quarta-feira, 20 de março de 2019

Bettina e a arte de fisgar otários na internet. Por Miguel Enriquez



“A cada minuto, nasce um otário”. Essa tirada imortal, indevidamente atribuída ao maior empresário americano do “show business” do século 19, P.T.Barnum, criador do Barnum & Barley Circus, nunca foi tão verdadeira como no Brasil de hoje.

Do DCM:

Bettina e a arte de fisgar otários. Por Miguel Enriquez

 
Bettina

POR MIGUEL ENRIQUEZ
“A cada minuto, nasce um otário”. Essa tirada imortal, indevidamente atribuída ao maior empresário americano do “show business” do século 19, P.T.Barnum, criador do Barnum & Barley Circus, nunca foi tão verdadeira como no Brasil de hoje.
Mais do que isso: turbinada pela internet e pelas redes sociais, a legião de otários instantâneos se multiplicou por alguns milhares, para a alegria e fortuna de alguns espertos.
Aparentemente, é o que se pode deduzir da repercussão espetacular de um vídeo massivamente veiculado no You Tube, pela Empiricus, empresa paulista de análise de investimentos, na primeira quinzena de março.
Na peça, uma jovem loira e bem apessoada de 22 anos, chamada Bettina “com dois Ts” Rudolph, revela  que acumulara um patrimônio de um milhão e 42 mil reais, a partir de um aporte inicial de R$ 1.520,00, em apenas três anos.
Não faltaram, é certo, questionamentos de todo tipo em relação à história de sucesso compartilhada pela moça, que inicialmente omitiu sua condição de funcionária da Empiricus.
Especialistas, como o economista Samy Dana, professor da Fundação Getúlio Vargas e comentarista de finanças pessoais da Globonews, e Michael Viriato, professor do Insper, reduziram a pó a veracidade do feito de Bettina, capaz de humilhar craques do mundo dos negócios, como o americano Warren Buffet.
Como lembra  Viriato, o “mago de Omaha”, em seu melhor momento, conseguiu uma valorização acumulada de  300% em três anos.
Calculadora na mão, Dana mostrou a impossibilidade de que o desempenho inicial da investidora da Empiricus, que multiplicou por 685,3 vezes seu patrimônio em três anos, tivesse ocorrido.
Além disso, projetou o que aconteceria caso a performance dela se mantivesse, no futuro. “Daqui a 15 anos, nossa heroína terá 37 anos de idade e um patrimônio de 157 quintilhões de reais: 2 milhões de vezes o PIB americano de 2018 e 316 milhões de vezes a fortuna de Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, segundo a Forbes”, escreveu Dana.
Rapidamente, a narrativa da moça dos “dois T”, que provocou uma enxurrada de memes na internet, foi sendo retificada.
Não foram apenas os R$ 1.520,00  de 2016 que a transformaram numa pequena milionária, admitiu. Houve uma contribuição paterna mixuruca, de R$ 35 mil, além da aplicação continua dos rendimentos de alguns bicos, tipo distribuição de panfletos de propaganda nas ruas, pesquisas para a Federação do Comércio de São Paulo e, aulas particulares, atividades não exatamente muito bem remuneradas, como se sabe.
Some-se a isso,  a metade dos salários e a totalidade de bônus  recebidos depois que a “tia Patinhas”, como  ela chegou a ser chamada nas redes sociais, passou a trabalhar para a Empiricus, há exatamente um ano.
Candidamente, Bettina, promovida a superstar instantânea, só não soube explicar o quanto teria investido ao longo destes três anos, o que evidentemente dificulta saber qual foi o exato retorno de suas aplicações, o que sem dúvida ajudaria na tomada de decisão dos candidatos a milionários visados pela Empiricus.
“Não sei, porque foi mês a mês. Nunca parei para fazer essa conta”, afirmou Bettina à Folha de S.Paulo.
Bettina, assim como a Empiricus, minimiza as críticas quanto a falta de clareza do vídeo estrelado por ela no vídeo veiculado no You Tube, uma maneira diplomática de referir-se à propaganda enganosa.
Bettina chega mesmo a negar ter dito que transformou R$ 1 520s em mais de 1 milhão no período de três anos. A ideia, sustenta,  era usar aquele valor para mostrar que é possível investir na Bolsa com pouco.
Ou seja, para Bettina, alinhada com seus patrões da Empiricus, o teor enganoso do vídeo, não passaria de uma licença poética, utilizada em nome de uma causa maior: aprimorar a educação financeira dos brasileiros.
“A minha missão é mudar a educação financeira. Temos a maior parte do dinheiro do brasileiro em poupança”, diz a garota, transformada numa espécie de Anita Garibaldi do mercado de capitais. “Todo brasileiro deveria saber das suas opções e aonde pode chegar. E todo mundo pode chegar.”
Não é a primeira vez que a jovem formada em administração de empresas pela Furb, a Universidade Regional de Blumenau, em Santa Catarina, protagoniza um vídeo do gênero.
Prova disso é um vídeo resgatado pelo blog Izzy Nobre, de três anos atrás, antes da sua contratação pela Empiricus, portanto.
Nele, a investidora é apresentada como “A menina de 19 anos que embolsou R$ 72.818 em apenas 18 meses”. Trata-se de um suposto crescimento de 168, 32% no capital de R$ 43.262,  que se transformou em R$ 116.080, em um ano e meio.
Capital bem mais robusto e menos chamativo do que os R$ 1520  da campanha atual. Talvez por isso mesmo, menos chamativo, passou batido e não despertou tanta atenção como o de março.
Principal patrocinador desse estilo tortuoso, Felipe Miranda, o chefão da Empiricus, é todo elogios à discípula.
