quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Analisando o colapso contínuo dos EUA, com Dmitry Orlov. TEXTO SOCIOLÓGICO IMPORTANTÍSSIMO.




"O colapso social e/ou cultural estão ainda relativamente distantes. O colapso financeiro está só esperando algo que lhe dê início. O colapso comercial acontecerá em estágios, alguns dos quais – locais com escassez de alimentos frescos e saudáveis, por exemplo – já acontece em vários pontos do país. O colapso político só se tornará visível quando a classe política finalmente entregar os pontos. Nada é simples, nem é fácil dizer que estágio já alcançamos. Todos eles acabam acontecendo em paralelo, de alguma maneira."

Blog do Alok (reproduzido no GGN)
11.01.2019 - The Saker, Dmitry Orlov - The Vineyard of the Saker, The Unz Review
Tradução: btpsilveira
A palavra ‘catástrofe’ tem muitos conceitos, mas em sua significação original, em grego, a palavra queria dizer “queda súbita” (katastrophé em grego, ‘queda, reviravolta’ de kata-cair, para baixo + strophé[radical strophein]-‘transformar, virar’). Da mesma forma, para a palavra ‘superpotência’ também há várias definições possíveis. A minha preferida é esta: “‘superpotência’ é o termo usado para descrever um Estado em posição dominante, caracterizado por sua grande capacidade de influenciar ou projetar poder em escala global. Consegue isso através da combinação de força econômica, militar e cultural, poder de convencimento (soft power) e diplomacia. Tradicionalmente, as superpotências predominam entre as grandes potências.” Outra: “uma nação extremamente poderosa, em particular capaz de influenciar eventos internacionais e os atos e políticas de nações menos poderosas” e ainda “um corpo governamental internacional capaz de impor sua vontade mesmo a Estados também poderosos”.
Tenho mencionado em muitos de meus artigos o visível declínio dos Estados Unidos e seu Império, assim não vou repetir aqui nada além disso: a “capacidade de influenciar e impor sua vontade” provavelmente é o melhor critério para medir o tamanho da queda dos Estados Unidos desde que Trump chegou ao poder (o processo já tinha se iniciado com Dubya e Obama, mas com certeza foi acelerado pelo Donald). Porém quero usar uma metáfora para revisitar o conceito de ‘catástrofe’ (Dubya é uma maneira de certa forma sarcástica de se referir a George W. Bush e diferenciá-lo de George H. W. Bush, seu pai. Ambos foram presidentes dos EUA. ‘Dubya’, tem a ver com a pronúncia da letra W – NT).

