quarta-feira, 1 de abril de 2020

Como a sórdida, fascista, canalha, cínica e assassina Ditadura MILITAR brasileira sequestrou crianças e torturou famílias para obter delações... Artigo do UOL


  Presa aos 26 anos no DOI-Codi (centro de repressão do Exército) de São Paulo, Maria Amélia Teles relembra o dia em que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra pegou nas mãos de seus dois filhos --Edson Teles, à época com 5 anos, e Janaina, com 4-- e os levou até a sala onde ela estava sendo torturada, nua, suja de sangue, vômito e urina, na cadeira do dragão. Na mesma sala estava o marido e pai das crianças, César Teles, recém-saído do estado de coma decorrente de torturas no pau-de-arara. 

Do UOL:

Arte/UOL


Guilherme Balza
Do UOL, em São Paulo
31/03/2014 13h00

Na fase mais violenta da ditadura militar brasileira, quando não mais restavam técnicas de tortura para arrancar delações de suas vítimas, os torturadores recorriam a um último expediente: usar os filhos dos presos políticos, fossem eles crianças ou mesmo bebês, na última tentativa para obter informações. Ou então, torturava-se em família: pais, mães, filhos, irmãos sofrendo juntos os horrores do cárcere.
Presa aos 26 anos no DOI-Codi (centro de repressão do Exército) de São Paulo, Maria Amélia Teles relembra o dia em que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra pegou nas mãos de seus dois filhos --Edson Teles, à época com 5 anos, e Janaina, com 4-- e os levou até a sala onde ela estava sendo torturada, nua, suja de sangue, vômito e urina, na cadeira do dragão. Na mesma sala estava o marido e pai das crianças, César Teles, recém-saído do estado de coma decorrente de torturas no pau-de-arara. 
“Minha filha perguntava: ‘mãe, por que você ficou azul e o pai verde?’ Meu marido entrou em estado de coma e quando saiu estava esverdeado. E eu estava toda roxa, cheia de hematomas e ela viu a aquela cor roxa como azul. Meu filho até hoje lembra do momento em que eu falava 'Edson' e ele olhava para mim e não sabia que eu era a mãe dele. Estava desfigurada”, recorda Amelinha, como é conhecida.
Militantes do PCdoB, Amelinha e César foram presos juntos, em uma rua da Vila Clementino, na zona sul de São Paulo, e levados ao DOI-Codi, que funcionava na rua Tutóia, no bairro do Paraíso. “Eles gritavam: ‘você está na Oban (Operação Bandeirante). Sabe o que é a Oban? É o Paraíso no inferno. Fica no Paraíso, mas aqui é o inferno’.”
Tortura na infância e suicídio 
Um caso emblemático quando se trata de crianças torturadas na ditadura é o de Carlos Alexandre Azevedo, preso com os pais em 1974 quando tinha apenas um ano e oito meses.
Segundo seu pai, Dermi Azevedo, ele foi torturado nas dependências do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) de São Paulo, sofrendo lesões que permaneceram ao longo da vida. Ao longo da vida, Carlos Alexandre teve histórico de depressão e fobia social e acabou se suicidando em fevereiro do ano passado, ao ingerir grande quantidade de remédios.
Depois que os dois foram presos, os agentes da repressão dirigiram-se até a casa da família e sequestraram as duas crianças e a irmã de Amelinha, Criméia Almeida, grávida de oito meses de João Carlos Grabois (Joca Grabois), que foi torturado antes mesmo de nascer no cárcere: sua mãe levou choques elétricos na barriga. Enquanto Amelinha e o companheiro enfrentavam como podiam as sessões de tortura, Edson e Janaina foram trancados em quartos dentro do DOI-Codi de onde ouviam gritos dos torturados e se assustavam com uma campainha que anunciava a chegada de mais um preso. “Quando tive a oportunidade de morar com eles novamente, vi que tinham pavor de campainha. Saíam correndo para dentro do banheiro, debaixo da cama. Porque achavam que era um soldado que iria levá-los para torturar.”
A ameaça contra os filhos era constante, relembra Amelinha. “Houve momentos que eles falavam. ‘você viu sua filha hoje? Não viu porque ela vai ser morta. Você vai ver ela num caixãozinho. Você quer um caixãozinho branco? De que cor você quer?”
"Diziam que éramos filhos de terroristas" 
Adilson Oliveira Lucena, então com 8 anos de idade, tentava aprender as primeiras letras junto com a irmã gêmea Denise e a caçula Telma, de 3 anos, no dia 20 de fevereiro de 1970. O trio não podia frequentar a escola porque os pais viviam na clandestinidade. As aulas de alfabetização eram dadas pela mãe Damaris, maranhense e militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) assim como o pai Antônio Raymundo Lucena. 
Os tiros na parte externa da casa dos Lucena em Atibaia (SP) assustaram a mãe e os filhos, que se esconderam embaixo das camas. Com o fim dos disparos, Adilson correu para fora e viu o pai baleado. “Ele estava sem camisa, tinha recebido muitos impactos de bala. Entrei chorando dentro de casa. Depois saiu minha mãe com a Telma no braço e eu senti um tiro. Acho que deram o último tiro de misericórdia nele.”
O dia mais triste da vida da família também marcava o início de uma saga de perseguição, tortura e humilhação. Os três foram levados a uma delegacia policial no município, onde Damaris passou pelas primeiras torturas. “Fomos tratados como delinquentes. Tinha muita gente. A notícia correu a cidadezinha”, relembra Adilson, hoje professor de espanhol.
Adilson afirma que foi levado mais de uma vez até a casa em que viviam, ainda suja de sangue e toda bagunçada, para ser interrogado pelos agentes. “Pegaram uma bainha de facão do meu pai e me bateram. Disseram que já tinham feito isso com outras crianças. Chorei muito.” 
Os filhos foram tirados da mãe pelos agentes da repressão, que não conseguiam achar um novo lar para as crianças em orfanatos e instituições de caridade. “Ninguém queria ficar com a gente. Diziam que éramos filhos de terroristas”, conta Adilson, com os olhos marejados.
As crianças acabaram sendo levadas para uma instituição de menores na zona leste da capital, “praticamente uma prisão”, nas palavras de Adilson, que foi separado das irmãs. “Eram muitos maus-tratos, castigos. Não deixavam a gente ver televisão, desenhos animados. As portas tinham grades.” 
Após alguns dias, a viúva Damaris foi levada ao temido DOI-Codi de São Paulo, onde os filhos também estiveram. “Eles insinuaram que iriam torturar a gente na frente da minha mãe. Ela ficou louca. Tiveram que dar uma injeção para acalmá-la.”
A liberdade das crianças, da mãe e de outros militantes veio por meio do sequestro de um cônsul japonês Nobuo Okuchi pela VPR. A família exilou-se no México e depois em Cuba. Até hoje não se sabe o paradeiro do corpo do pai. “Em todas as culturas têm-se o direito de enterrar seus mortos. Isso é uma coisa que não conseguimos até hoje. Nós queremos recuperar essa coisa da família, talvez um último ato de enterrar seu ente querido.”
Tortura em família
O jornalista Ivan Seixas foi preso em São Paulo em 1971, aos 16, junto com o pai Joaquim Alencar Seixas. Ambos eram da linha de frente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), enquanto a mãe Fanny atuava no apoio da organização de luta armada. Pai e filho foram brutalmente torturados no DOI-Codi de São Paulo, com choques elétricos e espancamento na cadeira do dragão, para que entregassem companheiros. “Pareciam cachorros loucos. Me estraçalharam de porrada."
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