segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Fascismo... Do ódio ao pobre ao ódio aos ricos, por Fernando Horta




Na Alemanha de Hitler, este momento se dá a partir de 1938, quando o Führer vai concentrar ainda mais poder, exterminar opositores e acelerar a preparação para a guerra.

Do ódio aos pobres, ao ódio aos ricos, por Fernando Horta

Já está muito claro que o autoritarismo só pode existir com a conivência das instituições cuja missão principal é exatamente detê-lo. É quando o judiciário e a imprensa se unem contra o que julgam “uma ameaça comum” que o autoritarismo surge. Em países com imprensa independente e profissional ou com um judiciário institucionalmente impessoal, limitado totalmente pela lei e submetido à prestação de contas para com a sociedade, o autoritarismo não vinga.
Ocorre que, sob certas circunstâncias, a classe média e as elites econômicas se unem contra “um inimigo comum”. E dado que estas instituições – imprensa e judiciário – são majoritariamente formadas por homens brancos e de classe média urbana, tais homens passam a “fazer vistas grossas” aos abusos. Desde que contra os inimigos políticos, é claro. É o juiz que não pune o policial que tortura e mata, é o procurador que não indicia fulano, porque “pode ser um aliado” ou ignora provas contra sicrano. São, portanto, as instituições que abrem as portas para o autoritarismo e, mais precisamente, para o tipo de autoritarismo que chamamos de fascismo.
O acordo tácito é claro. As instituições fecham os olhos para os abusos, vilipêndios e absurdos e, em troca, o fascismo se joga contra os opositores políticos da classe média e do capital com fúria. Este acordo funciona bem no início. O capital consegue a destruição das proteções sociais, acaba com sindicatos e outras coletividades que buscam representação e, assim, faz parceria com o fascismo pela “libertação do país”. Até as palavras parecem ser as mesmas. O capital pede o “livre mercado” e o fascismo exige a “liberdade nacional” que, supostamente, esteve refém dos seus opositores políticos. Neste estado de coisas, a classe média e os pequenos empresários são levados a acreditar que o país “vai melhorar” e, por óbvio, que eles participarão do butim. Ocorre que, com o passar de um tempo muito curto, a situação econômica deteriora-se e as massas de manobra se dão conta que não serão convidadas para os churrascos com picanha.
O fascismo, aqui empoderado nas instituições e no Estado, fica então com uma escolha a fazer: ou aceita a dirigência do capital e, para conter o empobrecimento das classes médias, precisa aumentar a produção em escala global de forma gigantesca, gerando empregos cada vez mais mal pagos. Ou rompe com o capital e alia-se à classe média, absorvendo ainda mais o moralismo empastelado dos recalcados, e a violência vira regra social. Assim, em dado momento, o fascismo precisa escolher entre deixar de ser fascismo para tornar-se apenas um neoliberalismo escandalosamente agressivo ou manter-se fascismo e abrir mão do apoio político do capital em troca do apoio das instituições de uma classe média ressentida e violenta.
É neste momento que se passa do ódio aos pobres (que moveu todo o processo até agora) para o ódio aos ricos, que será a bandeira do fascismo daqui em diante. Passa-se ao Estado policialesco, sem nenhum respeito pelos direitos e sigilos civis. Tudo é crime. Tudo é “de interesse do estado”. Desde altos salários, até altos honorários e lucros, tudo serve para gerar o ódio aos que têm riqueza. Na impossibilidade de a classe média que apoiou e consubstanciou o fascismo de melhorar sua vida econômica, ela passa a perseguir aqueles que têm recursos.