Se você colocar um objeto no meio de uma mesa e empurrá-lo diretamente para a borda, terá que dispender certa soma de energia que chamaremos de ‘E1’. Se a borda de mesa é lisa e você já empurrou o objeto até lá, basta apenas mais um pouco de energia que chamaremos de ‘E2’. Na maioria dos casos (sendo a mesa grande o bastante) é claro que você descobrirá que E1 é maior que E2, e que E2, acontecendo depois de E1, desencadeará um evento muito mais dramático: em vez de deslizar placidamente de cima da mesa, o objeto cairá subitamente e se despedaçará. Essa queda súbita pode ser chamada de ‘catástrofe’ e costuma acontecer na história, vide o exemplo da União Soviética.
Alguns leitores recordarão como Alexander Solzhenitsyn declarou repetidamente nos anos 80 que estava certo de que o regime soviético desabaria e que ele poderia voltar para a Rússia. Claro, foi vitriolicamente ridicularizado por todos os “especialistas” e “experts”. Afinal, porque alguém ouviria um exilado russo esquisito com ideias políticas suspeitas (corriam rumores de “monarquismo” e “antissemitismo”) quando na verdade a União Soviética era uma enorme superpotência, armada até os dentes com armas nucleares, um serviço de segurança imenso, com apoiadores e aliados pelo mundo inteiro? Não só isso, todos esses “respeitáveis” especialistas e experts eram unânimes em afirmar que, embora o regime soviético tivesse vários problemas, estava ainda muito longe do colapso. Era absolutamente impensável a simples noção de que a OTAN pudesse rapidamente substituir o exército soviético não apenas na Europa Oriental como em todas as partes da União Soviética. No entanto aconteceu, com presteza. Poder-se-ia mesmo argumentar que a União Soviética desabou completamente no curto espaço de menos de 4 anos: de 1990 a 1993. Como e porque isso aconteceu está além do alcance deste artigo, mas é inegável que em 1989 a União Soviética ainda parecia uma entidade poderosa, e pelo final de 1993 tudo acabara (quebrada em pedaços pela mesma nomelklatura que acostumava governar tudo). Como quase ninguém percebeu?
Quase ninguém percebeu porque análises conspurcadas pela ideologia levam à complacência intelectual, falta de imaginação e, no geral, a uma incapacidade quase total de prever resultados possíveis, mesmo hipoteticamente. É assim que quase todos os “especialistas sobre União Soviética” erraram (por falar nisso, a KGB já havia previsto a tragédia e alertado o Politburo, mas a gerontocracia soviética estava ideologicamente paralisada, foi incapaz e não quis tomar qualquer medida preventiva). O governo maçônico de Kerensky em 1917, a monarquia iraniana no Irã e o regime de Apartheid na África do Sul também colapsaram bem rápido uma vez que o mecanismo de autodestruição já existente tomou tração.
Na metáfora acima, você pode colocar esse “mecanismo do regime de autodestruição” como nossa fase E1. Para a fase E2, você pode pensar em qualquer tipo de pequeno empurrão que precipita a rapidez do colapso, aparentemente com grande facilidade e mínimo dispêndio de energia.
Neste ponto, é preciso explicar a aparência de um colapso final. Algumas pessoas têm em mente a percepção enganosa de que um colapso da sociedade ou país traz sempre um cenário como o do filme “Mad Max”. Não mesmo. A Ucrânia já é um Estado falido há vários anos, mas ainda consta do mapa.  O povo ainda vive por lá, trabalha, a maioria ainda dispõe de eletricidade (embora não 24/7), existe um governo e, ao menos oficialmente, a lei e a ordem está sendo mantida. Esse tipo de sociedade falida pode se manter por anos, talvez décadas e ainda assim está em estado de colapso, por ter alcançado todos os Cinco Estágios do Colapso como definido por Dmitry Orlov em seu livro seminal “Os Cinco Estágios do Colapso: Kit de Ferramentas para os Sobreviventes”, onde ele menciona os cinco estágios do colapso a seguir:
·         Estágio 1: Colapso financeiro. Acaba a confiança de que “tudo está (financeiramente) normal”.
·         Estágio 2: Colapso comercial. Finda a confiança de que “o mercado proverá”.
·         Estágio 3: Colapso político. Termina a confiança em que “o governo tomará conta de você”.
·         Estágio 4: Colapso social. Não existe mais a confiança de que “as pessoas em volta tomarão contra de você”.
·         Estágio 5: Colapso cultural. Acaba a confiança “na bondade da humanidade”.

Tendo visitado pessoalmente a Argentina nos anos 70 e 80 e visto o que aconteceu com a Rússia no início dos anos 90, posso afirmar que dada sociedade pode colapsar totalmente, mesmo mantendo todas as aparências de uma sociedade normal e ainda em funcionamento. Ao contrário do Titanic, a maioria dos regimes fracassados não afunda totalmente. Cerca da metade permanece acima da linha d’água e talvez a orquestra permaneça tocando músicas alegres. Nas cabines mais luxuosas, um estilo de vida esplendoroso pode ser mantido pelas elites. Mas para a maioria dos passageiros esse colapso resulta em pobreza, insegurança, instabilidade política e uma queda violenta na qualidade de vida. Além disso, em termos de movimento, um navio com a metade afundada não é mais um navio.

Uma coisa crucial: enquanto o sistema de som do navio continuar anunciando tempo bom e que o café da manhã continua sendo servido e enquanto a maioria dos passageiros permanecerem nas cabines vendo televisão em vez de dar uma olhadinha pela janela, a ilusão de normalidade pode ser mantida por um tempo realmente longo, mesmo depois do colapso. Durante a fase E1 descrita acima a maioria dos passageiros pode ser mantida em total ignorância (longe, portanto, de protestos e agitações) e somente quando a fase E2 chutar a porta (totalmente inesperada para a maioria dos passageiros) a realidade pode eventualmente destruir a ignorância e as ilusões dos passageiros objetos de lavagem cerebral.


