domingo, 17 de fevereiro de 2019

PRERROGATIVAS DA ADVOCACIA E O PROJETO “ANTICRIME” de Moro



Texto de Leonardo Isaa Yarochwsky, advogado criminalista e doutor em ciências Penais pela UFMG, no site jurídico Empório do Direito




Diante de uma grave crise do sistema penitenciário, o ex-ministro da Justiça e hoje Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, defendeu que a visita de advogados de chefes de facções criminosas a presídios fosse monitorada, inclusive por meio de gravações.[1]
Agora, é a vez do ex-juiz Federal e atual ministro da Justiça, em projeto estranhamente, denominado “anticrime”, propor - dentre as “medidas para alterar o regime jurídico dos presídios federais[2] - “as gravações de atendimentos de advogados...” (art.3º, § 5º).
Ainda que as ditas gravações sejam precedidas de autorização judicial fundamentada, como previsto no projeto, ainda assim, é inadmissível.
O fato de alguns "criminosos" travestidos de advogados se valerem das prerrogativas consagradas na Constituição da República e no Estatuto da Advocacia para praticarem crimes ou de algum modo concorrerem para que outros os pratiquem não dá direito ao Estado de violar e cercear direitos consagrados na Lei Maior.
O monitoramento dos meios de comunicação entre cliente e advogado não encontra respaldo algum no Estado democrático de direito, nem mesmo em nome da cega obsessão da luta contra o crime.
O advogado, segundo a Constituição da República, é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. (art. 133 da CR).
Por seu turno, o Estatuto da OAB dispõe que:
Art. 7º São direitos do advogado:
............................................................................................................................................
III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
A advocacia salienta José Afonso da Silva, “não é apenas uma profissão, é também um múnus (...). O advogado, servidor ou auxiliar da Justiça, é um dos elementos da administração democrática da Justiça. Por isso, sempre mereceu o ódio e a ameaça dos poderosos”.[3]
Em relação à inviolabilidade do advogado, o eminente constitucionalista assevera que “equivoca-se quem pense que a inviolabilidade é privilégio do profissional. Na verdade, é uma proteção do cliente que confia a ele documentos e confissões da esfera íntima, de natureza conflitiva e, não raro, objeto de reivindicação e até de agressiva cobiça alheia, que precisam ser resguardados e protegidos de maneira qualificada”.[4]
Necessário martelar que, quando um advogado é assaltado nos seus direitos e prerrogativas, notadamente, como defensor da liberdade do imputado, é a democracia que sai ferida.
Como já dito alhures, “Prerrogativas não são privilégios. São direitos assegurados em lei para garantir o direito de defesa do cidadão”.
O pacote “anticrime” proposto pelo Ministro da Justiça Sergio Moro se baseia em uma política criminal (ou policial) tosca, que parte da fórmula equivocada e superada de que o recrudescimento da pena, a criação de novos tipos penais, a mitigação de direitos e garantias e o endurecimento da execução penal, levarão à redução da violência e da criminalidade.
Além de tudo, trata-se de um projeto eivado de inconstitucionalidade que, como não bastasse, afronta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
A sociedade que amiúde aplaude as citadas medidas, tão espetaculares quanto abusivas, precisa entender que em um Estado de direito, os fins jamais podem justificar os meios, sobretudo, se estes meios afrontam direitos fundamentais, no dizer do Ministro Gilmar Mendes,  aqueles que “asseguram a esfera de liberdade individual contra interferências ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo ou, mesmo, do Judiciário”.


Notas e Referências
[2] Lei 11.671, de 8 de maio de 2008.
[3] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 22ª ed. , 2003, p. 580.
[4] Op. cit. p. 581.


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