quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Operação Carbono Oculto: A expansão do esquema financeiro do PCC, envolvendo políticos de direita e empresários da Faria Lima, de São Paulo para o Piauí

 O aprofundamento da apuração revelou uma conexão direta entre empresários locais e o grupo de operadores financeiros de São Paulo que já estavam na mira da Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto pela Polícia Federal e o Ministério Público de São Paulo contra um esquema bilionário de lavagem de dinheiro ligado ao PCC.

Do ICL:

Carbono Oculto: A expansão do esquema financeiro do PCC de São Paulo para o Piauí

Pima Energia foi aberta em um endereço em São Paulo, apenas seis dias antes de comprar a rede de postos HD


Por  Flávio VM Costa e Alice Maciel

Material apreendido pela Polícia Civil do Piauí durante a Operação Carbono Oculto 86 levanta  suspeita de que a distribuidora paulista Aster Petróleo, acusada de integrar o esquema de lavagem de dinheiro do PCC, controlava a rede de postos de combustíveis piauiense HD. Durante as buscas realizadas em endereços da companhia em Teresina (PI), na semana passada, os agentes também encontraram um papel com a descrição de uma fórmula de adulteração de gasolina semelhante à utilizada em São Paulo. O ICL Notícias teve acesso ao teor do documento.

Os autos do inquérito policial obtidos pela reportagem revelam ainda que além da Aster Petróleo, outras cinco empresas ligadas à dupla acusada de comandar o braço financeiro do PCC – Roberto Augusto Leme da Silva, o “Beto Louco”, e Mohamad Hussein Mourad, o “Primo” – passaram a atuar no Piauí desde 2023. Ambos estão foragidos da Justiça. Entramos em contato com a defesa dos dois, mas não obtivemos retorno.

A investigação teve início após a venda suspeita da rede de postos HD, que chamou atenção da Polícia Civil piauiense devido a “inconsistências patrimoniais, alterações societárias simultâneas e a criação de empresas com endereço na Avenida Paulista (SP), sem lastro econômico compatível com o volume de negócios”.

Agentes também encontraram um papel com a descrição de uma fórmula de adulteração de gasolina semelhante à utilizada em São Paulo

O aprofundamento da apuração revelou uma conexão direta entre empresários locais e o grupo de operadores financeiros de São Paulo que já estavam na mira da Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto pela Polícia Federal e o Ministério Público de São Paulo contra um esquema bilionário de lavagem de dinheiro ligado ao PCC.

A Polícia Civil do Piauí identificou modus operandi parecido ao descrito na operação paulista: aquisição de postos por empresas de fachada, substituição de bandeira comercial sem alterações operacionais reais, criação de fundos e holdings para mascarar os beneficiários finais, movimentação financeira atípica via fintechs e contas interligadas, adulteração de combustíveis e emissão de notas fiscais sobrepostas.

Por ser um desdobramento da operação Carbono Oculto, a investigação piauiense foi batizada com mesmo nome, mas com acréscimo do número 86, referente ao DDD do estado. A Justiça autorizou o compartilhamento de provas entre as duas operações.

“O presente procedimento investigativo com o esquema de atuação do Primeiro Comando da Capital no mercado de combustíveis, exposto pela Operação Carbono Oculto, conclui-se pela existência de fundados indícios de que a rede de postos em questão vem sendo instrumentalizada para a execução regional da mesma dinâmica criminosa”, lê-se na decisão judicial que autorizou os mandados de busca e apreensão no Piauí, Maranhão e Tocantins.

Conforme revelou o ICL Notícias, a Operação Carbono Oculto 86 atingiu o ex-assessor, aliado político e compadre do senador Ciro Nogueira (PP/PI), Victor Linhares, que recebeu R$ 230 mil de um dos donos da rede de Postos HD. Mostramos ainda que a incorporadora do senador, a Ciro Nogueira Agropecuária e Imóveis, recebeu R$ 63,9 mil de uma empresa investigada e que a firma do irmão de Ciro Nogueira dividiu endereço com um dos postos suspeitos de integrar o esquema de lavagem de dinheiro.

Victor Linhares é homem de confiança do senador Ciro Nogueira

O ICL Notícias também publicou, em setembro, uma entrevista exclusiva com o ex-piloto da companhia Táxi Aéreo Piracicaba, Mauro Matosinhos, em que ele afirmou ter transportado em voo uma sacola de papelão que aparentava conter dinheiro vivo, na mesma data em que Beto Louco mencionou a outros passageiros que teria um encontro com o senador Ciro Nogueira.

O senador foi procurado, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre as possíveis conexões entre ele, seu ex-assessor e empresas investigadas na Operação Carbono Oculto 86. Linhares não retornou às tentativas de contato do ICL Notícias e não conseguimos contato com Raimundo Nogueira, irmão de Ciro Nogueira.