Na Alemanha de Hitler, este momento se dá a partir de 1938, quando o Führer vai concentrar ainda mais poder, exterminar opositores e acelerar a preparação para a guerra. Há a ruptura com o capital internacional e com todo o capitalista alemão que não se submetesse aos desejos e ordens do ditador. Muitos empresários são presos, julgados e condenados à morte por “traição”, por “atentarem contra a Alemanha” ou por qualquer outra acusação que as instituições corrompidas quisessem lhe impor. A verdade é que o ódio que criou o regime, consumiu as populações mais pobres e viveu do extermínio das oposições precisa ser alimentado. Sem as oposições a quem odiar (por terem sido virtualmente exterminadas) o fascismo se volta contra os grupos que lhe deram apoio inicialmente.
Este é precisamente o momento que estamos vendo no Brasil. A ruptura entre Bolsonaro e o PSL é sintomática. Os liberais do PSDB já romperam “sem barulho”, por medo do retorno da esquerda, mas já se apresentam como uma oposição suave, com Dória e Huck. O fascismo vai exigindo mais, e a luta pelos dados da receita é o combustível que a lava a jato de Moro precisa para continuar incendiando o país. Com todos os sigilos quebrados, Moro – com sua proverbial imparcialidade – decidirá quem são os inimigos e quem são os amigos. Bolsonaro poderá continuar sua cruzada moralista, jogando nas fogueiras um número cada vez maior de pessoas. Inimigos, opositores, possíveis rivais e etc. todos serão queimados nas chamas do fascismo. O jatinho de Huck, a concessão da Globo e etc.
Para tentar evitar este fim, nos seus estertores, os liberais soltaram Luiz Inácio Lula da Silva. E o fascismo já respondeu com a rebeldia do TRF4. Basta uma fagulha para o executivo devorar a alta cúpula do judiciário e do legislativo e transformar o STF num órgão decorativo, seja pela indicação de membros fascistas, seja pela “depuração” dos atuais membros. Nas forças armadas este processo já está acontecendo, com oficiais constitucionalistas sendo perseguidos ou afastados e a banda podre fascista assumindo todos os postos de importância.
O preço da carne, o fim do ensino público, o aumento da gasolina, o aumento de impostos e a redução da demanda na economia brasileira NÃO será o que acabará com o regime fascista de Bolsonaro. Muito pelo contrário. Estes fatores apenas convidam o autoritarismo bolsonarista a atingir um outro nível de violência. Isto está sendo tentando pelo excludente de ilicitude de forma direta, mas também está sendo colocado em prática pelas polícias militares do Brasil inteiro, que registram números recordes de assassinatos, torturas, massacres e todo tipo de abuso e violência.
O governo Bolsonaro diz, com todas as letras ao capital, que ou ele se submete ao moralismo violento fascista ou será também vítima da sua ensandecida turba. O mesmo aviso é claro ao STF, aos órgãos de imprensa que ainda se acham “livres”, e aos indivíduos que, em postos institucionais relevantes, optarem por seguirem um mínimo de civilidade e obedecerem a Constituição.
Os ricos, que tanto esforço fizeram para colocar Bolsonaro no poder, verão agora serem eles mesmos alvos do fascismo. O que o século XX mostra é que o fascismo não admite nada diferente de si mesmo, e o pequeno e médio empresário vai ter que ver seu negócio ruir pela brutal concentração de renda imposta pelo regime de Bolsonaro, ou vai ver o seu negócio ruir pela perseguição moralista e o ódio visceral que o fascismo liberta.
A libertação de Lula pode ter sido vista por muitos como uma oportunidade de luta. Perdoem-me o pessimismo. Acho que muito em breve, o regime de Bolsonaro atingirá um novo nível de violência e autoritarismo. E com efusivos aplausos de militares, policiais, juízes e promotores, eles exterminarão a pouca democracia que ainda nos resta. Os que estão esperando um “AI-5” para se convencerem da necessidade de apear o fascismo do poder acordarão, um dia, alijados de seus espaços de poder. O golpe final de Bolsonaro se aproxima, e é aconselhável que a cúpula do judiciário, do legislativo e todo aquele que for constitucionalista não tenha um sono muito pesado. Será acordado, à noite, pelo cabo e pelo soldado.

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