quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O KKKK descontrolado do bolsonarismo estúpido, por Cesar Calejon


 Note que, invariavelmente, estas pessoas se articulam, seja via redes sociais ou presencialmente, com uma sonora risada (kkkk) para iniciar, desenvolver ou concluir determinada ideia. Seja como for, o KKKK está sempre presente. Mesmo quando o assunto é trágico ou desagradável.


O KKKK descontrolado do bolsonarismo

por Cesar Calejon, no GGN

A ascensão do bolsonarismo no Brasil do século XXI promoveu uma reorganização da estrutura social brasileira, não somente nos âmbitos político e social coletivo (trabalho, clube, mercado etc.), mas no cerne das famílias e das relações afetivas das amizades mais próximas. Melhores amigos brigaram. Tios e sobrinhas discutiram. Pais e filhos se desentenderam aos gritos. Foi um período muito conturbado para a sociedade brasileira em geral. Desta forma, você tem um amigo bolsonarista ou conhece alguém que votou no ex-capitão em 2018, certamente. Todos temos ou conhecemos. Mais de cinqüenta e sete milhões de brasileiros disseram sim para os valores de Jair Bolsonaro nas urnas.
Repare este seu amigo ou conhecido por um instante. Note que, invariavelmente, estas pessoas se articulam, seja via redes sociais ou presencialmente, com uma sonora risada (kkkk) para iniciar, desenvolver ou concluir determinada ideia. Seja como for, o KKKK está sempre presente. Mesmo quando o assunto é trágico ou desagradável.
De acordo com mestres e doutores em psicologia, três condições clínicas centrais causam o riso descontrolado em situações inapropriadas: (1) um tipo de epilepsia conhecida como gelástica (caso do personagem do filme Coringa), (2) estados extremamente agudos de ansiedade ou (3) um quadro clínico psicótico mais grave. De qualquer forma, o riso descabido está associado com certo nível de perda de contato com a realidade.
Dadas as devidas proporções, o deboche que o KKKK do bolsonarismo traduz também representa certa ausência de compreensão dos fatos ou simplesmente pura ignorância e falta de vontade para se instruir.
Faz sentido. A ascensão do bolsonarismo no Brasil do século XXI foi viabilizada por meio de uma plataforma política absurdamente racista, homofóbica e misógina. Jair Bolsonaro, ainda enquanto candidato, disse que preferiria ver o filho “morto” caso o próprio progênito fosse homossexual, afirmou que quilombolas “não servem nem para procriar” e que a sua única filha mulher foi resultado de uma “fraquejada” durante o momento da concepção. Já como presidente do Brasil, Bolsonaro garantiu que os brasileiros deveriam “fazer cocô dia sim, dia não”, para ajudarem na questão ecológica. Além disso, ideólogos do bolsonarismo defendem, assiduamente, que a ciência moderna não serve para nada e que a terra é plana, por exemplo.
Como justificar tais colocações? KKKK. Naturalmente, o riso compulsivo e fora de contexto deve servir como única ferramenta para defender colocações desta natureza.
O simbolismo presidencial que o bolsonarismo avança não resiste ao escrutínio do iluminismo, da razão, da liberdade política e da ciência moderna. Ele precisa do absolutismo e das suas características ultrapassadas para continuar forte perante a (falta de) noção de que todos os temas públicos podem ser resolvidos por meio de deboche como se estivéssemos em uma grande mesa de bar o tempo todo. Bem como faz, muitas vezes, o brasileiro médio quando se sente contrariado ou meramente desconhece determinado tema. E haja KKKK para defender tantos impropérios.
Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e escritor, autor do livro A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI

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