Os efeitos do aquecimento global são uma realidade e tendem a ser cada vez mais frequentem, mas políticas públicas corretas poderiam mitigá-los
Do Jornal GGN:
O número de gaúchos em abrigos dobrou em menos de 24 horas, de acordo com o boletim da Defesa Civil divulgado às 18h desta segunda-feira (6), em razão das fortes chuvas que atingem o estado desde o final de abril.
Até as 12h de segunda, 20.070 pessoas recorreram a abrigos para fugir de inundações. Seis horas mais tarde, o total de abrigados era de 47.676.
O órgão estadual informou ainda que o número de desalojados em todo o estado ultrapassou a marca de 153 mil, e que mais de um milhão de cidadãos foram afetados pelos temporais desde a última semana.
Para explicar as razões que levaram mais de 300 municípios do Rio Grande do Sul ao estado de calamidade, o programa TVGGN contou com a participação do professor doutor Rualdo Menegat, titular do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS.
Segundo Menegat, é plausível, sim, a justificativa de que tamanho caos é consequência da precipitação de 800 milímetros em quatro dias seja um dos fatores que explicam o estado de calamidade pública – volume que equivale a precipitação do outono inteiro.
Porém, o estado carece de serviços ecossistêmicos e, assim, em vez de a água se infiltrar no solo, ela corre pela superfície carregando argila e chega rapidamente aos cursos d’água.
“A questão central é que sim, por um lado temos a descarga d’água e por outro lado temos a questão da desestruturação dos serviços ecossistêmicos. É o rio natural que transporta a água, são as matas ribeiras que conseguem reter a água, que conseguem frear a velocidade das águas, são os balneários que funcionam como uma esponja, facilitando a infiltração da água. Esse conjunto vem sendo desestruturado por políticas públicas, políticas essas que têm tornado o Rio Grande do Sul um quintal da soja. Somos um quintal da China que produz soja”, aponta o doutor.
Rualdo Menegat comenta ainda que o agronegócio não está preocupado aos danos causados ao meio ambiente. Não há respeito do setor pela faixa mínima de proteção aos rios, o que deteriora o ecossistema, assim como o uso intensivo da monocultura para a produção de soja precariza o solo.
Existe, ainda, a conivência do setor público neste processo de deterioração ambiental. “Os planos diretores têm colocado as cidades praticamente à venda. Há especulação imobiliária sem limites. No caso do de Porto Alegre, inclusive, favorecendo a implantação de espigões exatamente na margem agora totalmente inundada do Lago Guaíba”, continua o entrevistado.
Gestores
Além da especulação imobiliária, os gaúchos têm de lidar ainda com o caos no estado graças às gestões de Eduardo Leite (PSDB) no estado e Sebastião Melo (MDB) na prefeitura de Porto Alegre. Em 2019, Leite alterou cerca de 500 artigos do Código Ambiental do Rio Grande do Sul.
“Hoje alguém que vai implantar uma plantação pode ele mesmo fazer o auto licenciamento ambiental. É inacreditável, do ponto de vista técnico, do ponto de vista da gestão territorial, porque obviamente não tem critérios. Isso vai levando a uma situação limite das configurações da paisagem e que agrava o ambiente”, continua Menegat.
Ainda que o aquecimento global e, consequentemente, as chuvas mais intensas sejam uma realidade, os efeitos dos elementos climáticos podem ser mitigados com políticas públicas corretas, segundo o professor doutor. Uma delas é a boa gestão do território.
Menegat ressalta ainda que ter uma infraestrutura estadual adequada para responder aos eventos climáticos, com a Defesa Civil equipada e munida de metodologias, é um ponto importante. “Ano passado foram definidas uma série de questões de melhoria da Defesa Civil, de implantação, e elas não tem ocorrido da forma necessária. No mínimo, o que podemos dizer é que estão atrasadas. Não houve dedicação, vontade política fundamental. E isso, claro, vai ter um preço em uma época em que a frequência dos eventos climáticos está anunciada no IPCC.”
Despreparo
Em 2023, o Rio Grande do Sul foi atingido por um grande volume de chuvas três vezes entre junho e novembro. Mas, em vez de aumentar o orçamento para a Defesa Civil, o orçamento da pasta foi reduzido pela metade e contou com apenas R$ 50 mil em 2024 para responder a emergências.
O doutor afirma ainda que o Rio Grande do Sul carece de inteligência de estado para responder aos eventos climáticos cada vez mais frequentes. “Eduardo Leite afirma que ninguém esperava uma precipitação de 800mm. Até pode ser verdade. Mas esperava uma de 500mm.”
Assim, o estado precisa investir em uma estrutura capaz de oferecer o mínimo aos cidadãos, como a garantia do funcionamento de hospitais e orientação sobre como proceder em caso de chuvas fortes e onde os cidadãos podem se abrigar com segurança.
Caso contrário, os gaúchos seguirão enfrentando situações que beiram o limite do caos e do sofrimento humano. “Há cerca de 200 mil desabrigados. Crianças que se separaram dos pais, números que dão conta de mais de 200 crianças nessa situação. Desabastecimento de água e energia elétrica, avisos errôneos de evacuação de rompimento de diques que não se verificam”, critica o entrevistado.
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