segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Marcelo Crivella e o Poderoso Chefão americanófilo

 

O Poderoso Chefão, por Clarisse Toscano de Araújo Gurgel

Nos prints das conversas com Crivella, é possível ver que Rafael se compara ao presidente norte-americano. Como um sobrenome, ao lado de seu nome, no WhatsApp, vê-se o nome Trump: Trump Rafael Alves.

O Poderoso Chefão

por Clarisse Toscano de Araújo Gurgel

Certo empresário, Rafael Alves, é chamado, agora, de “poderoso chefão”. Ele foi um grande investidor, na candidatura de Crivella, eleito prefeito, no Rio de Janeiro. Como retribuição pelo apoio eleitoral, Rafael Alves teria passado a exercer uma ingerência direta sobre a prefeitura. Em troca, o empresário conquistou o direito a cargos no governo e poder de decisão, na administração pública. Nos prints das conversas com Crivella, é possível ver que Rafael se compara ao presidente norte-americano. Como um sobrenome, ao lado de seu nome, no WhatsApp, vê-se o nome Trump: Trump Rafael Alves.

Todo bolsonarista é americanófilo. Traduzindo: todo adulador de Bolsonaro é adulador dos EUA.  A influência dos EUA sobre o Brasil é tão evidente que sua obviedade encarna o próprio americanismo: é uma mediação imediata, uma doutrina com cara de pura prática. E, assim, ninguém nota a fonte mais explícita dos nossos americanalhados.

E Rafael Alves parece ser a peça que faltava para que o modus operandi em que vivemos fosse exposto, completamente. Todo governo, em qualquer país capitalista, do Líbano ao Brasil, tem, ao menos, um “poderoso chefão”. O maior deles chama-se, hoje, Donald Trump. Por enquanto, este “poderoso chefão” apenas muda de nome, mas, sempre, tem sede nos EUA.

Desde 1823, com a chamada Doutrina Monroe, os EUA exigem o mesmo que Rafael Alves: as contrapartidas, por seu apoio. No caso dos EUA, o apoio consiste na proteção militar, em defesa do hemisfério americano. Diante de tamanho gesto, países como o Brasil assume o compromisso de internalizar a política estadunidense, em especial na Guerra Fria, além de destinar sua produção industrial, exclusivamente, para fora do país e, desta forma, assimilar sua condição de dependente.

Assim, vê-se que, desde sua origem, o capital especula também sobre ações políticas. É esta relação, entre mercado e política, a fonte do que alguns especialistas chamam de “corrupção”. Os empresários elegem e, assim, governam. A troca e a relação de troca são a regra, em tratativas que não comportam rigor ético. Se o empresário se frustrar, ele troca, tratando a regra como exceção. Assim, também, a política é criminalizada e o empresário aumenta, ainda mais, seu poder de decisão sobre o voto, antes e depois das eleições. De tal maneira que o poder degenerador do capitalismo é motor para sua própria regenereção.

É, justamente, esta dinâmica, que refletiu o acordo entre EUA e Brasil, em torno do seu processo de redemocratização. Só era possível trocar a ditadura por uma democracia, se ela fosse restrita ao voto. Restrição demarcada no pacto entre Capital – o empresariado – e o Trabalho ou no que alguns preferem chamar de Contrato Social.

Alguns criticaram o pronunciamento de Lula, da semana que passou, por ele não ter falado de um jeito que o povo entendesse. O que parece não terem entendido é que Lula não falava, diretamente, com o povo. Infelizmente, Lula falava com alguns desses “poderosos chefões”.

Mas Lula, auto-proclamado o maior conciliador de classes do mundo, frustrou os EUA (irmãos Koch, XP investimentos, BTG-Pactual, Google e demais famílias). Parece que, agora, conciliar interesses não é mais interesse dos norte-americanos. A fórmula lulista parece ter esbarrado em um limite.

Alguns dizem, porém, que não há alternativa, a não ser repetir a equação. Talvez, seja este um método perverso de que somos vítimas: o de transformar restrição em sonho. Assim, o pragmatismo, que marca o americanismo, pode ter mediado, ao longo da história brasileira, a própria esquerda. Se Huntington cunhou o termo “democracia viável”, é preciso pensarmos, em que medida, este modelo imposto pelos EUA não moldou, também, a esquerda brasileira e, junto com isto, semeou a fragmentação neste campo. Dividida entre voluntaristas e reformistas, a esquerda se autofagocita, entre: 1) de um lado, a crença absoluta na vontade política e 2) de outro, uma resignação com face de lucidez radical. Esta divisão é a que paira sobre candidaturas que parecem nos trazer de volta o novo, mas, que, de novo, podem devastar, ainda mais, a política, refém de um “poderoso chefão”.

Este é o desafio da repetição. Somos formados, repetindo práticas, repetindo gestos, repetindo falas. Mas há repetições que são, de fato, a reprodução do mesmo, ainda que aparentem, muitas vezes, algo novo. E há repetições que são insistências libertadoras. Quando Bolsonaro nos dá a estranha sensação de estarmos revivendo o passado, ele não deixa de estar sendo verdadeiro. Isto porque seguimos na mesma luta. O inimigo de Bolsonaro são os comunistas. E, de fato, o são. De Bolsonaro e dos EUA. São eles a real ameaça. No entanto, o medo, que nossos algozes sentem, tornou-se medida de valor de nossa própria maturidade.

Na vergonhosa reunião com ministros – bem lembrada por Celso de Mello – Bolsonaro disse que temia ser preso, temia ter de fugir do país. Quem sabe está aí a dica do presidente para que, desta vez, façamos algo de novo, repetindo, de forma diferente? Deste modo, quem sabe, não precisaremos reviver o terror para, só assim, entendermos que o fascismo é a face mais radical do liberalismo.

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