Bolsonaro já era porque perdeu dimensão eleitoral. Escapa do impeachment imediato porque ainda há esperanças com o grande negócio da privatização da Eletrobras.
Por Luis Nassif
O jogo político está assim:
Peça 1 – as estruturas de poder
O sistema é composto dos seguintes personagens:
Mercado – define-se, genericamente, como o clube dos bilionários que foi cevado pela financeirização implementada por Fernando Henrique Cardoso e Lula, e ascenderam definitivamente ao poder a partir do governo Temer, tendo como bandeira A Ponte para o Futuro. É seguido pelo sistema mercado, operadores de mesa, analistas econômicos, manifestando-se politicamente através da mídia. Sua influência na mídia decorre de dois fatores: como grandes anunciantes e como financiadores.
Ideologia de mercado – o lobby funda-se em algumas ideias legitimadoras, já superadas em outros centros, mas mantidas em formol, no país, através da repetição de slogans de alta frequência e baixo raciocínio. Tipo, toda privatização é virtuosa; ou o Brasil acaba com a Previdência Pública, ou ela acaba com o Brasil; se romper a Lei do Teto, será o fim do mundo.
Mídia – teoricamente, os grupos de mídia deveriam ser os grandes influenciadores do país, e defensores do chamado interesse público, especialmente em um momento de profundo descrédito da política e dos poderes. Mas comportam-se como Bolsonaro na presidência: falta-lhes cultura política, informação econômica, análise estratégica para se transformar em poder de fato, ganhar corações e mentes para um projeto de país. São incapazes de defender os interesses federativos, os interesses gerais. Limitam-se a fazer o lobby de interesses particulares, loteando cada pedaço das políticas públicas. Sem bandeiras, sem ideias, presos aos interesses comerciais imediatos, todo seu poder é canalizado exclusivamente para trabalhos de destruição. Isso ocorre desde 2005, quando o PSDB abdicou de seu papel de formulador político, terceirizou para a mídia e passou a andar no seu reboque.
Aliados – as alianças se derramam pelo setor público, como futuros empregadores da alta burocracia pública, pelo Judiciário, especialmente nos tribunais superiores, por parcerias ideológicas.
Peça 2 – o fim das ilusões com Bolsonaro
A mídia se deu conta de que Bolsonaro já era. Nem se imagine que seja pelo apagão administrativo, pelas 650 mil mortes pelo Covid, pela destruição do sistema de inovação, pela vergonha internacional em que se jogou o Brasil. Bolsonaro já era porque perdeu dimensão eleitoral. Escapa do impeachment imediato porque ainda há esperanças com o grande negócio da privatização da Eletrobras.
Em cima dessas duas constatações, inaugura-se oficialmente a campanha para 2022, que consiste de dois movimentos.
O primeiro, a reedição da caçada a Lula; o segundo, a tentativa canhestra de descobrir El Cid, o Campeador, o guerreiro espanhol que, depois de morto, foi colocado em um cavalo para iludir os inimigos, de que ele ainda combatia.
Na caçada a Lula, a disputa não se limitará ao questionamento das políticas do período lulista, dos grandes erros que foram cometidos, menos ainda admitir os grandes feitos conquistados. A campanha visa o mesmo público dos algoritmos das redes sociais: dar volume a bordões moralistas de dependa Lula, e/ou ideológicos, sem nenhuma preocupação com o aprofundamento da análise.
Peça 3 – o ensaio dos candidatos à Terceira Via
Ontem, a Globonews deu início oficial ao desfile de debutantes que classificará os candidatos ao BBB da Terceira Via. Juntou seus dois melhores jornalistas em um programa para ouvir três candidatos, um candidato eterno – Ciro Gomes -, dois da mídia – Henrique Mandetta e Alessandro Vieira.
O balanço do programa é elucidativo.