O verdadeiro início do fim aconteceu com Obama

Vivi nos Estados Unidos de 1986 a 1991 e vivo atualmente desde 2002 e não tenho quaisquer dúvidas de que o país experimentou um *enorme* declínio nas últimas décadas. Na realidade, poderíamos argumentar que os EUA têm vivido sobre o domínio da fase E1 pelo menos desde Dubya e que esse processo só se acelerou sob os governos Obama e Trump. Acredito que chegamos na fase E2 “à beira da mesa” em 2018 e que a partir de agora até um incidente relativamente menor pode resultar em uma queda súbita (isto é, uma “catástrofe”). Mesmo assim, resolvi checar com o especialista incontestável neste assunto e, portanto, mandei um email para Dmitry Orlov com a seguinte pergunta:

Em seu artigo recente “O ano em que o planeta desandou” você pinta um quadro devastador sobre o estado do Império:
Já se pode declarar o fracasso do plano de Trump para Tornar os Estados Unidos Grandes Novamente (MAGA – Make America Great Again – NT). Por trás das estatísticas cor-de-rosa do crescimento da economia (norte)americana esconde-se o fato terrível de que isto é o resultado de uma isenção fiscal garantida para as empresas multinacionais a fim de seduzi-las para repatriar seus lucros. Ao mesmo tempo em que não as ajuda (suas ações estão desabando atualmente) tem sido um desastre para o governo e a economia dos EUA como um todo. A receita caiu. O déficit orçamental para 2018 excedeu a quantia de 779 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, o resultado das guerras comerciais iniciadas por Trump é o crescimento do déficit comercial para mais 17% a partir do ano anterior. Os planos para repatriar a produção industrial dos países de baixo custo continuam impossíveis por causa de três elementos fundamentais com os quais a China se industrializou (energia de baixo custo, trabalho de baixo custo e facilidade para transações comerciais) e que continuam ausentes nos EUA. O débito governamental já ultrapassou o limite do razoável e sua expansão está acelerando. Só o pagamento do serviço da dívida deve custar meio trilhão de dólares dentro de apenas uma década. Esta trajetória é mau presságio para que os EUA continuem a existir como entidade em pleno funcionamento. Ninguém, nos EUA ou fora, tem qualquer poder para alterar essa trajetória.
O desespero estridente de Trump pode ter movido as coisas para pior mais rápido do que já estavam, pelo menos no sentido de ajudar a convencer o mundo inteiro de que os Estados Unidos são egoístas, imprudentes e em última análise, autodestrutivos e em geral, não confiáveis como parceiros. Entre outras coisas, o presidente dos Estados Unidos foi bem sucedido em prejudicar a maioria de seus aliados europeus. Seus ataques contra a exportação de energia pela Rússia para a Europa, contra as empresas montadoras de automóveis europeias e contra o comércio europeu com o Irã causaram uma boa quantidade de danos, tanto políticos quanto econômicos, sem qualquer compensação real visível. Enquanto isso, a ordem mundial globalista (que muitas populações europeias parecem prontas a declarar fracassada), começa a desandar, a União Europeia torna-se rapidamente ingovernável, com os partidos atualmente no poder incapazes de formar coligações com os partidos populistas arrivistas que surgem cada vez em maior número. Ainda é muito cedo para afirmar que a União Europeia já fracassou totalmente, mas parece seguro dizer que dentro de uma década não será mais considerada como um fator internacional que deva ser levado a sério.
Embora a péssima qualidade e os enganos desastrosos da própria liderança europeia mereçam ser cobertos de vergonha, alguns deles podem ser creditados ao comportamento errático e destrutivo de seu Big Brother transoceânico. A União Europeia já se transformou em assunto estritamente regional, incapaz de projetar poder ou sonhar com quaisquer ambições geopolíticas globais. A mesma coisa para Washington, que vai ou partir voluntariamente (devido a simples falta de dinheiro) ou será colocada sem cerimônia para fora na maior parte do mundo. A retirada da Síria é inevitável mesmo que Trump, sob pressão intensa de seus senhores da guerra bipartidários, resolva ou não voltar atrás em sua promessa. Agora a Síria está armada pela Rússia com armas de defesa atualizadas e os Estados Unidos não têm mais superioridade aérea, e sem superioridade aérea o exército dos EUA é incapaz de fazer seja o que for.
O Afeganistão virá a seguir. Ali, parece bizarro crer que os (norte)americanos sejam capazes de conquistar qualquer acomodamento razoável com o Talibã. Sua partida significará o fim de Cabul como o centro de corrupção a partir do qual os estrangeiros roubam a ajuda humanitária e outros recursos. Em algum lugar da jornada as tropas (norte)americanas remanescentes também serão colocadas para fora do Iraque, onde o parlamento, enraivecido com a visita súbita de Trump a uma base aérea dos Estados Unidos, votaram recentemente pela expulsão dos soldados (norte)americanos. Neste instante, cabe colocar aqui a quantia gasta pelos EUA em suas aventuras (e desventuras) no Oriente Médio desde o incidente de 11/09: $4.704.439.588.308 (quatro trilhões, setecentos e quatro bilhões quatrocentos e trinta e nove milhões, quinhentos e oitenta e oito mil e trezentos e oito dólares) já foram desperdiçados, ou, para ser ainda mais preciso, $14.444 (quatorze mil, quatrocentos e quarenta e quatro dólares) para cada homem, mulher e criança nos Estados Unidos.
Os maiores ganhadores serão, sem dúvida, os habitantes de toda a região, porque não serão mais objetos de assédio e bombardeio. A seguir, Rússia, China e Irã, com a Rússia solidificando sua posição como o árbitro incontestável nos acordos de segurança internacional, graças a sua capacidade militar sem paralelo e a já demonstrada capacidade em know how para fazer a paz coercitiva. O destino da Síria será decidido pela Rússia, Irã e Turquia, e os Estados Unidos sequer serão convidados para as conversações. A Afeganistão será açambarcado pela esfera do Organização de Cooperação de Xangai (Shangai Cooperation Organization, SCO – NT). Os maiores perdedores serão os antigos aliados dos Estados Unidos, em primeiro lugar Israel, seguido de perto pela Arábia Saudita.
Minha pergunta para você é a seguinte: Onde você colocaria os Estados Unidos (ou o Império) em seus cinco estágios do declínio e você acredita que os EUA (ou o Império) podem reverter a tendência?

