domingo, 5 de abril de 2020

Neoliberalismo na saúde, com seus convênios e hospitais-shopping.... Diante da realidade da pandemia, mostram que não passavam, neoliberalismo e capitalismo na saúde, de uma farsa....



Em lugares menos afortunados, dirigentes estão batendo cabeça, quando as têm, e obrigados a enquadrar insensatos que minimizam a gravidade do problema.

do Coletivo Transforma MP

Deu errado, perceberam?

por Plínio Gentil

Quem se lembra de quando acreditamos que os convênios médicos iam nos atender bem e barato e seriam melhores do que a assistência pública, o IAMSPE etc, que estavam morrendo de inanição? Foi assim que abandonamos os serviços públicos de saúde e eles foram sucateados, enquanto o setor privado crescia, saudável e fofo. Lembram também quando nos disseram para matricular os filhos em escola particular e foi isto que fizemos, deixando as escolas públicas lá com os seus problemas, ameaçadas por traficantes e sem verbas? Lembram quando nos incentivaram a cuidar da nossa própria vida, porque nos esforçando era certo que conseguiríamos um lugar ao sol e que neste país só não vai pra frente quem não quer? Quando acreditamos que, se existe miséria, é porque existe vagabundagem, que as terras e as fábricas devem mesmo ser propriedade dos ricos porque eles é que sabem produzir, que quem não trabalha não devia comer, que o serviço público está cheio de parasitas, que melhor é ser empresário de si mesmo e que a exploração do trabalho alheio não existe, pois cada um é livre para escolher que rumo dar à sua vida?
Acreditamos nisso tudo, assim como nossos tataravós e seus tataravós também acreditaram há séculos, e embarcamos contentes na aventura de uma sociedade dividida, na qual, cada vez mais, poucos são donos de maior riqueza, enquanto muitos trabalham livremente para eles, ganhando salários de fome, sabendo que do lado de fora existe uma multidão desempregada aceitando fazer qualquer coisa por quase nada. Sério mesmo, alguém achou que isto poderia dar certo?
Agora chegou esse coronavírus, com um poder de devastação que ainda não compreendemos totalmente. Só sabemos que está matando milhares de pessoas, ricas ou pobres, e que mesmo os países mais desenvolvidos não sabem exatamente como combatê-lo, ou evitá-lo; só sabemos que faltarão leitos de hospital, máscaras, respiradores e provavelmente profissionais suficientes para tratar os infectados, tanto que já se fala em convocar veterinários. Em lugares menos afortunados, dirigentes estão batendo cabeça, quando as têm, e obrigados a enquadrar insensatos que minimizam a gravidade do problema.
O mundo todo, ou quase todo, está perplexo e incapaz de agir eficazmente contra um mísero micróbio. Se, de um lado, as medidas sanitárias ainda são precárias, de outro, o panorama econômico é igualmente assustador. Como o lucro da produção e do comércio pertence apenas a alguns, é deles que a maioria do povo depende e, se eles deixam de lucrar, vão demitir empregados; estes, que nada têm a não ser energia para trabalhar, passarão dificuldades sérias, senão fome. Muitos que se mantiverem no emprego terão que se adaptar a uma rotina de serviços por computador, sem horário fixo, e logo estarão excluídos das (poucas) garantias que a legislação dá aos trabalhadores regulares. Inúmeros deixarão de pagar suas contas e impostos, o Estado vai arrecadar menos e menos poderá fazer para tratar dos doentes. Claro que a violência vai aumentar, bom dia, gente.
Neste mundo que criamos, acreditando em coelhinho da Páscoa, a sociedade não é proprietária do que produz, mas somente alguns. Certo que muitos se esforçaram de verdade, mas outros tantos herdaram a riqueza de seus pais, grilaram terras, fraudaram a Receita ou o consumidor, desgraçaram o meio ambiente. Porém esses poucos, que são donos do que os trabalhadores produzem, nunca dividiram, nem irão dividir, o seu lucro com ninguém. Se algum dia achamos que o fariam porque são bonzinhos, ou cristãos, quer dizer também que aceitamos tudo isso acreditando em Papai Noel. O poder público não tem recursos, nem meios, para suprir as necessidades da população, já que também acreditamos que quanto menos Estado melhor e esse Estado que temos, ocupado pelos donos do dinheiro, não tem por finalidade organizar a produção nem a distribuição de riqueza entre o povo, por mais necessitado que esteja. Segundo as regras do jogo, cada um que se vire.
O arranjo do capitalismo, no mundo ocidental, tem quinhentos anos. Nenhum modelo anterior produziu tanto, em bens materiais, em ciência ou tecnologia. Mas há cinco séculos promete corrigir as injustiças do mundo, acabar com a miséria, fazer aparecer a fada do dente, e só conseguiu aumentar o abismo entre quem tem muito e quem tem pouco, provocar guerras mundiais, manter uma escravidão informal e colonizar as consciências, fazendo crer que é tudo normal. Manda o homem à Lua mas não consegue enfrentar uma pandemia. Se fosse um vírus mais agressivo, como a bactéria da peste negra, que matou um terço da população da Europa no século XIV, estaríamos perdidos. Dá para entender que esse arranjo de sociedade não pode ser considerado um sucesso, ou é preciso desenhar? Ah, mas é assim mesmo, vamos sair desta! Sim, vamos, mas só porque o vírus não é o da peste negra, que sorte…
O pior é que não vamos aprender nada, ao contrário do que imaginam alguns otimistas. No quesito humanidade, principalmente: dois franceses já sugeriram testar a vacina contra o vírus na… África. Pode, Arnaldo? Enfim, passados alguns meses, enterrados os mortos e feito o estrago na economia dos que sempre pagam a conta, aquelas vozes que são realmente ouvidas dirão que tudo está bem e que poderia ter sido pior. Nesse tempo que virá, quem se der ao trabalho de verificar os lucros do capital financeiro, vai notar que, em algum lugar, a vida é cor de rosa.
Plínio Gentil – Professor universitário e Procurador de Justiça  

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