Mandetta é primário, um deputado do baixo clero, de um ideologismo rasteiro, que teve a oportunidade de ascender ao palco como Ministro da Saúde na guerra contra o Covid. Antes da pandemia, seu trabalho no Ministério da Saúde foi de um primarismo ideológico à altura de Bolsonaro. Acabou com o programa Mais Médicos, deixando populações inteiras sem atendimento médicos. Blefou com concursos para médicos brasileiros. Celebrou – com ampla cobertura da mídia – as vagas sendo ocupadas por médicos brasileiros em locais distantes. E calou-se – assim como a mídia – quando, logo em seguida, começaram as desistências maciças dos concursados.
Ninguém se preocupou em contar as consequências da ausência de médicos para populações inteiras.
Ontem, no programa da Globonews, Mandetta foi patético. Declarou – sem ser questionado – que foi testemunha de gritos de do PT propondo a morte de Magalhães Pinto. Magalhães saiu da cena política nos anos 60. O PT surgiu nos anos 80. Em toda sua existência, nunca defendeu medidas violentas, menos ainda morte aos inimigos. Pouco importa, a mediocridade não respeita sequer a cronologia.
O senador Alessandro Vieira destacou-se na CPI, por ser um bom inquisidor de suspeitos do golpe das vacinas. Bastou mostrar uma qualidade própria de delegado de polícia, para ser alçado ao panteão dos candidatos à Terceira Via. Até agora mostrou-se incapaz de qualquer ideia ou formulação fora do padrão Lava Jato.
Aí entra Ciro Gomes, o único que tem um projeto de país para colocar a mesa e discutir. Mas entrou na mesma armadilha de Dilma Rousseff, de seguir os conselhos do marqueteiro João Santana, cuja única especialidade é a destruição de adversários.
Ciro, Mandetta e Alessandro lembraram as mises dos antigos concursos de beleza, todas citando Saint-Exuperi e o Pequeno Príncipe para ganhar a simpatia do júri. Os três disputaram a mesmice do grande troféu “quem bate mais em Lula”.
Mostrando sua enorme incompetência política, em lugar de se diferenciar da rapa – por ter projeto de país – Ciro se iguala para mostrar serviço aos jurados da mídia. Ora, se Bolsonaro cair, até um poste atrairá os votos do antilulismo. Em vez de procurar se diferenciar mostrando conteúdo, Ciro se iguala aos demais na demonização do adversário.
Peça 4 – o país sem projeto
Um dos grandes legados da atual desgraça brasileira é o estudo de caso para entender porque, historicamente, o país perdeu quase todas as grandes janelas de oportunidade. É porque, por aqui, tudo termina em negócios.
Mede-se o nível de civilização de um país quando ele dispõe de âncoras com visão e capacidade de defender os interesses gerais. Há uma disputa permanente entre interesses privados e públicos.
Por exemplo, liberar preços de petróleo e aumentar a distribuição de dividendos é uma política da Petrobras que beneficia exclusivamente os acionistas. A lógica de uma empresa exige investimentos em inovação, tecnologia, produção, mercados. Quando é uma empresa pública da dimensão da Petrobras, seus gastos ajudam a alavancar pesquisas tecnológicas, adensar cadeias produtivas, garantir encomendas á indústria,
Só que esses investimentos reduzem a parcela imediata destinada aos dividendos. É evidente que o acionista ganhará no médio prazo, se os investimentos trouxerem mais dinamismo à empresa. Mas a lógica de mercado em países atrasados, como o Brasil, é ampliar o máximo que puder a distribuição imediata de dividendos, ainda que à custa de sacrificar o futuro da companhia.
Essa lógica perpassa todas as políticas públicas nacionais. Por exemplo, do governo Temer para cá a Eletrobras reduziu investimentos essenciais na transmissão, que ajudariam a reduzir a vulnerabilidade do setor elétrico. Hoje em dia, a energia que produz garante tarifas módicas para as distribuidoras – que atendem público residencial e pequenas e médias empresas. A privatização beneficiará exclusivamente os atuais acionistas, os bancos incumbidos da modelagem dos negócios, as empresas de auditoria e de rating. Cada qual levanta seus argumentos em defesa da. privatização. Quem defende o interesse público? Em tese, deveria ser a mídia. Na pratica, ninguém. A médio prazo, perdem todos.
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