domingo, 26 de julho de 2015

Ecossocialismo ou barbárie: uma entrevista com Leonardo Boff


       "Devemos ser realistas. O modo de produção imperante é o capitalismo globalizado sempre predador, mas mais virulento nos países mais fracos. Por enquanto não há uma alternativa viável. O que se propõe são ainda projetos sendo elaborados do tipo ecossocialismo, democracia econômica, o ‘bien vivir’ andino e outros. O certo é que este sistema dominante, devido aos limites da Terra e do esgotamento dos bens e serviços naturais, não consegue mais se reproduzir. Tocou no teto de seu projeto histórico. Todos seremos forçados a buscar outra forma de garantir o substrato de todo tipo de vida, não apenas humana, como também de qualquer comunidade. Esse novo se encontra na economia solidária, na agroecologia e nas formas que tem como centro a vida: a natureza da Terra e da humanidade. De todos os modos, teremos que viver uma sobriedade compartida e aprender a ser mais com menos."


Por Ricardo Bellissimo* - extraído do São Paulo Review
Após doutorar-se em Teologia e Filosofia pela Universidade de Munique, nos anos 70, o ecoteólogo Leonardo Boff retornou ao Brasil e ajudou a consolidar a Teologia da Libertação – corrente cristã apartidária, nascida na América Latina, e que interpreta os ensinamentos de Cristo como opção preferencial pelos pobres, a fim libertá-los das injustas condições econômicas, políticas ou sociais, com o respaldo ainda de profundos estudos advindo por meio das ciências humanas.
Teve inclusive, por isso, um de seus livros censurados, A igreja: carisma e poder (Editora Vozes, 1984), ao questionar justamente a hierarquia dogmática da doutrina Católica, o que, de quebra, rendeu-lhe um processo junto à Congregação para a Doutrina da Fé, dirigida pelo então cardeal Joseph Ratzinger, que depois se tornaria o papa Bento XVI. A sentença final, proferida em 1985, condenou Boff a um ano de silêncio, após perder sua cátedra e funções editoriais dentro da própria Igreja.
Autor de mais de 80 livros em vários campos das ciências humanas, tornou-se, em 1993, professor emérito de Ética e Filosofia da Religião, com aprofundamentos ecológicos, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É também colunista do Jornal do Brasil online.
Participou ainda da redação da Carta da Terra, por meio da qual auxiliou o papa Francisco a escrever a encíclica ecológica, em que detecta a raiz humana da crise ecológica.
Nesta entrevista a São Paulo Review, Boff fala do perigoso crescimento da bancada evangélica no Congresso, os descaminhos do PT, as ideias e soluções tributárias do economista francês Thomas Piketty, o poder cego das grandes mídias, entre muitos outros assuntos.
Recentemente, no 9º Encontro Nacional Fé e Política realizado no campus da UCB (Universidade Católica de Brasília), Frei Beto declarou que a bancada evangélica encastelada no Congresso é o mesmo Ovo da Serpente que, na década de 30, acabou gerando o nazismo. Ele ainda disse que é preciso abrir o olho porque está sendo chocado, no Brasil, o poder fundamentalista de confessionalização da política. O que pensa a respeito dessas declarações? 
Frei Betto tem razão. O confessionalismo na política é antidemocrático. A democracia supõe que todos são iguais perante a lei, todos têm direito de participar (ser cidadão) e ser pluralista, quer dizer, respeitar as opiniões diferentes sem impô-las e conviver com as diferenças. A bancada evangélica quer impor a todo o Brasil sua visão de moral e de família. Assim ela se situa fora do arco da democracia e abre caminho para o fascismo como ocorreu na Itália e na Alemanha.
E como vê esse fenômeno crescente da bancada evangélica no Congresso? E a concessão de tantos canais televisivos agora em posse desse grupo que não tem por hábito respeitar o hábito dos outros? Isto é mais um desserviço social à Democracia brasileira?
 O que as igrejas evangélicas de mercado fazem é desrespeitar a democracia, porque não toleram quem pensa diferente delas e até chegam a satanizar os opositores. Os pastores mediáticos precisam de um banho de democracia; caso contrário aplicar as leis que protegem a democracia contra os seus destruidores que são eles, entre outros.
