segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Bozo e a hipnose fake news fascista, ou se lutar o bicho foge, por Armando Coelho Neto, delegado aposentado da Polícia Federal





Sem embargo das muitas dificuldades, o que estamos observando no chamado “campo progressista” é uma certa paralisia pelo pânico.

Bozo e a hipnose fascista ou Se lutar o bicho foge

por Armando Rodrigues Coelho Neto, no GGN

Este texto, a rigor, não deveria ser assinado por mim. O espírito inquieto por trás dele não pode baixar em terreiro fascista. Aceitem, pois, essa “psicografia” como se minha fosse, pois não posso expor ao ódio “bozofascista” a verdadeira autoria. Desfrutem.
A expansão do neofascismo como alternativa política, no Brasil e no mundo, é alimentada pelo esgotamento do sistema representativo das democracias liberais. É, ademais, perceptível que os pilantras do rentismo (gigolôs do dinheiro alheio) cansaram de investir na cooptação de lideranças do campo “social-democrata” ou “liberal” e passaram a investir na extrema-direita – e, pelo que parece sugerir a recém aprovada “deforma previdenciária”, com lucrativos resultados em detrimento dos mais humildes. Vivenciamos a curiosa situação de os responsáveis pela disfuncionalidade das economias nacionais se valerem das mesmas insuficiências que causam (decorrentes do exaurimento dos recursos públicos em prol do parasitismo financeiro) para se locupletarem diante do caos e da confusão social, agora patrocinados via think tanks e redes sociais, numa torrente de fake news que beneficiam as figuras patéticas que têm tomado conta da cena político-partidária (os blogueiros destrambelhados, os majores fulanos, os delegados cicranos e por aí vai).
Tais circunstâncias criam dificuldades adicionais ao chamado “campo progressista”, pois recai sobre tal grupo de pessoas, mesmo diante de um público cada vez mais descrente e refratário à complexidade das dinâmicas sociais, tentar promover um debate público minimamente profundo, defender a liberdade de expressão e de imprensa (ainda que sob tal escudo a mídia tradicional tenha promovido uma campanha insidiosa contra a esquerda, marcada pelo mais absurdo falso-moralismo), o sistema político (mesmo com todos os seus vícios e inconsistências), a legalidade (ainda que se trate de um Ordenamento Jurídico francamente contrário ao interesse da maioria) e as instituições, inclusive judiciais (mesmo sendo os democratas e nacionalistas brasileiros alvo de sanha punitivista implacável em processos conduzidos de modo parcial e injusto).
Então estamos combinados, tá oquêi? A carne estava barata demais. Acostumem-se ao dólar caro. Pobres não sabem economizar como fazem os ricos. Os trabalhadores precisam optar entre a precarização ou o desemprego. As “reformas” irão redimir a economia, com a mágica do trilhão (“só-que-não”). Os brigadistas voluntários protetores das matas são os responsáveis pelas queimadas perpetradas pelos latifundiários e grileiros. As feministas com suas roupas provocantes e sua atitude de menosprezo à masculinidade estão pedindo para apanhar e para serem molestadas. A escravidão é culpa dos índios preguiçosos e até foi boa para os negros. O racismo é uma ilusão, as políticas afirmativas desnecessárias. No Brasil, só passa fome quem quer. Cristo pregava o amor ao próximo, mas os cristãos, para serem fiéis ao cristianismo, precisam ser violentos e intolerantes. A Terra é plana. E quem achar tudo isso muito estranho que se cuide com a reedição do Ato Institucional número cinco (o “AI-5” de triste memória, que durante a Ditadura serviu para fechar o Congresso Nacional e excepcionar as liberdades constitucionais).
As sucessivas erupções de ignorância parecem abundar como a água que jorra naquelas regiões em que há gêiseres, e aparentemente, não há nada que neutralize o que parece uma poderosa força geológica. Será mesmo assim? Temos nossas dúvidas. E se for tudo um engodo, um grande truque semiótico para que pensemos não ter interesses comuns, estarmos todos separados e correndo cada um por si e que a racionalidade não seja mais válida ou aceitável?
A propósito, calha lembrar que nos rincões do interior rural brasileiro, crê-se que as raposas tenham poderes sobrenaturais sobre as aves. É maneira como, na ausência de uma explicação científica, o saber popular explica, de modo empírico, o fenômeno de imobilidade tônica da galinha (a qual, perturbada pela presença do graxaim, mesmo tendo asas, acaba por cair do poleiro para ser devorada pelo predador silvestre).
Sem embargo das muitas dificuldades, o que estamos observando no chamado “campo progressista” é uma certa paralisia pelo pânico. Ora, é exatamente a impossibilidade total de atender minimamente às imensas demandas sociais (como temos observado em toda a América Latina) que faz com que o neofascismo precise recorrer a tais recursos “hipnóticos”. Ainda há tempo de lutar, e eles sabem disso. Querem precisamente é que não nos organizemos para não reagirmos.
Lógico, tudo isso é muito bonito do ponto de vista teórico, mas precisa se traduzir em atitudes práticas. Coisas simples. Recuperar a capacidade de indignação. Responder com as “armas” da ciência, da dignidade, da verdade e da razão. E unirmo-nos.
Em tempos de hipnose “bozofascista”, não dá para concluir este ensaio com nenhuma certeza ou convicção. Reputo mais valioso encerrá-lo com a seguinte provocação. Já pensou, meu caro leitor, em como abraçar um irmão ou uma irmã em luta contra o neofascismo? Como resistiremos democraticamente, superando o medo e a letargia para recuperarmos o controle popular sobre a política e o nosso destino como Nação?
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

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