segunda-feira, 3 de junho de 2019

Que antídotos temos contra o ódio?, por Dora Incontri



Buda indicava compaixão. Sócrates dizia que era melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la. Jesus ensinava a amar os próprios inimigos e perdoar setenta vezes sete. Mais próximo de nosso tempo, há Gandhi, que conduziu toda uma luta política de emancipação da Índia do jugo britânico, pelas vias da não-violência.

Do GGN:


A silhouette of a young Christian woman is bowing her head in prayer, and desperation outside during sunset.

Que antídotos temos contra o ódio?, por Dora Incontri

Hoje vi nas redes sociais uma pessoa pedindo conselho, orientação, socorro, para não sentir tanto ódio contra o atual (des)governo e contra os que ainda o apoiam fanaticamente, mesmo diante do desmonte trágico que está sendo feito no Brasil, em todas as áreas: meio-ambiente, educação, saúde, cultura, trabalho, direitos humanos… não há um só dia em que não somos surpreendidos por péssimas notícias, ameaças, previsões de um horizonte sem futuro.
Não só essa internauta me chamou atenção com seu pedido, mas tenho sido procurada por muita gente que gostaria de enxergar uma luz no fim do túnel, obter um pouco de ânimo e esperança.
De fato, não tenho – e ninguém tem, mesmo os melhores analistas políticos e econômicos – uma leitura segura do que acontecerá daqui para frente, de quanto, como e até quando seremos jogados no abismo do retrocesso e da precarização de nossas vidas de brasileiros… e se, como, quando vamos nos recuperar desse pesadelo.
Mas posso e vou fazer aqui uma reflexão sobre as emoções que nos invadem.
O ódio de fato é um mau conselheiro em qualquer situação. Ele nos iguala ao outro que odeia, ele nos cega para enxergarmos caminhos, soluções e sobretudo nos rebaixa vibratoriamente (numa linguagem espírita), abrindo campo para perturbações emocionais, psíquicas e espirituais.
Isso não quer dizer que não possamos sentir raiva. Raiva é um momento, é uma emoção que vem e passa. Olhemos para ela, reconheçamos a sua legitimidade, mas deixemos depois que esfrie. O ódio é mais profundo, é uma raiva que cria raízes e que passamos a alimentar e que acaba por nos guiar em pensamentos, palavras e atitudes. E é justamente isso que observamos na direita exaltada que odeia a esquerda, o PT, a educação sexual, a terra redonda, a arte, a ciência, a universidade… estamos vendo a que o ódio conduz. Portanto, não cedamos a ele.
Os grandes mestres espirituais de todos os tempos sempre mostraram alternativas ao ódio e à retribuição do mal com o mal. Buda indicava compaixão. Sócrates dizia que era melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la. Jesus ensinava a amar os próprios inimigos e perdoar setenta vezes sete. Mais próximo de nosso tempo, há Gandhi, que conduziu toda uma luta política de emancipação da Índia do jugo britânico, pelas vias da não-violência.
Os indianos tinham razão de sobra para odiar os ingleses. Quando a Inglaterra tomou a Índia milenar como colônia, no século XVII, era uma terra riquíssima, produtora de tecidos, fabricava os próprios navios que os ingleses usavam, cultivava o índigo… era o país das especiarias. Quando depois de toda luta de Gandhi, a Inglaterra deixou a Índia, no século XX, ela havia se tornado um dos países mais pobres do mundo. E como sequela da independência, arrancada a fórceps e concedida de má vontade da parte dos ingleses, o país foi ferido para sempre com a divisão entre Índia e Paquistão – coisa que deprimiu Gandhi sobremaneira.
Sim, é difícil para todos nós, que temos consciência das injustiças, que enxergamos o nível de maldade dos que detêm o poder, que vemos a alienação emburrecida das massas ou o egoísmo irresponsável das elites, nos mantermos numa atitude zen.
Recorramos, porém, aos grandes mestres acima, para encontrarmos uma luz: Sócrates, o maior filósofo de todos os tempos, atribuía toda a maldade à ignorância. Não se trata de uma ignorância escolar. Mas de uma ignorância da alma. O ser humano quer sempre a felicidade, busca a felicidade. Mas aqueles que a procuram na tirania, no vício, na injustiça, na opressão e na exploração do outro estão enganados, são ignorantes, inconscientes. Estão buscando no lugar errado. É o que Jesus disse na cruz: “perdoa-os, Pai, porque não sabem o que fazem!”
Ora, isso é perfeitamente ilustrável pela situação que vivemos: os poderes econômicos e políticos do Brasil e do mundo estão cavando um abismo para a humanidade, mas com isso estão provocando a ruína de seus filhos, netos e – segundo a teoria da reencarnação – de si próprios, quando voltarem em outras vidas e reencontrarem na história as situações de degradação planetária e penúria social, que ajudaram a provocar agora com suas atitudes irresponsáveis e egoístas.
Então, qual o sentimento que pode nos inspirar pessoas tão ignorantes do que estão fazendo? Que não sabem que ferir o outro, acabar com o planeta e semear a injustiça é ferir a si mesmo e envenenar a própria casa e a própria comida… Piedade é o mais adequado dos sentimentos!
Isso significa que devamos ficar de braços cruzados, meramente compadecidos diante da sanha destruidora dos que estão querendo dificultar o nosso presente e lançar sombras em nosso futuro? De jeito nenhum. É legítima toda a luta não-violenta, é bem-vinda toda indignação firme; é necessário todo o engajamento diário para mudarmos as coisas.
O atual (des)governo do Brasil é patético. As pessoas que ainda o apoiam estão cegas, adoecidas, inconscientes. Mas tudo isso faz parte de um projeto maior: estabelecer a agenda ultraneoliberal no país e inseri-lo na rota do fascismo, que está renascendo no mundo. Ainda precisamos olhar esse fascismo de frente (que é uma fase recorrente do capitalismo), e ver por que tantos seres humanos ainda se identificam com o ódio, com o racismo, com a homofobia… quantos ainda se comprazem na humilhação e até no extermínio do próximo. Se não tratarmos essa chaga profunda da humanidade, com espiritualidade, terapia, educação, movimentos de reflexão coletiva – sempre assistiremos a novos tsunamis sociais, como os de agora. E ainda por muito tempo estaremos lidando com esse sistema econômico monstruoso, excludente, predatório.
Esse é o tipo de clareza que temos de ter. Mas com a clareza que não nos deixe mergulhar na cova do desânimo e nem ceder à tentação do ódio. Ao invés, irradiemos a esperança de quem sabe que todos os impérios caem e todos os tiranos morrem – palavra de Gandhi no filme de Richard Attenborough, e que, como nos ensina o budismo, tudo é impermanente nesse mundo.  E como, nos ensina o espiritismo, tudo faz parte de um aprendizado coletivo para o amadurecimento da humanidade. Felicitemo-nos por já estarmos do lado certo da história. Isso nos reanima.


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