Certa vez o senhor declarou que, se o PT não tivesse jogado a sua garantia de governabilidade nos braços do mercado e do Congresso, e se tivesse promovido a reforma agrária de modo a tornar o Brasil menos dependente da exportação de commodities e favorecido mais o mercado interno, isso poderia evitar que forças conservadoras voltassem a ocupar o Planalto. Acredita que essas forças alguma vez deixaram de sobrevoar as nossas diretrizes políticas? E crê, ainda, que o PT pode resgatar a credibilidade que um dia o consagrou em seus primórdios?
 A classe política brasileira é conservadora e sempre foi. É herdeira do colonialismo e do escravagismo. Esta carga sombria criou as profundas desigualdades sociais que significam injustiça social. A bandeira maior do PT era diminuir o fosso da desigualdade. Conseguiu em parte, pois incluiu cerca de 40 milhões na sociedade organizada. E faria isso dentro de uma ética de transparência e de combate à corrupção. Infelizmente, lideranças do PT traíram a bandeira da anticorrupção e se deixaram cooptar pelas vantagens do poder e se corromperam. Não tiveram o vigor ético para enfrentar a tentação do poder que tudo facilita. Violaram a ética porque se descolaram do povo e dos movimento sociais. Estes têm uma grande função educativa, pois mantém os políticos em contato direto com a realidade dura do povo e aí nasce a solidariedade e o compromisso de lutar para superar a pobreza. Faltando essa conexão orgânica, o passo para o ilegalidade e a corrupção se torna praticamente inevitável, dada a força sedutora do poder.
O que pensa a respeito das ideias do economista francês Thomas Piketty em relação à reforma tributária que ele vem recomendando em suas palestras mundo afora, priorizando a produção e não a especulação. Seria esta a única saída para a enrascada que o próprio capitalismo criou para si, com países cada vez mais endividados e a população sofrendo cortes bruscos em seus benefícios sociais?
Concordo com Piketty que o desenvolvimento não se deriva do consumo, mas da produção que permite o consumo. Só o consumo faz avançar os benesses dos consumidores, mas estes têm limites que apenas a produção continuada e sustentável pode garantir. Apoio Piketty quando afirma que as grandes fortunas e as heranças sejam taxadas para diminuir a desigualdade social. Penso que é errôneo colocar o peso maior da recuperação econômica nas costas dos assalariados e pensionistas e muito pouco dos produtores e principalmente do sistema bancário. Isso apenas mostra a perversidade do capital que sempre se sobrepõe ao trabalho.
Diante do espectro político-ideológico concentrada atualmente no Congresso Nacional, é possível vislumbrar algum outro paradigma econômico no Brasil que fuja à submissão de um capitalismo predatório que há tempos não respeita o meio ambiente, muito menos os mais desfavorecidos 
Devemos ser realistas. O modo de produção imperante é o capitalismo globalizado sempre predador, mas mais virulento nos países mais fracos. Por enquanto não há uma alternativa viável. O que se propõe são ainda projetos sendo elaborados do tipo ecossocialismo, democracia econômica, o ‘bien vivir’ andino e outros. O certo é que este sistema dominante, devido aos limites da Terra e do esgotamento dos bens e serviços naturais, não consegue mais se reproduzir. Tocou no teto de seu projeto histórico. Todos seremos forçados a buscar outra forma de garantir o substrato de todo tipo de vida, não apenas humana, como também de qualquer comunidade. Esse novo se encontra na economia solidária, na agroecologia e nas formas que tem como centro a vida: a natureza da Terra e da humanidade. De todos os modos, teremos que viver uma sobriedade compartida e aprender a ser mais com menos.
O legado de Mujica, ex-presidente do Uruguai, com a seriedade e honestidade de seus projetos sociais continua sendo uma exceção na América Latina, e possivelmente até do mundo. Acredita que a personalidade simplista de Pepe Mujica, sobretudo o seu lado anticonsumista, vai ser aos poucos apagadas da memória da História por contrariar tantos interesses reinantes em um mundo cada vez mais globalizado pelo consumo? 