“Para mim, em particular, é motivo de especial satisfação ver a Bettina se dispondo a abrir, da forma mais transparente possível sua conta bancária pessoal e sua evolução patrimonial, mostrando o quanto é possível cidadãos comuns ganharem dinheiro com ações”, diz Miranda.
“Isso engaja as pessoas, viraliza, contamina, causa mudança de comportamento — é o que a Bettina está tentando fazer; ir parar no trending topics é um sinal inequívoco de que deu certo.”
Num primeiro momento, a notoriedade da garota-propaganda e toda a celeuma provocada pelo vídeo (não faltaram menções moralistas à origem social de Bettina, filha de um dos donos de uma empresa metalúrgica de Santa Catarina) acabaram rendendo dividendos para a Empiricus.
Segundo a empresa, em uma semana, graças ao vídeo, que teria sido visto por 15 milhões de internautas, cerca de 1 milhão de pessoas se inscreveram para ganhar acesso gratuito aos seus conteúdos.
Provavelmente, admite a própria concorrência, baseada na velha máxima do saudoso P.T.Barnum, deverá haver um aumento do número de assinantes dos relatórios da Empíricus, hoje em torno de 325 mil pela assinatura de seus relatórios, que podem custar de R$ 14 a  R$ 339 por mês.
Como diz em seu site, a Empiricus não é um banco, nem uma corretora que oferecem produtos financeiros a seus clientes. “Vendemos assinaturas, onde publicamos ideias com as melhores sugestões de investimentos, em várias estratégias diferentes. De A a Z”, define-se a empresa.
Mas há um porém. Se, por um lado, a repercussão da apresentação da Bettina “com dois T” colocou a Empiricus em evidência para o grande público, por outro, acabou colocando-a na mira dos órgãos de regulação do consumidor e de propaganda. 
O Procon/SP, por exemplo, já encaminhou um pedido de esclarecimentos à Empiricus, exigindo que explique se o vídeo  veiculado   se refere a uma campanha publicitária.
Ao mesmo tempo, exige a apresentação dos documentos que comprovem a veracidade do que foi anunciado, com a demonstração da evolução financeira de Bettina, no prazo de 48 horas.
O caso também está sendo apreciado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, bem como pelo o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que estuda abrir processo contra a companhia.
Na verdade, o “affaire” Bettina, embora seguramente seja o mais estridente provocado pelas práticas pouco transparentes e agressivas de comunicação da Empiricus com seus potenciais clientes,  não é o único. Como se dizia antigamente, a empresa é useira e vezeira no uso desses expedientes.
Em 2012, Marcos Eduardo Elias, um dos fundadores da Empiricus, teve seu credenciamento de analista suspenso por 12 meses pela Associação dos Analistas do Mercado de Capitais ( Apimec).  Juntamente com dois sócios da empresa, Rodolfo Cirne Armstalden e Roberto Altenhofen, Elias, que deixou a Empiricus no mesmo ano, foi acusado de violação do código de conduta da entidade, por produzirem relatórios considerados agressivos ao frigorífico Marfrig.
Cinco anos depois, a Empiricus voltou a ser punida pela Apimec, que decidiu suspender o CEO Miranda e os analistas Gabriel Ignatti Casonato e Bruce Barbosa por um mês.  Os três foram  proibidos de assinar relatórios de análise, marketing  e-mails ou qualquer outra comunicação relativa ao mercado financeiro entre 16 de novembro e 15 de dezembro de 2017.
Motivo: os e-mails enviados pela empresa a potenciais clientes foram considerados propaganda enganosa pela  associação, por induzirem o investidor a acreditar que o retorno dos investimentos é garantido ou não alertar de forma clara sobre os riscos de perda envolvidos.
Os alvos da denúncia, que também foi feita à Comissão de Valores Mobiliários (CVM),  foram três e-mails enviados pela Empiricus com os seguintes títulos:”Double X: uma maneira totalmente inovadora de ter um lucro potencial de 995,1% em 12 meses”; “A nova oportunidade da sua vida” e “A estratégia capaz de transformar R$ 1.500 em mais de R$ 227 mil em apenas um mês”.
Lembram algum episódio recente?
PS: A Empiricus também tem um  passivo, quando se trata da recomendação de “barbadas” no mercado acionário. A empresa se tornou célebre como uma das mais ardorosas propagandistas dos papéis da finada OGX, a petroleira do grupo EBX, do empresário Eike Batista, que prometia transformá-la numa réplica privada de menor porte da Petrobras.
A Empiricus, que nos bons tempos chegou a prever que o valor da ação da OGX poderia chegar a R$ 60, manteve inabalável sua fé na companhia, mesmo quando se acentuava o seu naufrágio e praticamente todo o mercado (leia-se bancos como o Itaú, Santander, Citi e BTG Pactual) haviam desembarcado desses papéis.
Ela continuava a recomendar o investimento na OGX no fim de junho de 2011, época em que as ações da petroleira eram cotadas a R$ 6,25, uma queda de 73,6% sobre seu pico de valorização de R$ 23,37.
Essa postura persistiu até janeiro de 2013, quando nem o próprio Eike apostava um tostão furado em sua empresa.
Um relatório de 2012, a Empiricus considerava que  o “valuation continuava atrativo e o fluxo de notícias negativas iria acabar”. Um de seus analistas dizia que as recomendações eram dirigidas a quem tem “estômago para a volatilidade.”

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