    A seguir, a resposta de Dmitry:

  O colapso, em cada estágio, é um processo histórico que leva tempo para adquirir tração, pois o sistema se adapta a circunstâncias cambiantes, acha compensações para as fraquezas e encontra maneiras de continuar funcionando a certo nível. Mas o que pode mudar de repente é a confiança, ou, para colocar em termos mais profissionais, os sentimentos. Um grande segmento da população ou determinada classe política dentro de um país ou mesmo no mundo inteiro pode funcionar baseado em certos conjuntos de pressupostos por muito mais tempo que a situação permitiria, mas também pode mudar para um conjunto diferente de suposições em curto período de tempo. Só o que mantém o status quo depois desse ponto, é a inércia institucional. Ela impõe limites quanto à rapidez com que os sistemas podem mudar sem desabar completamente. Além desse ponto, as populações só continuarão a tolerar as velhas práticas enquanto não encontram substitutos para elas.

  Estágio 1: colapso financeiro. Acaba a confiança de que “tudo está (financeiramente) normal”.

    Internacionalmente, a maior mudança no sentimento do mundo tem a ver com o papel do dólar dos Estados Unidos (e, por extensão, do Euro e do Yen – as outras duas moedas que formam as três pernas do sistema globalista de bancos centrais). O mundo está em transição para o uso de moedas locais, trocas entre moedas e mercado de commodities lastreados em ouro. A catálise desta mudança de sentimento foi devidamente providenciada pela própria administração dos Estados Unidos, que minou as próprias fundações pelo uso de sanções unilaterais. Ao usar seu controle sobre as transações comerciais baseadas em dólares para bloquear transações internacionais, os EUA não podiam senão forçar os países atingidos a buscar alternativas. Agora, um número crescente de países pensam em se libertar das cadeias do dólar como um objetivo estratégico. A Rússia e a China usam o Rublo e o Yuan no seu comércio em crescimento; O Irã vende petróleo para a Índia e recebe em Rupias. A Arábia Saudita começou a aceitar o Yuan para o pagamento de seu petróleo.

   Esta mudança traz muitos efeitos cumulativos. Se o dólar não for mais necessário para conduzir o comércio internacional, outras nações não precisarão mais manter grandes quantidades dessa moeda em reserva. Consequentemente, não haverá mais necessidade de comprar grandes somas de títulos do tesouro (norte)americano. Assim sendo não será necessário manter grande excedente comercial com os Estados Unidos, o que quer dizer, na essência, ter prejuízo comercial. Além disso, o atrativo dos Estados Unidos como um mercado para exportação cairá, enquanto os custos de importação dos Estados Unidos subirão, inflacionando os custos. Na sequência, uma espiral viciosa na qual a capacidade do governo dos Estados Unidos de emprestar do mundo todo para financiar a enormidade de seus vários déficits se tornará ineficiente. Então, o default soberano (ou “calote”) do governo e o seguimento lógico da falência nacional acontecerão.