 Quem vai ficar na história é ele e não os multibilionários. Estes não têm nada a oferecer à humanidade. Mujica mostra, na prática, que podemos viver em harmonia com a natureza, tirar dela apenas o que precisamos para viver com decência e ter uma simplicidade voluntária que lhe permite dizer: ‘eu não sou pobre, porque tenho tudo o que preciso; pobre é aquele que está excluído da comunidade’. Esse era o ideal de S. Francisco e é também aquele do Papa Francisco, como pode se ver em sua encíclica sobre ‘O Cuidado da Casa Comum’. Para triunfar, este modo de ser precisa transformar-se em cultura generalizada, senão permanece como um ideal de poucos. E, esta, é uma tarefa gigantesca.
A ideologia pregada pela teoria do cientista-político nipo-americano Francis Fukuyama, em 1989, em que já defendia o Fim da História ao enlevar o triunfo do capitalismo em detrimento a qualquer outra forma de organização econômica e sócio-política voltou à pauta quando, recentemente, ele afirmou que suas previsões sempre estiveram corretas. Isso seria mais uma forma de fundamentalismo teórico que tenta vender suas ideias como verdades únicas e inquestionáveis? 
O que Fukuyama disse é um embuste. O capitalismo está em franco ocaso. Ele tem uma tendência suicidária pois é cruel e sem piedade. Da mesma forma que sacrifica a Grécia à miséria e ao colapso, pode fazer o mesmo com todo o sistema da vida e da Terra. Foi por causa de sua destrutividade que vários cientistas anunciaram a nova era geológica – o antropoceno – , quer dizer, o grande meteoro ameaçador da vida do planeta é o ser humano insensível, cínico e obsessionado em acumular mais e mais. A Terra não aguenta tanta violência. Ela mesma poderá nos eliminar pois, dessa forma, não merecemos estar sobre o seu solo.
O senhor sempre considerou o capitalismo como um sistema, por excelência, muito competitivo e pouco cooperativo. Algo mudou nos dias de hoje ou continua observando todo esse mesmo imbróglio se repetir? 
A competição é a alma do capitalismo, ou como o disse ainda Paulo VI: ‘o motor que move todo o sistema’. Sua dinâmica é a acumulação ilimitada. Quanto menos concorrentes têm pela frente, mais realiza a sua natureza. Por isso ele é contra a lógica do universo, cuja lei básica é a cooperação de todos com todos para que assim todos possam subsistir, inclusive os mais débeis. Ele é antivida e, de certa forma, uma sistema assassino pois explora todas as potencialidades do ser humano, da natureza e da Terra em benefício da acumulação privada sem se importar com os custos humanos e ecológicos que isso comporta.
Como vê a atuação da mídia brasileira no plano político e cultural? Acredita que há alguma independência nos bastidores da grande mídia ou essa independência está, hoje, restrita apenas a sites e blogs desvinculados das grandes corporações?
 A mídia é uma das grandes armas dos sistemas dominantes. Por ela conseguem criar certa homogeneidade de visões de mundo, de valores e de crenças. Por trás da mídia se escondem grandes interesses econômico-financeiros, pois há sempre uma aliança entre o poder real do dinheiro e da força com a ideologia que justifica tal situação. Somente pequenos veículos de informação possuem a liberdade suficiente de manter a sua verdadeira autonomia. Mas o conseguem com grandes sacrifícios. As mídias sociais se prestam tanto para a legitimação do status quo dominante, como também para incentivar e organizar protestos além de apresentar novas alternativas. Mas estas últimas são incomparavelmente mais débeis que as ideias dominantes. Nunca foi tão verdadeira a frase de Marx: ‘as ideias dominantes de uma época são aquelas vindas das classes dominantes’.
A ética parece continuar trilhando um caminho bastante obscuro no Brasil, sobretudo ao persistir – só para citar um exemplo – em sua notória desvalorização do salário de um professor, agente social este que seria justamente de importância indiscutível na disseminação da ética em uma democracia. A partir dessa constatação é possível afirmar que sofremos, antes de tudo, uma crise de ética? 
