quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Novo fascismo; conhecida velha política da direita, por Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, procurador do município de Fortaleza e integrante da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia)



Ressalta-se a complexidade do fascismo e sua capacidade de renovação e adequação às exigências dos tempos modernos.


 

Novo fascismo; conhecida política

por Martonio Mont’Alverne Barreto Lima


Grande parte dos estudos sobre o aparecimento do fascismo – sua ascensão e consolidação – inclinavam-se para compreendê-lo como um fenômeno da distorção da política, quase como um acidente que não teria como se repetir. Estes estudos são contemporâneos do fascismo italiano e das experiências que, de alguma forma, beberam nesta fonte italiana, como salazarismo e franquismo.

A partir da década de 1970, o fascismo começa a receber maior atenção para sua análise. É aqui que se compreende suas origens ainda no militarismo italiano da Primeira Guerra Mundial, na tentativa de recuperar para a pátria italiana todos os territórios, em especial aqueles ainda sob o domínio do velho Império Austro-Húngaro.
Ressalta-se a complexidade do fascismo e sua capacidade de renovação e adequação às exigências dos tempos modernos. Jornada de trabalho de 8 horas e extensão do voto às mulheres foram também bandeiras do fascismo. Tanto Mussolini, quanto integrantes primeiros dos fasci mais próximos, como Guiseppe Bottai e Alfredo Rocco, tinham passado nas lutas socialistas.

O fascismo encontra terreno fértil após a derrocada da democracia liberal que levou a Europa à guerra. Na tragédia, a incapacidade de o sistema liberal responder aos desafios mais elementares possibilitou que a irracionalidade de posições extremadas liquidasse a democracia, pela mesma via democrática. Em pouco mais de dois anos, o fascismo destruiu o sistema político italiano; destruição a se operar com base na luta contra a corrupção, contra a crise financeira e na desorganização institucional generalizada. Estes elementos surgiram mediados pelo apoio do setor militar da sociedade, o único que seria capaz de impor a ordem e restituir a grandeza da nação.
 
A marginalização de grupos sociais que se contrapunham ao projeto fascista consistiu num de seus principais apelos para expulsar da arena política adversários e inimigos. A violência contra sindicatos urbanos e rurais atraiu em favor do fascismo o apoio das classes sociais que enxergavam como inimigos estes sindicatos, partidos liberais, socialistas e comunistas. Não haveria como o fascismo ter sucesso sem a decisiva colaboração da maior parte da imprensa, da indústria e do capital financeiro: apesar de industriais estarem comprometidos em suas ações econômica e política com os bancos, não houve dúvida quanto a apoiar o fascismo praticamente desde seu início.

A erosão da democracia brasileira vive momentos que serão decisivos. Principalmente os partidos de esquerda e centro-esquerda logo terão diante de si o difícil desafio de mostrar-se como alternativas reais contra o atual governo. Este a ostentar de forma inequívoca elementos do fascismo europeu da primeira metade do século XX. O governo sustenta a falsa construção de que rompe com o debate democrático parlamentar, da política de concessões e diálogos com outras forças políticas, ao mesmo tempo em que negocia espaço a grupos aliados. Dissemina sua luta contra a corrupção, mas defende corruptos no seu governo e entre aliados e familiares. Recorre ao uso da violência contra adversários, não importando aqui se se trata da violência policial ou daquela paraestatal, com quem historicamente o chefe de governo e sua família convivem. O governo militariza sua ação política, com largos espaços ao setor militar na decisão política.

 Sem dúvida que este conjunto de fatores, somado ao que ocorre cotidianamente, não é bom presságio. Assim, como no começo do século XX, a destruição da democracia não seu da noite para o dia: apesar de ser um rápido processo, contou, antes de mais nada, com a incredulidade de lideranças intelectuais, econômicas, políticas e sociais que não queriam acreditar no que seus olhos mostravam, ou relativizaram o naufrágio iminente. Terminaram com uma conta histórica de genocídios, holocaustos e terror de que até hoje não nos recuperamos. A advertência, portanto, está clara como o sol, e diante de nós.

 Martonio Mont’Alverne Barreto Lima – Professor Titular da Universidade de Fortaleza, procurador do município de Fortaleza e integrante da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).


Nenhum comentário:

Postar um comentário