quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Necropolítica, fascismo e Populismo Penal da direita brasileira em artigo de Ricardo Lodi Ribeiro, ex-reitor da da UERJ (2020-2022), onde é professor associado de Direito Financeiro

 

 

Do Brasil 247:

Necropolítica e Populismo Penal

Populismo punitivista transforma a ausência de políticas sociais em espetáculo de guerra e consolida o domínio do crime organizado

Operação policial na favela da Penha, no Rio de Janeiro - 28 de outubro de 2025 (Foto: REUTERS/Aline Massuca)


As cenas brutais da megaoperação policial nos Complexos do Alemão e da Penha, a mais letal da história do Rio de Janeiro, são o retrato do colapso de uma política de segurança pública que insiste em confundir eficácia com violação ao Estado Democrático de Direito. O que se vende como “combate ao crime” é, na prática, um projeto político de poder sustentado pela violência e pela morte: a necropolítica.

Essas operações não têm planejamento, inteligência nem resultados. São encenações trágicas que buscam transformar o medo coletivo em apoio eleitoral. É o populismo punitivista em sua forma mais cruel: o Estado que aparece nas favelas não para garantir direitos, mas para exibir cadáveres como troféus.

A cada incursão, o crime organizado volta mais forte. Os “chefes” de morro, facilmente substituídos, não são o elo mais forte de uma cadeia que termina nos gabinetes refrigerados da elite econômica e política — os verdadeiros donos do crime, blindados pela impunidade e por conexões com o poder. Enquanto isso, os corpos que tombam são, quase sempre, de jovens negros e pobres.

Não há política de segurança pública possível sem a observância dos direitos fundamentais da população. A favela continua sendo território abandonado: sem escola decente, sem saneamento, sem oportunidades. O Estado que deveria garantir serviços e dignidade chega apenas de fuzil em punho.

Ao deixar um vazio de cidadania, o poder público abre espaço para que o crime organizado se torne o “Estado paralelo” — oferecendo transporte, gás, lazer e até crédito. Nas comunidades, o tráfico preenche o vácuo deixado por décadas de omissão estatal. Cada caveirão que entra destrói pontes, sem construir nada em seu lugar.

Enquanto as forças locais seguem no ciclo da bala, a recente Operação Carbono Oculto, conduzida pela Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público de São Paulo, mostrou o que é resultado efetivo: desarticulou a máfia dos combustíveis e as fintechs usadas pelo PCC para lavar bilhões de reais — sem disparar um único tiro.  E vale observar que a operação não foi na favela, mas na Faria Lima.

É por esse caminho que o país precisa seguir: rastrear o dinheiro, atingir o topo da pirâmide criminal e enfraquecer suas estruturas econômicas. O verdadeiro combate ao crime se faz com investigação, cooperação institucional e investimento em inteligência, não com tanques em vielas e helicópteros atirando sobre escolas e casas.

Isso não significa que mais cedo ou mais tarde, algum enfrentamento territorial não seja necessário. Mas ele deve ser  precedido pela fragilização econômica das facções e pela articulação entre as forças de segurança, sob coordenação da União, uma vez que o crime organizado já ultrapassou há muito as fronteiras estaduais.

Nesse sentido, é fundamental a aprovação da PEC da Segurança Pública, que busca integrar forças e priorizar a inteligência, é um passo importante, mas insuficiente se não vier acompanhada de políticas de inclusão.

A violência cotidiana é o sintoma de um Estado que trocou o social pelo policial.

O que falta não é mais bala — é mais Estado. Um Estado presente, que garanta educação, emprego e cultura. Que dispute corações e mentes com o crime organizado oferecendo dignidade, emprego e renda, e não caveirões, balas e mortes.

Enquanto o poder público continuar ausente e a pobreza for tratada como inimiga, o ciclo da barbárie seguirá se repetindo — aplaudido por quem confunde vingança com justiça e sangue com poder.

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