Na cultura do capital predomina a ética do interesse e da acumulação material de bens. Por isso não há propriamente ética na cultura capitalista. Há o respeito a regras e normas para que a máquina da dominação funcione, porém só o consegue  à custa da criação de um mundo de vítimas, de marginalizados, da devastação da natureza e da degradação da qualidade humana da vida. O capitalismo em si é antivida e antivalores humanitários. Um banqueiro goza muito mais prestígio que um professor universitário, da mesma forma que um técnico em computação é mais respeitado do que um professor, um escritor, um poeta ou um santo.
Por outro lado, mesmo em países em que o professor ganha um salário razoável, condizente à importância de sua função, observamos ocorrências crescentes de intolerância e xenofobia, contrárias portanto a qualquer princípio ético. Nesses termos, o homem é fatidicamente o lobo dele mesmo? 
Todos somos seres sapientes e simultaneamente dementes. Esse dado não é um defeito, é apenas o nosso modo de ser. Somos a convergência das contradições: podemos ser um Dom Helder Câmara ou um Pinochet, um Dalai Lama ou um Hitler. Tudo isso está dentro das possibilidades humanas de cada um. A cultura, a religião e a ética foram instrumentos que criamos para equilibrar estas energias dentro de nós, construtivas de um lado e destrutivas do outro. A busca é sempre criar condições para que a sapiência, ou se quiser, a dimensão de luz e do simbólico prevaleça sobre a dimensão de sombra e do diabólico. A equação nunca se fecha, por isso há tanta violência e guerras entre os seres humanos. O fundamentalismo e a intolerância são manifestações contemporâneas desta contradição viva que é o ser humano. São formas patológicas, mas que remetem sempre à saúde, quer dizer, à aceitação do diferente e a convivência com pensamentos ainda que opostos.
Acredita que o papa Francisco seja um marco para uma possível mudança dogmática da Igreja Católica, ou o conservadorismo milenar desta Instituição continuará sempre dando as suas cartas? Ou, ainda, a eleição de um papa progressista como Francisco, sobretudo em contraste ao conservadorismo bruto de Ratzinger, não seria o resultado de uma perda cada vez maior de fiéis para outros credos? 
O Papa Francisco não está preocupado com dogmas nem com doutrinas, mas com a capacidade de encontro dos seres humanos entre si e com o Deus vivo que se revela em todos os povos e em todas as coisas. O destinatário de seus discursos não são sequer os cristãos, mas os seres humanos, principalmente os mais pobres e invisíveis. Haja vista a encíclica sobre o “Cuidado da Casa Comum” que é dirigida a todos os habitantes da Casa Comum. Quis que um não crente, Carlo Petrini, o fundador do Slow Food, fizesse um longo guia de leitura introdutório à encíclica.
Certa vez o senhor também declarou que o intelectual pensa a sociedade a partir de um horizonte de utopia, e que por isso toma a liberdade de dizer o que pensa sobre as relações de poder, e a partir dessa ideal ele então estaria apto para julgar a sociedade. Em sua opinião, como vê o papel do filósofo hoje em dia, sobretudo em tempos de palestras financiadas pelos grandes cartéis empresariais? 
O filósofo é um solitário mesmo estando no meio de muita gente. Sua missão não é acumular saber e mais saber, mas pensar o que sabemos. Hoje sabemos muito, mas quase não pensamos naquilo que de fato sabemos. Que tipo de mensagens a realidade nos quer comunicar, quais revelações do Ser nos é transmitida na pletora dos entes que mais e mais criamos? Ele não deixa morrer as questões perenes: qual o nosso lugar no conjunto dos seres? Por que estamos aqui neste planeta? Como devemos nos comportar para estar em harmonia com o próprio coração e com o pulsar do universo? Que podemos esperar depois de nossa passagem por este planeta? O filósofo toma e retoma sempre essas questões e nunca chega ao fim com uma resposta pronta. O que é superficial pode ser dito com facilidade. O essencial só se entrega a quem cultiva a santidade do pensamento, é a pureza da mente que se interroga. A partir desta posição, o filósofo capta as tendências da realidade e pode dizer, com temor, alguma palavra sobre o sentido das coisas e sobre o rumo que estamos seguindo.