   Os Estados Unidos podem ainda parecer poderosos, mas sua situação fiscal complicada, somada à sua negação da implacabilidade da falência faz com que pareçam a Blanche DuBois da peça de Tennessee Williams chamada “Um bonde Chamado Desejo”. Ela era sempre “dependente da gentileza de estranhos”, mas tragicamente incapaz de perceber a diferença entre gentileza e desejo. No caso, o desejo (dos estranhos) é pela vantagem e segurança dos países e de minimizar os riscos, livrando-se de um parceiro comercial inconveniente.

   Se isso vem e passa rapidamente é difícil de adivinhar e impossível de calcular. É possível pensar em termos do sistema financeira usando uma analogia da física, com a massa financeira se deslocando a dada velocidade, adquirindo certa inércia (p=mv) e com forças agindo sobre essa massa par acelerá-la ao longo de uma trajetória diversa (F=ma). Também é possível pensar em hordas de animais em disparada que podem mudar de curso abruptamente quando em pânico. O movimento súbito nos mercados financeiros, onde trilhões de dólares de valores nacionais puramente especulativos viraram fumaça em apenas algumas semanas, estão mais alinhados com o último modelo.

   Estágio 2: Colapso comercial. Finda a confiança de que “o mercado proverá”.

   Na realidade, não há, dentro dos Estados Unidos, alternativa a não ser o mercado. Até que há certos enclaves rústicos, principalmente comunidades religiosas que podem alimentar a si mesmas, mas trata-se de uma raridade. Para todos os demais não há chance a não ser tornar-se um consumidor. Consumidores quebrados são chamados “imprestáveis”, mas ainda assim são consumidores. Na medida em que os Estados Unidos tem uma cultura, esta é comercial, na qual a bondade de uma pessoa é inferida pela boa soma de dinheiro que possua. Esta cultura pode morrer ao se tornar irrelevante (quando todos estão quebrados) mas ao se chegar nesse ponto, todos os elementos formadores dessa cultura provavelmente estarão também mortos. Como alternativa, essa cultura pode ser substituída por outra mais humana, que não se baseie inteiramente no culto à Mammon – ouso pensar, talvez, através de retorno à ética pré/católica/cristã/protestante que valorize a alma da pessoa mais que os objetos de valor?

     Estágio 3: colapso político. Termina a confiança de que “o governo tomará conta de você”.

    Neste momento, tudo está muito complicado, mas ouso apostar que a maioria da população dos Estados Unidos está tão alheia, tão estressado e tão preocupada com seus próprios vícios e obsessões para prestar atenção ao mundo da política. Dos que prestam atenção, um grande número aparentemente entendeu o fato de que os Estados Unidos já não é mais uma democracia, mas uma quadra de areia só para a elites nas qual as corporações multinacionais e interesses oligárquicos constroem e destroem os castelos de areia uns dos outros.

     A polarização política extrema, onde dois partidos igualmente favoráveis ao capitalismo e à guerra fingem entrar em batalha tentando demonstrar uma virtude imaginária pode ser um sintoma do estado decrépito de todo o espectro político: colocam o povo para apreciar a fumaça e ouvir a barulhada, na esperança de que assim sejam iludidos e não percebam que nada está funcionando direito.

      As coisas parecem ter tomado um caráter de briga palaciana – as picuinhas no interior da Casa Branca, os entreveros entre as duas casas do Congresso e no meio de tudo um inquisidor sombrio chamado Mueller – tem chegado no cerne da questão e lembram estranhamente vários outros colapsos políticos, como a desintegração do Império Otomano ou a queda e posterior decapitação de Luís XVI. O fato de que Trump, como os otomanos iminentes, preenche seu harém com mulheres oriundas da Europa Oriental empresta um toque de estranheza à coisa toda. Dito isso, a maioria do povo (norte)americano parece cego quanto à natureza de seus líderes, de uma maneira que os franceses definitivamente não está, como exemplificado pelos Gilets Jaunes.

     Estágio 4: Colapso social. Não existe mais a confiança que “as pessoas em volta cuidarão de você”.

    Há tempos (alguns anos) venho dizendo que o colapso social está em andamento dentro dos Estados Unidos, mesmo não se podendo dizer que o povo acredite que isso realmente importa. Isso seria assunto totalmente diferente. Como definir o “nosso povo”? É muito difícil. Os símbolos estão por aí – a bandeira, a estátua da liberdade e uma certa predileção por drinques gelados e pratos repletos de comida frita e gordurosa – mas o cadinho parece ter derretido e escorreu todo para a China. Atualmente, na metade das casas no interior dos Estados Unidos a linguagem falada não é mais o inglês, e em grande parte do restante, o que se fala é uma espécie de dialeto, variante do inglês, que não tem muito a ver com o “dialeto” falado nas televisões abertas e entre professores de universidades.