Mohamad Hussein Mourad, o “Primo”, e Roberto Leme, o Beto Louco

Ordens de SP e notas fiscais suspeitas

Uma conversa de Whatsapp retirada de um celular apreendido pela Polícia Civil do Piauí mostra um funcionário da Aster Petróleo dando ordens para Moisés Eduardo Soares Pereira, da rede de postos piauiense HD.

“Gu, tem um inspetor de qualidade da CIA Ipiranga no HD 10, querendo fazer análise do produto. Nossas compras foram em outras Cias. Autoriza fazer análise?” perguntou Pereira a um contato da Aster Petróleo.  “Não deixa”, respondeu o interlocutor. “Diz que não está autorizado”, acrescentou.

A Aster comercializa combustíveis fabricados pela Copape Produtos de Petróleo. O grupo Copape/Aster, ligado a Beto Louco e Primo, foi alvo da Operação Carbono Oculto, deflagrada em São Paulo. A Polícia Civil do Piauí identificou que a rede de postos HD emitiu notas fiscais para a Copape, evidenciando movimentações comerciais entre as empresas.

Além disso, foram emitidas 504 notas fiscais pela Duvale Distribuidora, também vinculada ao grupo de Beto Louco e Primo, conforme revelado pela investigação da Carbono Oculto. De acordo com relatório da Polícia Civil do Piauí, a maior parte dessas operações refere-se à comercialização de combustíveis, concentrando-se no período de dezembro de 2023 a maio de 2024.

“Verificou-se que parte das notas fiscais emitidas pela Duvale não apresenta rastreabilidade logística, em razão da ausência de documentos fiscais de transporte ou da inexistência de registro de passagem das mercadorias no Piauí”, informa o documento.

Investigadores ouvidos pela reportagem afirmam que as notas fiscais foram emitidas com fraudes para ludibriar a fiscalização. Insumos de combustível seriam registrados tendo como destino o Piauí, que tem uma alíquota de imposto menor, mas seriam enviados para São Paulo.

 

Carbono
Haran Santiago foi alvo da polícia quando estava no aeroporto de Guarulhos

Fundo de investimentos também conecta SP ao Piauí

A transferência de propriedade da rede piauiense de postos de combustíveis HD, que pertenciam aos empresários Haran Sampaio e Danilo Souza, para um fundo de investimento suspeito, é outra prova da ligação da expansão do esquema de São Paulo para o Piauí. Em dezembro de 2023, o grupo foi vendido para a Pima Energia Participações Ltda.

O que chama atenção, segundo relatório da Polícia Civil do Piauí, é que a Pima Energia foi aberta em um endereço em São Paulo, apenas seis dias antes de comprar a rede de postos HD, “levantando a suspeita de que foi criada especificamente para formalizar a referida transação comercial”.

Os investigadores suspeitam que foi uma venda de fachada, uma vez que houve uma “substituição de bandeira (de HD para Pima e Diamante) sem alteração operacional real”.

Em depoimento prestado à Polícia Civil, Sampaio e Souza negaram envolvimento no esquema de adulteração de combustíveis.

O único sócio da Pima Energia à época da venda era o Jersey Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia, que por sua vez é administrado por uma empresa também suspeita de lavar dinheiro e, igualmente, alvo da operação Carbono Oculto: a gestora de fundos Altinvest Gestão e Administração de Recursos de Terceiros.

Hub de soluções financeiras, a Altinvest é liderada pelo empresário Rogério Garcia Peres e administra 10 fundos citados pelos promotores na Carbono Oculto. O MP-SP afirma que Peres é um dos responsáveis pelas “dinâmicas fraudulentas envolvendo fundos e a BK Instituição de Pagamento”. A Altinvest e Peres negam envolvimento com o crime organizado.

Segundo relatório da Polícia Civil do Piauí, após a conclusão da venda dos postos de combustível da rede HD, Moisés Eduardo Soares Pereira passou a figurar como único sócio da Pima Energia Participações Ltda. Ele é um ex-funcionário de Haran Sampaio e Danilo de Souza. Investigadores suspeitam que ele é um laranja de seus patrões.

Após a compra pela Pima Energia, os postos de gasolina da rede “Postos HD” passaram a ser chamados de Red Diamante. De acordo com a investigação da Operação Carbono Oculto 86, há evidências de uso de empresas de fachadas vinculadas às marcas “Postos HD”, “Postos Pima” e “Postos Diamante”, “que tem suspeita de ligação com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC)”.

“As evidências apontam para possível sobreposição de registros ou compartilhamento de estrutura física entre diferentes pessoas jurídicas, indicando manobra para ocultar operações financeiras e dificultar a rastreabilidade de recursos, prática típica de lavagem de capitais”, destacam os investigadores.

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