quarta-feira, 27 de março de 2019

As provocações de André Lara Resende sobre a política monetária pró=naqueiros, por Luis Nassif

Por
 Luis Nassi



GGN. - André Lara Resende sempre foi o teoricamente mais preparado dos economistas do Real. Deve-se a ele não apenas a formulação da transição da hiperinflação para a nova moeda, com a criação da URV, como a condução da própria política monetária e cambial nos primeiros anos do Real.
Foi algo inédito no já tradicional hábito do insider trading nacional, ou seja, o uso de informação privilegiada. O Real foi implantado em meados de 1994. No final do ano, com Fernando Henrique Cardoso eleito presidente, André deixou o governo e, junto com Luiz Carlos Mendonça de Barros, adquiriu a então distribuidora da Pirelli. Trouxeram como sócios alguns grandes operadores do mercado e se teve a situação inédita do insider da distribuidora ser o próprio sócio.
A brava imprensa montou um escândalo sem tamanho quando outro pai do Real, Pérsio Arida, hospedou-se na fazenda do presidente do BBA, Fernão Bracher, um episódio absolutamente irrelevante. Se quisessem trocar informações confidenciais, muito mais prático se reunir em algum escritório em São Paulo. E deixou passar em branco o absurdo do principal condutor da política monetária não trabalhar no governo e ser sócio de uma distribuidora que ganhou rios de dinheiro com suas decisões.
Mas isto é passado.
Nos últimos tempos, a exemplo de Paul Krugman e outros grandes economistas, André se tornou um crítico acerbo do mainstream econômico. O ponto central de questionamento é em relação ao papel da política monetária no combate à inflação – que resultou na teoria das metas inflacionárias, principal responsável pelo aumento exponencial da dívida pública brasileira. Diz ela que se a inflação aumenta, a taxa real de juros (ou seja, a taxa descontada a inflação) tem que aumentar. A cada aumento da inflação, portanto, a taxa de juros aumentava mais que proporcionalmente.
A discussão teórica por trás disso está na maneira como a teoria monetária enxerga o papel da moeda: como meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. Por conta dessa visão, um aumento na emissão de moeda provocaria a sua desvalorização, pelo excesso de oferta, resultando em inflação.
Mas isto é passado.
Nos últimos tempos, a exemplo de Paul Krugman e outros grandes economistas, André se tornou um crítico acerbo do mainstream econômico. O ponto central de questionamento é em relação ao papel da política monetária no combate à inflação – que resultou na teoria das metas inflacionárias, principal responsável pelo aumento exponencial da dívida pública brasileira. Diz ela que se a inflação aumenta, a taxa real de juros (ou seja, a taxa descontada a inflação) tem que aumentar. A cada aumento da inflação, portanto, a taxa de juros aumentava mais que proporcionalmente.
A discussão teórica por trás disso está na maneira como a teoria monetária enxerga o papel da moeda: como meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. Por conta dessa visão, um aumento na emissão de moeda provocaria a sua desvalorização, pelo excesso de oferta, resultando em inflação.
André questiona esse princípio com base em tudo o que ocorreu na economia mundial na última década. Juros negativos, expansão enorme da liquidez e a inflação totalmente sob controle. A teoria convencional não conseguiu desenvolver uma explicação lógica para esse paradoxo.
Com base nisso, André passa a minimizar o papel da moeda como unidade de valor. Diz que o governo pode aumentar seus gastos emitindo moedas, sem impactar os preços, desde que haja capacidade ociosa na economia. Enfim, uma constatação banal em cima do que ocorreu nos últimos tempos.
A partir daí, entra no cerne da questão.
O que jogou a economia brasileira em uma semi-estagnação nesses anos todos foram taxas de juros muito acima da taxa de crescimento da economia. Ninguém irá investir em setores cujo retorno seja inferior ao da taxa básica da economia. Se a taxa de crescimento for inferior à taxa de juros, haverá um desestímulo ao investimento.