  Como uma nação e como uma colônia britânica, os Estados Unidos tem sido dominados por uma etnia originária dos anglo saxões. A designação “etnia” não é um rótulo étnico. Não é baseada estritamente em genealogia, linguagem, cultura, habitat, forma de governo ou qualquer outro fator único ou grupo de fatores. Tudo isso pode ser importante de uma maneira ou outra, mas a viabilidade de determinada etnia é baseada unicamente na sua coesão, na inclusão mútua e nos objetivos comuns de seus membros. A etnia anglo saxã alcançou se ápice na sequência da Segunda Guerra Mundial, na qual foram misturados pelo exército os seus grupos sociais e seus integrantes mais inteligentes.

  Um potencial fantástico livrou-se das amarras quando o privilégio – maldição que acompanhava a etnia anglo saxã desde seus primórdios – foi temporariamente substituído pelo mérito e os homens desmobilizados mais talentosos, de qualquer extração, receberam uma chance de educação e avanço social através do GI Bill (Lei aprovada pelos EUA depois da Segunda Guerra Mundial para beneficiar veteranos daquela guerra – NT). Falando um tipo novo Inglês (norte)Americano baseado no dialeto de Ohio como Lingua Franca (Língua franca ou língua de contato é a língua que um grupo multilíngue de seres humanos intencionalmente adota ou desenvolve para que todos consigam sistematicamente comunicar-se uns com os outros. Essa língua é geralmente diferente de todas as línguas naturais faladas pelos membros do grupo – NT – Fonte: Wikipedia) esses yankees – machos, racistas, sexistas e chauvinistas e, pelo menos era o que achavam, vitoriosos – estavam prontos para refazer o mundo inteiro à sua própria imagem.

   Manejaram para inundar o mundo inteiro com petróleo (naquela época a produção de petróleo dos EUA estava a pleno vapor) e máquinas para queimá-lo. Esses atos apaixonados de etnogênese são raros mas não incomuns: os romanos que conquistaram toda a bacia do Mediterrâneo, os bárbaros que saquearam Roma a seguir, os mongóis que mais tarde conquistaram a Eurásia e os alemães que por um breve período de tempo possuíram um imenso Lebensraum (espaço vital-conceito – NT) são outros exemplos. 

    Chegou o momento de perguntar: o que resta dessa orgulhosa etnia Anglo Saxã de conquistadores atualmente? Ouvimos apenas feministas esganiçadas gritando contra uma certa “masculinidade tóxica” e minorias de todo tipo berrando contra “whitesplaining” (linguagem de rua, White_’splaining, Whitesplainin’ intraduzível, mas com o sentido aproximado de “racista enrustido” – NT) e em resposta ouvimos apenas alguns resmungos, mas quase sempre, silêncio. Aqueles orgulhosos, aqueles viris yankees conquistadores que encontraram e fraternizaram com o Exército Vermelho no Rio Elba em 25 de abril de 1945 – onde se esconderam? Por acaso não se metamorfosearam numa pequena e lamentável subetnia de moleques mimados, afeminados viciados em pornografia que depilam os pelos pubianos e que precisam de permissão explícita para fazer sexo sem medo de ser mais tarde acusado de estupro?

   Será que a etnia anglo saxã sobreviverá apenas como uma relíquia distante, algo parecido com o que os ingleses conseguiram fazer com sua realeza (que hoje já não pode ser considerada tecnicamente como uma aristocracia, dado a exogamia que praticam com os plebeus)? Ou por acaso se acabará em uma onda de depressão, doença mental e abuso de drogas, lançando ao chão sua gloriosa história de rapinas, pilhagem e genocídio, derrubando as estátuas de seus heróis/criminosos de guerra? Só o tempo dirá.

    Estágio 5: Colapso cultural. Fim da confiança na “bondade do ser humano”.

    O termo “cultura” significa diferentes coisas para diferentes pessoas, mas é muito mais produtivo observar as culturas que matutar sobre elas. As culturas se expressam através de comportamentos estereotipados dos povos, que podem ser facilmente observados. Deixe-se de lado os estereótipos negativos, que servem apenas para identificar e excluir pessoas não identificadas com a etnia, e observe-se os estereótipos positivos – padrões culturais de comportamento, na realidade – tidos como indispensáveis para adequação e inclusão social. Podemos avaliar facilmente a viabilidade de determinada cultura apenas observando o comportamento estereotipado de seus membros.

