sábado, 18 de abril de 2020

Governo Bolsonaro é o retrato da barbárie contra indígenas, por Sônia Guajajara



"Desde a posse de Jair Bolsonaro à presidência da República, sofremos uma intensa e grave ofensiva contra os direitos dos povos indígenas no Brasil"
Foto: Andressa Zumpano

Por Sônia Guajajara

Governo Bolsonaro: o retrato da barbárie contra os povos indígenas e a vida

No relatório “Conflitos no Campo Brasil 2019”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Desde a posse de Jair Bolsonaro à presidência da República, em janeiro de 2019, sofremos uma intensa e grave ofensiva contra os direitos dos povos indígenas no Brasil. Já no primeiro dia do novo governo, vimos o discurso anti-indígena, que marcou a carreira política e a campanha de Bolsonaro, se materializar em ataques aos povos indígenas, a seus direitos e à política indigenista do Estado brasileiro, construída em décadas de luta do movimento indígena.
O principal foco dos ataques são os territórios tradicionais, seja para a exploração de madeira, minério, expansão agrícola de fazendas, agronegócio ou especulação imobiliária. Com isso a vida, de todo mundo que luta em defesa da Terra e do meio ambiente está em risco. Por decisão política todos os processos de demarcações estão paralisados. O presidente afirmou que não demarcaria nenhuma Terra Indígena (TI) em seu governo. Para começar a por em prática a sua decisão, transferiu a Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério de Direitos Humanos, da Mulher e da Família, e suas principais atribuições relacionadas com a demarcação de Terras Indígenas e o licenciamento ambiental para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A decisão fez parte na reforma ministerial, por meio da Medida Provisória n. 870/2019. O Congresso Nacional, por meio da Frente Parlamentar mista em defesa dos direitos indígenas, alinhada com o movimento indígena e várias entidades de apoio, modificou-a em diversos pontos, inclusive conseguindo retornar para a Funai a atribuição de demarcar os territórios indígenas. Contudo, o presidente publicou uma nova Medida Provisória, de número 886/2019, retomando a demarcação para o MAPA, contrariando a decisão do Congresso Nacional e incorrendo em uma inconstitucionalidade, visto que é proibida a reedição de medida provisória na mesma legislatura que tenha sido rejeitada pelo poder legislativo.
Por força de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a demarcação voltou para a Funai. Em decisão monocrática, o Ministro Luiz Roberto Barroso anulou a proposta, pois “medida provisória nenhuma pode ser reeditada, constitucionalmente, na mesma sessão legislativa” (Art. 62 da CF) e porque, segundo a decisão do Ministro, atenta contra a separação dos poderes. Esta decisão foi depois confirmada pelo Suprema Corte em sessão plenária. Por fm, o STF decidiu, por unanimidade, que a demarcação de TIs deve permanecer na Funai que, por sua vez, deve ficar no Ministério da Justiça. Para além de um debate jurídico, as medidas legislativas do governo demonstram uma intenção a qualquer custo de impedir a demarcação de terras indígenas.
A Funai vem sendo aparelhada pelo governo Bolsonaro, que busca por diferentes meios instaurar um domínio ruralista, isto é, dos representantes do agronegócio, sobre o órgão indigenista. Em junho de 2019, por pressão do setor, o General Franklinberg de Freitas foi exonerado do cargo de presidente do órgão. Em entrevista, Freitas afirmou que sua exoneração teve influência direta do Secretário Especial de Assuntos Fundiários do MAPA, Nabhan Garcia, presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR), o qual, segundo o ex-presidente da Funai, “saliva ódio aos indígenas”.
Diante disso, foi nomeado um antigo aliado ruralista para presidir o órgão, o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier que, em 2017, atuou como assessor dos ruralistas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). A CPI foi uma iniciativa da bancada ruralista e indiciou líderes comunitários, antropólogos, servidores públicos, indigenistas e procuradores. Em setembro, o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, indicou a advogada Silmara Veiga de Souza, que atuou como advogada na contestação do procedimento administrativo da Funai de identificação e delimitação da Terra Indígena Ka’aguy Hovy, do povo Guarani Mbya, localizada no município de Iguape, no litoral sul de São Paulo, para ser a titular da Diretoria de Proteção Territorial do órgão.
O cenário, portanto, é de grande influência do agronegócio sobre o procedimento da demarcação de Terras Indígenas, o que aponta para um período de estagnação dos processos já em andamento, de rejeição a novas demandas territoriais, e mesmo de tentativas de reverter demarcações já concretizadas. Passado um ano de governo, nenhuma Terra Indígena foi demarcada.
A atribuição da Funai de opinar sobre o licenciamento ambiental de obras que possam impactar direta ou indiretamente os territórios indígenas também está sob ataque no governo Bolsonaro. Para o presidente, tal prerrogativa da Funai, fundamental para a defesa dos direitos e dos territórios indígenas, é um “entrave ao desenvolvimento” – que deve ser removido para a concretização de grandes empreendimentos, sem qualquer consideração pelos possíveis impactos às populações indígenas. Em agosto, Bolsonaro criticou a atuação do órgão indigenista em processos de licenciamento ambiental, usando como exemplo uma obra de construção de um terminal de contêineres no Paraná: “Há anos o terminal de contêiner do Paraná, se não me engano, não sai do papel porque precisa agora também de um laudo ambiental da Funai. O cara vai lá e se encontra, já que tá na moda, um cocozinho petrifcado de índio, já era, não pode fazer mais nada ali”, afirmou.
Ao mesmo tempo, no Congresso Nacional tramitam aceleradamente Projetos de Lei que buscam flexibilizar o licenciamento ambiental, com a finalidade de expandir o dito desenvolvimento para os territórios tradicionais, com isso abrindo-os para exploração agropecuária, minerária e energética, com pouca ou, até mesmo, nenhuma participação dos povos indígenas. Dentre os principais projetos está a proposta de Lei Geral de Licenciamento Ambiental (Projeto de Lei N.º 3.729/2004) que isenta de licenciamento os empreendimentos que afetarem territórios indígenas que estejam em processo de demarcação. O projeto aponta que são passíveis de licenciamento obras incidentes apenas em Terras Indígenas homologadas, desconsiderando assim as que estão com procedimento demarcatório em curso ou apenas reivindicadas pelos povos indígenas. Pelo texto, 163 TIs em processo de demarcação deixariam de ser consideradas nos processos de licenciamento.
A Funai, nas proposições do governo Bolsonaro, deve se tornar, novamente, um ente gestor dos interesses dos povos indígenas no processo de implementação de empreendimentos, inclusive minerários, significando a volta da tutela e do indigenismo autoritário.
Diante da acelerada inflexão nos direitos indígenas que presenciamos, chamo atenção para os acontecimentos que delineiam um cenário de profundo agravamento das violações.
Leia o artigo completo de Sônia Guajajara:
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