domingo, 23 de fevereiro de 2020

Cid Gomes e a coragem de enfrentamento do milicianato fascista que se infiltra em todo o país, por Daniel Gorte-Dalmoro




O ato de Cid Gomes foi extremo, e por seu desenrolar pode ser um divisor de águas no Brasil, antes que o fascismo se instale de vez e nos leve nos seus braços para a autodestruição

Cid Gomes e a coragem de enfrentamento, por Daniel Gorte-Dalmoro, no Jornal GGN

As instituições estão funcionando normalmente. Ninguém na minha bolha fala um disparate desses. Já sobre a atitude do senador Cid Gomes, de enfrentar militares encapuzados fazendo motim, foi tratada em minha bolha, via de regra, como insanidade – os mesmos que anteontem reclamavam da “passividade bovina do brasileiro”. Esse pessoal precisa decidir: ou reclamamos que brasileiro não reage (o que é uma mentira, melhor seria dizer: não reage do jeito que queriam que reagisse) ou é maluco de reagir; ou estamos num período onde as instituições funcionam normalmente e não cabe medidas extremas, ou estamos num período extremo, no qual é preciso reações à altura.
Não sei se precisaria dizer minha posição: vivemos tempos temerosos, em que caminhamos para um nazi-fascismo revisitado com tecnologias ainda mais potentes que as do movimento original, e, logo, tempos extremos exigem medidas extremas, “amalucadas”; o que não podemos é seguir agindo normalmente, em brigas de egos na esquerda e discutindo alianças eleitorais, como se os únicos fascistas do Brasil fossem os Bolsonaros e seu entorno – e ignorando que nesse entorno há militares de alta patente com uma série de subordinados.
Convém ressaltar o contexto mais específico na qual se insere a atitude de Cid Gomes: uma greve dos policiais militares, ilegal por serem militares – até aí, a greve dos petroleiros, ainda que seja um direito constitucional, foi tida por ilegal pela nossa justiça (sic). A questão não deveria ser essa (conforme parte da esquerda tem posto), antes que não se trata apenas de uma greve, mas algo entre motim e a milícia, com militares que não mantém um mínimo do efetivo, se apresentam à sociedade encapuzados, armados e fazendo ameaças, inclusive a colegas que pretendiam trabalhar, ordenando comerciantes a fechar as portas – ou, em termos populares, impondo toque de recolher.
O ato de Cid Gomes foi extremo, e por seu desenrolar pode ser um divisor de águas no Brasil, antes que o fascismo se instale de vez e nos leve nos seus braços para a autodestruição que essa ideologia acaba por levar, pela sua própria dinâmica de necessidade de inimigos a combater e eliminar (petistas, comunistas, feministas, gays, mulheres, professores, políticos, militares que não coadunam com o que o mito diz, assim que forem eliminados será preciso criar novos inimigos). Claro, esse movimento foge da alçada do senador. Vai depender do governador do Estado, de outras lideranças políticas e sociais, da mídia, da mobilização popular. Vai depender de não aceitar a escolha de dois ou três bodes expiatórios entre os amotinados, nem com o simples afastamento do presidente, e atacar o fascismo onde ele aparece – no judiciário, no ministério público, na corporação militar, por exemplo, mas também em governadores que falam em mirar na cabecinha, que dizem que quem o policial não gostar e tachar de bandido vai direto pro cemitério.
É também um tapa na cara dessa esquerda que nos seus escritórios com ar condicionado (não raro em universidades) reclama da passividade do povo: primeiro porque nunca saem para a luta aberta, como fez Cid; segundo, porque se um senador da república, em um ato público, é alvejado dessa forma por policiais militares – um tiro de arma letal no lado esquerdo do peito -, imagina o que essa PM não faz com pretos periféricos? É fácil para certas pessoas cobrarem ativismo de uma população sempre sob a mira do fuzil, como se pessoas pretas devessem morrer em nome de um futuro melhor (o ressentido Mino Carta, a despeito de seus méritos jornalísticos, é, para mim, o melhor exemplo dessa esquerda esnobe, prepotente e descolada das pessoas mais sofridas).
Por fim, o ato de Cid reabilita os Gomes, e pode projetá-lo, junto com seu irmão, no cenário nacional (nisso eu me contradigo, fazendo uma análise política-eleitoral, como se vivêssemos tempos normais). Cid pode ser alçado a grande nome da luta antifascista no Brasil, alguém que “não foge à luta” (e essa hora me lembro de quando ele perdeu o cargo de ministro da educação, no governo Dilma, seu discurso no Congresso, onde ao invés de se baixar a cabeça, reafirmou o que havia dito antes), e vai além de conversas de bastidores – como o PT tem feito atualmente, mesmo com Lula solto e Haddad desimpedido desde sempre. O gesto o apresenta com a firmeza que certa porção da população (e do eleitorado) tem se mostrado carente, e que Bolsonaro soube explorar tão bem – e os mauricinhos leite com pera de extrema-direita, Doria Jr e Amôedo, tentam imitar -, sem descambar para desrespeito aos direitos humanos. Ao mesmo tempo, Ciro pode ganhar um álibi para seu retiro parisiense no segundo turno de 2018: com o fascismo instalado nas instituições, e a tibieza do PT num enfrentamento mais vigoroso, a derrota de Bolsonaro serviria apenas para enraizar o fascismo no país (para mim, a ficha caiu no “dia do fogo”, ano passado, de que Haddad, se ganhasse, seria um presidente fraco e a todo momento testado e a qualquer reação atacado de antidemocrático).
Num momento em que parte da elite se mostra desgostosa com o fascismo bolsonarista, a coragem de Cid Gomes e o atentado por parte da PM (que não pode ser comparado à muy suspeita facada em Bolsonaro-necessitado-de-quimioterapia, durante as eleições), podem ser um ponto crítico na vida nacional. Que consigamos nos organizar para reverter o quadro atual!
19 de fevereiro de 2020
PS: Quinta pela manhã noto que o bolsonarismo sentiu o golpe, ao direcionar seus robôs da internet para o #CidGomesPreso

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