – com graus e intensidades distintos ambos advogam o binômio austeridade & privatização -, uma frente ampla se completa na mal-denominada política de segurança. Castro mata e o governo federal fala em endurecer a legislação, sancionando proposta de Sergio Moro (!) aprovada no Congresso. Consenso nacional, enfim!

DISPUTA DE HEGEMONIA a quente é isso: o fascismo consegue fazer a opinião pública crer que sua sede de sangue representa a defesa dos interesses gerais da sociedade. “Paz e porrada”, na admirável síntese de Washington Quaquá, prefeito de Maricá e vicepresidente nacional do Partido dos Trabalhadores, é o que o Brasil precisa. A extrema-direita desloca a barbárie para o centro da agenda eleitoral. Levará a faixa quem se mostrar mais troglodita contra pobres, pretos e periféricos, em ações tão espetaculares quanto inúteis para a segurança pública.

NA TERÇA (28), O MINISTRO Lewandovsky produziu uma inesquecível pérola em coletiva no Ceará: “O problema do crime organizado é que ele é organizado”. Poderia completar com “Enquanto isso, nós batemos cabeça”. Daqui até outubro de 2026, o fascismo, empoderado internacionalmente, seguirá tumultuando o processo eleitoral. A pior maneira de encarar esse caminho será ir à luta de salto alto.

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

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