terça-feira, 7 de abril de 2020

Crimes Contra a Saúde Pública em Tempos de Quarentena, por Talita Ferreira de Brito dos Reis



Não é incomum que notícias jornalísticas cometam certos equívocos ao usarem vocabulários jurídicos, o que me instigou a escrever o presente artigo, tendo em vista a seriedade do tema, que é o cometimento de crimes contra a saúde pública em tempos de pandemia.

Do Justificando:


Crimes Contra a Saúde Pública em Tempos de Quarentena

 Sexta-feira, 3 de abril de 2020

Crimes Contra a Saúde Pública em Tempos de Quarentena


Por Talita Ferreira de Brito dos Reis

O Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, no dia 30.03.20, concedeu uma entrevista ao MGTV, em que abordou questões acerca das medidas tomadas pela cidade de Belo Horizonte no combate à COVID-19. No entanto, foi veiculada como manchete de um jornal local que “o prefeito afirmou que estuda endurecer o isolamento e criminalizar quem desobedecer as medidas definidas pela prefeitura”. Não é incomum que notícias jornalísticas cometam certos equívocos ao usarem vocabulários jurídicos, o que me instigou a escrever o presente artigo, tendo em vista a seriedade do tema, que é o cometimento de crimes contra a saúde pública em tempos de pandemia.


Assim sendo, a primeira questão que me veio foi: “pode um prefeito criminalizar alguma conduta?”. A resposta que me vem à cabeça é que não, tendo em vista o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, em que se prescreve que é competência privativa da União legislar sobre algumas matérias, dentre elas Direito Penal e Processo Penal. Todavia, no mesmo artigo, em seu parágrafo único, a Constituição autoriza que Lei Complementar Federal atribua a competência de legislar sobre essas matérias aos Estados-Membros, em relação a questões específicas de interesse local. Dessa forma, nenhum Prefeito poderia tornar crime qualquer conduta que seja. 

Contudo, outra dúvida que pode surgir é relativa ao artigo 330, do Código Penal, em que se lê que é crime de desobediência “desobedecer a ordem legal de funcionário público”. Ora, caso o Prefeito baixe um decreto que seja descumprido, se enquadraria na hipótese de criminalização de uma conduta? Não, pois a conduta de desobediência já é crime, o que pode variar é ordem legalmente fundamentada. 
Mais especificamente quanto ao cenário pandêmico que estamos enfrentando, há também o artigo 268, do Código Penal, em que há a descrição da infração de medida sanitária preventiva, que aconteceria quando se infringe “determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. A diferença entre a configuração do crime de desobediência e de infração de medida sanitária preventiva está na especificidade que motiva o ato do poder público. Enquanto no caso do artigo 330, esse ato possa ter qualquer natureza, desde que legalmente fundamentada, em relação ao artigo 268 é necessário que o ato tenha o intuito de impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa, como é o caso da COVID-19. Mais uma vez, há uma variante que é seria a determinação do poder público, mas nesse caso é especificamente motivado.

Em uma situação ainda mais grave, é possível que pessoas sejam indiciadas pelo crime descrito no artigo 267, do Código Penal, por causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos. A pena mínima para esse crime de epidemia é de dez anos, e a máxima é de quinze anos, enquanto nos crimes de desobediência e de infração de medida sanitária preventiva a pena máxima não ultrapasse um ano. Isso se dá em razão do dolo em sabidamente propagar uma doença, sendo que poderá chegar a 30 anos a pena caso haja a morte do(s) ofendido(s).

Todas essas possibilidades de cometimento de crimes que ofendam a saúde pública, ainda mais nesse momento tão delicado, são bastante graves. Estamos passando por uma situação global muito crítica, e qualquer descuido pode ser irremediável. Por essa razão, há de se salientar que crimes estão sendo cometidos por aqueles que não levam a sério a magnitude do contexto histórico que vivemos. A opção de ficar em casa ou não, não é facultada a todos. Muitas são as realidades das pessoas que vivem em nosso País, mas aquelas que puderem, deverão fazê-lo, assim como todos os entes federados devem prestar suporte à população para que a situação não seja catastrófica ao ponto de nossas vidas nunca mais serem as mesmas. Conscientizem-se! É mais fácil sentir saudades dos amigos e familiares por algum tempo, do que para sempre.


Talita Ferreira de Brito dos Reis é Graduada em Direito, na modalidade Integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

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