·         As pessoas convivem de forma única e contínua, como um domínio soberano abrangente, ou está disposta de forma exclusiva, com (classes ou) enclaves potencialmente beligerantes, segregadas por renda, etnia, nível educacional, filiação política, etc? Você pode ver muitos muros, portões, barreiras, câmeras de segurança e placas de “proibida a passagem”? A lei é exercida de forma uniforme e alcança todos os lugares, ou há vizinhanças “boas” e vizinhanças “más”, existem zonas de acesso proibido onde nem a polícia se atreve a entrar?

·         As pessoas comuns podem andar juntas espontaneamente em público, podem entrar em conversação ou se reunirem e se sentirem bem reunidas, ou são tímidas e temerosas, preferindo esconder o rosto no retângulo de um smartphone, guardando ciosamente seu espaço pessoal, prontas para considerar qualquer invasão desse espaço como prenúncio de assalto?

·         As pessoas continuam de boa paz e tolerantes mesmo sob pressão, ou se escondem por trás de uma fachada de polidez tensa e superficial, reagindo imediatamente com um acesso de raiva à menor provocação? Suas conversas ocorrem em tom baixo, respeitoso e polido, ou são altas, estridentes, rudes e cheias de palavras de baixo calão? As pessoas se vestem bem, por respeito ou por exibição ou são desleixadas, mesmo aquelas com dinheiro suficiente?

·         Observe o comportamento das crianças: elas tem medo de estranhos e estão fechadas em seu mundinho particular, ou estão abertas para o mundo e prontas para tratar os estranhos como um irmão irmã, tio ou tia, avó ou avô substituto, sem exigir qualquer introdução especial? Os adultos ignoram intencionalmente os filhos dos outros ou se comportam espontaneamente como se fôssemos uma grande família?

·         Se acontecer um acidente rodoviário, as pessoas se apressarão em ajudar uns aos outros no resgate e afastar os outros antes que tudo exploda, ou elas, como nas imortais palavras de Frank Zappa “vão telefonar e chamar mais alguns flocos” que “apressados, danarão com tudo ainda mais”? [1]


·         Na hipótese de um incêndio ou inundação os vizinhos oferecerão suas casas para abrigar os que ficaram ao relento, ou preferirão esperar que as autoridades tomem conta, levando-os para algum abrigo improvisado?

    É possível numerar estatísticas ou providenciar evidência empírica para afirmar o estado ou viabilidade de determinada cultura, mas observando e utilizando outros sentidos poderemos providenciar por nós mesmos toda a evidência necessária para resolvermos por nós mesmos quanta confiança na “bondade da humanidade” poderemos acalentar em relação às pessoas que nos cercam.
      Dmitry concluiu sua resposta resumindo sua visão desta forma:
    O colapso social e/ou cultural estão ainda relativamente distantes. O colapso financeiro está só esperando algo que lhe dê início. O colapso comercial acontecerá em estágios, alguns dos quais – locais com escassez de alimentos frescos e saudáveis, por exemplo – já acontece em vários pontos do país. O colapso político só se tornará visível quando a classe política finalmente entregar os pontos. Nada é simples, nem é fácil dizer que estágio já alcançamos. Todos eles acabam acontecendo em paralelo, de alguma maneira.
   Minha própria opinião (totalmente subjetiva) é que os Estados Unidos já estão sofrendo os estágios de 1 a 4, e que há sinais de que o estágio 5 começou; principalmente nas grandes metrópoles, enquanto nas pequenas cidades e áreas rurais dos EUA (aliás, a base do poder de Trump) ainda se luta para continuar mantendo as normas e comportamentos observáveis nos Estados Unidos dos anos 80. Quando recebo visitas da Europa eles sempre comentam quão amigáveis e hospitaleiros os (norte)americanos são (e é verdade, eu moro em uma pequena cidade no centro-leste da Florida, não em Miami...). São comunidades que votaram em Trump porque ele disse: “queremos nosso país de volta”. Infelizmente, em vez de dar ao povo seu país de volta, Trump o deu de presente aos neocons...
Conclusão: ligando os pontos; ou não
  Enquanto isso, as elites que governam o país estão armadilhadas em um conflito interno surdo, que só enfraquece cada vez mais os Estados Unidos. É revelador perceber que o Partido Democrata ainda está ligado em um abraço de morte com as mesmas velhas, incompetentes e infinitamente arrogantes lideranças, apesar do fato de todo o mundo saber que o Partido Democrata está mergulhado em crise profunda e novas lideranças são desesperadoramente necessárias. Mas não, eles continuam presos as suas velhas práticas e nas mãos da mesma velha gang de gerontocratas que continua a ditar os rumos do partido.
   Um sinal infalível de degeneração ocorre quando um regime só consegue produzir líderes incompetentes, sempre velhos, completamente fora da realidade e que creditam a culpa de seus fracasso a fatos ou internos (“deploráveis”) ou externos (“Rússia”).  Pense novamente na União Soviética sob Brejnenev, o regime de apartheid na África do Sul sob F. W. de Klerk ou na Rússia de 1917 sob o regime Kerensky. A situação fica claríssima quando se pode afirmar que o líder político que os AngloSionistas mais tentam assustar refira-se a eles como “idiotas completos”, é ou não é?