Ora, o termômetro principal da questão fiscal é a relação dívida/PIB. André minimiza. Primeiro, porque há duas maneiras de reduzir a relação: ou aumentando o PIB, ou reduzindo os juros.
Segundo, porque as taxas de juros sistematicamente acima do crescimento do PIB foram a principal causa da semi-estagnação da economia.
A partir daí, entra na questão central:
  • se a redução da taxa de juros não irá impactar a inflação;
  • se as taxas têm que crescer abaixo do crescimento esperado do PIB;
  • se a questão fiscal depende da redução da relação dívida/PIB,
  • o caminho lógico é reduzir os juros para um nível inferior ao da taxa de crescimento esperado.
E aí bateu no tabu da Casa das Garças – o centro ideológico criado por seu companheiro de Real, Edmar Bacha. Bacha foi incumbido de defender os juros elevados. E acabou produzindo  para o jornal Valor Econômico, palco das discussões sobre o tema, um artigo curiosíssimo: “Comentários ao texto de André Lara Resende, por Edmar Bacha”. Não fosse seu trabalho acadêmico pré-Real, o artigo publicado seria mais devastador para sua reputação que o currículo Lattes do Ministro da Educação.
Seu primeiro argumento é padrão da precariedade da discussão econômica no Brasil. Cria um rótulo para os argumentos de André (o MMT, modern money theory). Depois, apresenta uma enorme relação de economistas que criticam o MMT. Ao que André respondeu, corretamente, que a discussão deveria ser em torno de argumentos e que ele pensava por conta própria, não precisando apelar para julgamentos de terceiros.
Os argumentos técnicos de Bacha estão no pé do seu artigo. Toda a argumentação técnica se resume aos parágrafos abaixo. E aí está o link para que não pensem que estou satirizando o conhecimento de Bacha:
“A taxa de juros relevante para nossa discussão é esta taxa paga pelo Tesouro, e não a taxa de juros que se infere das estatísticas do déficit público. É que esta última taxa incorpora o custo de carregamento dos ativos do governo, como reservas internacionais, empréstimos ao BNDES e outros bancos públicos, além de fundos e programas. Por isso mesmo, nas estatísticas do déficit público, que foi de 7,1% do PIB no ano passado, a conta de juros aparece com um valor de 5,5% do PIB, enquanto que o déficit primário aparece com apenas 1,6% do PIB.
Entretanto, a coisa muda de figura se, como seria correto, passarmos o custo do carregamento dos ativos do governo da conta de juros para o déficit primário, e deixarmos na conta de juros apenas o custo do pagamento da dívida do governo. Com esta mudança, a conta de juros baixaria para 3,7% do PIB enquanto que o déficit primário atingiria 3,4% do PIB – valores praticamente equivalentes entre si. Ou seja, nem só de juros vive nosso déficit. 
Nem se peça a ela para estimar o impacto da taxa de juros no nível de atividade e, por consequência, na arrecadação fiscal. Seria complicar demais seu modelito. Mas confira a conclusão que ele tira daí:
Fechados os parênteses, minha conclusão é que, mantidas as condições atuais, devemos continuar a conviver com uma taxa de juros sobre a dívida pública que supera a taxa de crescimento do PIB. Por isso, é importante alcançar um superávit primário nas contas do governo, para evitar que a relação entre a dívida e o PIB, que já é alta para padrões de países emergentes, continue a crescer indefinidamente.
A conclusão nada tem a ver com os argumentos invocados! Está bem, o peso dos juros no déficit é de 3,7% e não de 5,5%. O que isso tem a ver com a conclusão de que “devemos continuar a conviver com uma taxa de juros sobre a dívida pública que supera a taxa de crescimento do PIB”? Rigorosamente, nada.
Mas é em cima desses bordões é que caminha a discussão econômica brasileira. E olhe que Bacha cometeu uma heresia, ao admitir um peso dos juros de 3,7% do PIB sobre a dívida púbica. Alguns seguidores cegos do mercado sustentam que, como a dívida é rolada, o peso é uma pluma.

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