Iniciou-se há pouco tempo em alguns países, e também mais timidamente ainda no Brasil, o projeto de hortas comunitárias. Tem acompanhado esse processo? Essa seria uma boa saída contra o império agroindustrial que aloca campos imensos para o cultivo de produtos transgênicos? E o que pensa a respeito desse tipo de tecnologia agrária? É mais um caso típico que veio para reinar no mundo do lucro a qualquer custo? 
Estamos cansados de produtos fabricados e artificializados. Sentimos o chamado das raízes terrenais, da natureza em sua mais profunda nudez: uma realidade sem interpretações e manipulações. A modernidade nos fez esquecer que somos parte da natureza, restando a muitos apenas a eterna submissão comandada pelos donos das terra. Só que somos Terra que sente, que pensa, que ama, que cuida e que venera. Esses são os chamados mais originários de nossa ancestralidade e de nosso mais profundo ser. É preciso novamente reencontrar o alimento em sua pureza, cultivá-lo como forma de amor à Terra e de comunhão com as energias universais, tal como vem ocorrendo com esse fenômeno das hortas comunitárias e da agroecologia. Portanto, parece claro que comer não é simplesmente nutrir-se, mas entrar em comunhão com a generosidade da mãe Terra e viver a comensalidade entre os humanos. Este, afinal, é o ancestral sonho de todas as culturas.
Como andam hoje os seus planos com a Teologia da Libertação? 
A Teologia da Libertação, por causa da questão ecológica que muito tem a ver com a sobrevivência da espécie e a continuidade de nossa civilização, começou já há anos um sério diálogo com as ciências da vida e da Terra. Que pode ainda ser compreendia pelo termo a nova cosmologia. Eu mesmo me dedico a isso há muitos anos. O fruto desta diligência foi o livro O Tao da libertação: explorando a ecologia da transformação (Editora Vozes) escrito em parceria com um cosmólogo norte-americano Mark Hathaway. O livro ganhou em 2010 a medalha de ouro pela prestigiosa instituição Nautilus em Nova Ciência e Cosmologia. Assumindo o novo paradigma ecológico é mais fácil fazer teologia e entender o atual estágio em que nos encontramos.
Para finalizar, esta é uma pergunta que, por princípio e respeito à educação nacional, a SPR faz a todo entrevistado, já que nos importa saber o que pessoas ligadas à área política e cultural pensam sobre o tema. Como pensaria, portanto, em um programa pedagógico realmente efetivo para se incentivar a leitura nas escolas brasileiras, sobretudo para que ela não se torne uma obrigação tediosa?
 Não tenho ideias claras a respeito deste tema. Mas penso que incentivamos a leitura nos estudantes se primeiro os encantarmos com a realidade, suscitarmos neles angústias existenciais, aquela tipo de angústia que nenhum psicanalista pode curar, pois pertence à essência do ser humano. E, por isso, obriga-o a conversar, a se informar e a estudar para tirar a limpo quaisquer indagações suas que então sejam questionadas e auferidas. Levar o estudante a consultar a maior biblioteca que existe – muito maior que aquela do Congresso norte-americano ou do Vaticano – que é, enfim, a sua própria cabeça. Que consulte portanto a sua cabeça, escarafunchando as ideias que ali se escondem, que tipo de sonhos a povoam, que ideais e anseios a habitam. Que não tenha, sobretudo, medo de dizer o que pensa, o que sente, e que principalmente aprenda a escutar. Basicamente, é realizar e entender a fundo aquilo Hannah Arendt disse: ‘podemos nos instruir a vida inteira sem nunca nos educar’. Para tanto, o desafio é ensinar a se autoeducar, criar uma identidade própria com todas as coisas que possa ler e encontrar e trocar. O decisivo não é saber. O decisivo é nunca perder a capacidade de aprender. A vida inteira e sempre.
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Ricardo Bellissimo é escritor, jornalista e historiador, autor de Sufoco e Negro amor, entre outros

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