  Quanto aos Republicanos, basicamente não passam de partido subsidiário do Likud israelense. Basta dar uma olhada na quantidade de imbecis que o Likud produz em casa para fazer uma ideia do estrago que causa nos Estados Unidos, sua colônia.

      Os Estados Unidos eventualmente poderão ser reconstruídos; não tenho dúvidas quanto a isso, de forma alguma. Trata-se de um grande país, com milhões de pessoas muito talentosas, recursos naturais imensos e sem nenhuma ameaça real para o seu território. Mas isso só acontecerá quando houve uma mudança *verdadeira* de regime (ao contrário de uma mera mudança na administração presidencial) a qual, por si mesma, só acontecerá depois da fase “E2” do colapso.

  Enquanto isso, continuaremos a esperar Godot.
 The Saker
[1] Tratam-se de dois versos da canção “Flakes” de Frank Zappa, onde o poeta/compositor fala da indiferença e inutilidade do ser humano, comparando-o a flocos de neve, que não servem para nada, duram pouco e só conseguem tornar as coisas ainda piores. Abaixo, a transcrição da música:
FLAKES
Flakes! Flakes!
Flakes! Flakes!
They don't do no good
They never be workin'
When they oughta should
They waste your time
They're wastin' mine
California’s got the most of them
Boy, they got a host of them
Swear t'God they got the most
At every business on the coast
Swear t'God they got the most
At every business on the coast
They got the Flakes
Flakes! Flakes!
They can't fix yer brakes
You ask 'em, "Where's my motor?"
"Well, it was eaten by snakes . . . "
You can stab 'n shoot 'n spit
But they won't be fixin' it
They're lyin' an' lazy
They can be drivin' you crazy
Swear t'God they got the most
At every business on the coast
Swear t'God they got the most
At every business on the coast
(Take it away, Bob . . . )
I asked as nice as I could
If my job would
Somehow be finished by Friday
Well, the whole damn weekend
Came 'n went, Frankie
(Wanna buy some mandies, Bob?)
You know what? They didn't do nothin'
But they charged me double for Sunday
Now, you know, no matter what you do,
They gonna cheat 'n rob you
'N then they'll give you a bill
'N it'll get your senses reelin'
And if you do not pay
They got computer collectors
That'll get you so crazy
'Til your head'll go through th' ceilin'
Yes it will!
I'm a moron 'n this is my wife
She's frosting a cake
With a paper knife
All what we got here's
American made
It's a little bit cheesey,
But it's nicely displayed
Well we don't get excited when it
Crumbles 'n breaks
We just get on the phone
And call up some Flakes
They rush on over
'N wreck it some more
'N we are so dumb
They're linin' up at our door
Well, my toilet went crazy
Yesterday afternoon
The plumber he says
"Never flush a tampoon!"
This great information
Cost me half a week's pay
And the toilet blew up
Later on the next day ay-eee-ay
Yeah ay-eee-ay
Yeah ay-eee-ay
Yeah ay-eee-ay
Blew up the next day
WOO-OOO
One Two Three Four!
Flakes! Flakes!
Flakes! Flakes!
Flakes! Flakes!
One Two Three Four!
FLAKES!
We are millions 'n millions
We're coming to get you
We're protected by unions
So don't let it upset you
Can't escape the conclusion
It's probably God's Will
That civilization
Will grind to a standstill
And we are the people
Who will make it all happen
While yer children is sleepin',
Yer puppy is crappin'
You might call us Flakes
Or something else you might coin us
We know you're so greedy
That you'll probably join us
We're coming to get you, we're coming to get you
We're coming to get you, we're coming to get you
We're coming to get you, we're coming to get you
We're coming to get you, we're coming to get you

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