Nos últimos anos, o governo assumiu o processo de redução dos direitos com a subordinação das políticas sociais à lógica da “estabilização econômica”
Do Justificando:
Imagem/ Fonte: Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (CELAG)/ celag.org
Por Maciana de Freitas e Souza
Para discutir as Políticas Sociais sob a perspectiva dialética, faz-se necessário analisar o desenvolvimento do capitalismo, o papel do Estado e das classes sociais. Compreender os caminhos trilhados podem nos ajudar a entender desafios atuais e futuros, sobretudo no que diz respeito ao projeto político nacional que vêm se desenhando.
A crise global do capital que repercute nos dias atuais teve seu impacto mais expressivo no final da década de 1970, quando provocou mudanças estruturais no processo de produção capitalista e no campo da reprodução social redimensionando às relações econômicas, sociais, políticas e culturais.
O ordenamento jurídico que sustenta a política de assistência social como direito constitucional subsiste dentro de um contexto de avanços do ideário neoliberal que reduz gastos na área social em prol do desenvolvimento econômico. O Estado, como pilar fundamental de sustentação do capital, assume a condução do processo de redução dos direitos com a subordinação das políticas sociais à lógica de estabilização econômica.
A Constituição Federal de 1988 [1] reconheceu a assistência social como um direito fundamental. O artigo 203 determina que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social” (BRASIL, 1988). No artigo 204 encontram-se duas diretrizes da política de assistência social, relacionadas à descentralização político-administrativa e à participação da população e controle social.
Apesar das vantagens trazidas à população com a criação da política de Assistência social é preciso analisá-la criticamente, tentando estabelecer a materialidade desta, pois ainda persiste uma grande lacuna entre a política no plano formal e o que se esboça na sua concretização.
O ideário neoliberal no Brasil tem sido responsável pela redução dos direitos sociais e trabalhistas, manifestada no acirramento do desemprego estrutural, na precarização das relações e condições de trabalho, e no desmonte dos serviços sociais. No final da década de 1980 já podem ser observados no país os primeiros “sinais” do projeto neoliberal, com implicações no modo de produzir e viver.
Neste contexto se estabelecem mecanismos de subordinação do Estado ao mercado. Neste sentido, há uma ênfase na criação de parcerias do Estado com a sociedade civil. Isso acaba refletindo nos princípios e na qualidade dos serviços e programas prestados aos usuários, além de promover o desmonte da participação social nos espaços de controle social.
Na concepção de Sposati (2005) [2] sobre a realidade brasileira há “uma regulação social tardia e frágil na efetivação dos direitos sociais, principalmente pela vivência de processos ditatoriais agravados pela sua duração e travamento da maturação democrática da sociedade” (p. 508).
Nos governos de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff é importante considerar que houve uma redução expressiva da desigualdade social e avanços sociais com a criação de alguns programas como o Bolsa Família. Contudo, os fatores de continuidade da política neoliberal vistos nos anos 1990 permaneceram. Mota (2012) [3], ao abordar a política neodesenvolvimentista desses governos, afirma que ao mesmo tempo em que cumpre tarefas democráticas, “A pobreza aparece distanciada dos debates estruturais e é transformada num objeto técnico em si”. ( p. 181).
Com o golpe de estado de 2016, que culmina na destituição da presidenta Dilma, o Presidente interino Michel Temer, na intenção de manter níveis econômicos satisfatórios, para mencionar alguns dos retrocessos, aprova a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos (EC nº 95/2016), que limita, por 20 anos a ampliação dos gastos na área social, com o objetivo de garantir a “[…] conservação e modernização da ordem capitalista”. (MOTA, 2012, p. 23).
Com a ascensão da extrema direita, a expectativa de o Estado cumprir sua responsabilidade de investir e ampliar os programas sociais se torna cada vez mais distante. As medidas propostas pelo novo governo Bolsonaro abrem totalmente as portas para os interesses do capital e do empresariado, o que significará retrocessos do ponto de vista social dificultando a concretização de serviços públicos de qualidade que possam atender as reais necessidades da população. Com isso assistimos a um progressivo retorno das desigualdades econômicas e sociais.
A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) [4], do IBGE, divulgados no fim de 2018, mostram que, entre 2016 e 2017, a proporção de pessoas pobres no Brasil subiu de 25,7% para 26,5% da população: um aumento de 2 milhões. Já o grupo dos extremamente pobres cresceu de 6,6% da população em 2016 para 7,4% em 2017, passando de 13,5 milhões para 15,2 milhões.
Nesse contexto, observa-se que as necessidades sociais não tem sido prioridade da atuação estatal, e que faltam propostas sérias e eficientes para a solução de problemas econômicos e sociais. Concretamente, a institucionalização da política de austeridade fiscal e o corte de gastos no orçamento público para áreas sociais impactam a forma como as pessoas se relacionam no mundo do trabalho e no seu acesso a direitos.
Dado que o cenário atual impõe inúmeras adversidades, (re)pensar as políticas públicas no atual contexto, debatendo os principais desafios e possibilidades, torna-se fundamental. Neste processo, mesmo com o seu caráter contraditório, compreendemos as políticas sociais como dispositivos de acesso a direitos cidadãos e enfrentamento das mais diversas vulnerabilidades presentes em nossa sociedade.
A partir disso, fica clara a importância da militância política, como elemento chave para impulsionar algumas pautas, permitindo que sejam construídas soluções e alternativas reais no que se refere às barreiras impostas pelas instituições estatais.
Maciana de Freitas e Souza é bacharela em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
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Notas:
[1] Brasil. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016. 496
[2] SPOSATI, Aldaíza. A gestão da assistência social na cidade de São Paulo (2001-2004). In: Revista de Administração Pública/RAP. Rio de Janeiro, 39 (3): 505-573, Maio/Junho, 2005.
[3] MOTA, Ana Elizabete (Org.). Desenvolvimentismo e construção de hegemonia: crescimento econômico e reprodução da desigualdade. São Paulo: Cortez, 2012.
[4] https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101629.pdf. Acesso em 18 de março de 2019.
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