ENQUANTO MINISTRO da Justiça, o atual ministro do STF Alexandre de Moraes afirmou que o Brasil precisava de mais armas e menos pesquisas. A lógica absurda venceu. É exatamente o que acontece no país. A Bancada da Bala nunca esteve tão forte politicamente junto ao Executivo, obtendo vitórias expressivas no Congresso, enquanto a ciência brasileira nunca esteve tão desprestigiada.
Uma das primeiras medidas de Temer após o golpe foi fundir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o da Comunicação, o que resultou em menos funcionários e menos verbas para cuidar da ciência. Se antes a vida dos cientistas brasileiros já não era fácil, com o governo Temer se tornou trágica.
Houve um corte de 44% nas verbas destinadas à comunidade científica em 2017, levando diversos institutos de pesquisas ao colapso financeiro. Muitos tiveram que demitir funcionários, reduzir jornadas e correm o risco de serem fechados. A crise econômica jamais poderia ser desculpa para o sufocamento da ciência, já que produção de conhecimento gera riqueza e tem impacto direto no crescimento econômico, além de fortalecer a soberania nacional. Para os arquitetos da Ponte para o Futuro, o dinheiro destinado à ciência é visto como gasto, e não como um investimento no futuro do país.
Só neste ano, cientistas brasileiros saíram às ruas três vezes para protestar contra o corte de verbas. Cerca de mil pessoas tomaram o vão do MASP no último domingo. Helena Nader, pesquisadora da Unifesp e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, falou para a Folha sobre a importância do investimento em ciência para o desenvolvimento do país:
“Não estamos brigando por aumento de salário; estamos brigando para ter recursos para trabalhar. Tentamos mostrar às pessoas que a ciência está em tudo, na descoberta e na exploração do pré-sal, nos aviões da Embraer, nas sementes da Embrapa, no combate à zika etc”
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Pesquisadores marcham na Paulista contra cortes de Temer na ciência

(Alberto Rocha/Folhapress)
Uma carta assinada por 23 vencedores do Prêmio Nobel pedindo o fim dos cortes chegou à mesa de Temer, que até agora não se pronunciou e provavelmente não se pronunciará, já que sua grande preocupação no momento não é o colapso financeiro da ciência nacional, mas pressionar aliados para se safar da segunda denúncia da PGR. O grupo parlamentar que mais contribuiu para a rejeição da primeira denúncia foi a sempre leal bancada da bala, que contribuiu decisivamente com 167 votos para o engavetamento. Temer, claro, nunca economizou nos afagos à turminha. Sem consultar o Congresso, o presidente editou portarias e decretos que afrouxaram o controle de armas.  
Um projeto de lei de 2015 de Tadeu Filippelli (PMDB) — ex-assessor especial de Temer que foi preso por desviar dinheiro de obras da Copa — que altera o Estatuto do Desarmamento e autoriza o porte de arma de fogo para agentes de trânsito, foi aprovado com larga maioria na Câmara e no Senado. Agora, se o presidente ilegítimo legitimar a barbaridade, funcionários públicos que antes portavam apenas talões de multas passarão a trabalhar armados e com a responsabilidade adicional de combater o crime. Com a aprovação da alteração no estatuto, só no estado de São Paulo teremos mais de 3 mil armas na praça.
O diretor do sindicato dos Trabalhadores do Sistema Viário do Estado de São Paulo tentou dizer o óbvio: “Podemos estar atuando em algum cruzamento e acontece um assalto. A primeira coisa que a população vai fazer é recorrer ao agente de trânsito. Não é nossa função. Nós não somos polícia. Nós não somos policiais. O porte de arma para gente é extremamente complicado”.
Guardas de trânsito acumularão funções e sofrerão mais riscos durante o dia a dia, o que inevitavelmente fará seus salários aumentarem. Além disso, terão que passar por treinamentos para poderem portar armas. Parece que esse aumento de gastos será tolerado pelos mesmos que têm obsessão em cortá-los.
Quem também apostou na falácia de que mais armas nas ruas trarão mais segurança foi o PT, cuja bancada no Senado — com exceção de Lindbergh Farias  — engrossou os votos da bancada da bala.
Com o apoio maciço das bancadas co-irmãs que integram o chamado BBB (bala, boi e bíblia), outras iniciativas contra o estatuto têm grande potencial de sucesso. O deputado federal Afonso Hamm (PP-RS) —  recém-inocentado em inquérito por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha — apresentou projeto de lei que libera a venda de armas para proprietários rurais com mais de 21 anos. Já o deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), autor de projetos como o que proíbe a tatuagem nos olhos e o que institui o Dia da Legítima Defesa, simplesmente propõe a anulação do Estatuto do Desarmamento.
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Bancada da Bala posa para foto.

(Foto/Divulgação)
A preocupação com a segurança pública é plenamente justificada quando se tem uma das maiores taxas de homicídios do mundo, mas não é colocando mais armas em circulação que o problema se resolverá. É muita ingenuidade acreditar que criminosos irão se intimidar com cidadãos armados e recusar o bangue-bangue. Ou imaginar que guardas de trânsito atirando nas vias após um rápido treinamento trará segurança para as cidades. Um cidadão reagir a um assalto é sempre arriscado. Percebam que até este capitão da reserva considerou prudente não reagir, mesmo estando armado:
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Recorte do jornal A Tribuna do dia 5 de julho de 1995.

(Imagem/Reprodução)
A frase de Alexandre de Moraes, que soava apenas como mais um cacoete autoritário, hoje se mostra uma profecia. Enquanto a ciência brasileira está à míngua, homens financiados pela indústria de armas esbanjam mais poder do que nunca. A manifestação de 23 vencedores do Prêmio Nobel não vale um fio de cabelo do BBB. O Brasil dos sonhos de Moraes está a pleno vapor.