domingo, 26 de janeiro de 2020

Sobre a Lava Jato: Como uma operação que começa no Brasil leva a Petrobras a ser processada nos EUA dando início ao fim da mesma e a destruição da Enegenharia Nacional e ao Golpe antidemocrático de 2016?




Nos últimos 5 anos, a Petrobras recebeu da Lava Jato um ressarcimento de R$ 4 bilhões. Mas perdeu 4 vezes mais do que isso só em multas para evitar julgamentos em solo norte-americano
Este é o primeiro de um total de cinco vídeos que compõem a série “Lava Jato Lado B – A influência dos EUA e a indústria do compliance”
Por Luis Nassif e Cintia Alves, do GGN
A Lava Jato já foi definida na mídia internacional como uma benção e, ao mesmo tempo, uma maldição para os brasileiros.
Uma benção porque revelou o esquema de corrupção que existiu nas entranhas da Petrobras. Mas, por outro lado, a operação devastou a economia e comprometeu a democracia brasileira.
Uma presidente caiu, outro foi preso e impedido de disputar a eleição em 2018, e um terceiro chegou ao poder com a ajuda da principal estrela da operação, que depois ganhou o cargo de ministro da Justiça. Tudo porque a Lava Jato criou a tempestade perfeita que levou a política nacional ao colapso.
Nos últimos 5 anos, a Petrobras recebeu por meio da Lava Jato um ressarcimento de 4 bilhões de reais. Mas perdeu cerca de 4 vezes mais do que isso só em multas para evitar julgamentos nos Estados Unidos.
O que mais existe por trás dessa operação que rompeu fronteiras, desmontou a política do pré-sal e ameaça a estabilidade e a democracia na América Latina?
Como uma operação que começa no Brasil conseguiu colocar a Petrobras no banco dos réus nos Estados Unidos?
É o que vamos mostrar na série especial “Lava Jato Lado B – A influência dos EUA e a indústria do compliance.”

CAPÍTULO 1 – COMO A ANTICORRUPÇÃO SE TORNOU BANDEIRA POLÍTICA DOS EUA

As perdas da Petrobras nos Estados Unidos se devem à montagem de uma estrutura global dedicada ao combate à corrupção, que cresceu exponencialmente após o atentado às Torres Gêmeas, levando o País a se tornar uma espécie de polícia do mundo.
Essa estrutura foi construída a partir de três leis e duas instituições que vamos abordar neste capítulo.
As leis permitem investigações contra estrangeiros mesmo quando os crimes não têm origem nos Estados Unidos.
Já as duas instituições fundaram uma notável rede de cooperação internacional, um arranjo que alguns críticos consideram inconstitucional porque desrespeita a soberania dos estados nacionais.
LEI #1: FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT (FCPA), A LEI DE PRÁTICAS CORRUPTAS NO EXTERIOR
FCPA é a sigla em inglês para Lei de Práticas Corruptas no Exterior, usada pelas autoridades norte-americanas para processar empresas e pessoas de praticamente qualquer parte do mundo. Para isso, basta que o crime investigado tenha algum vínculo com o País.
Por exemplo: se o dinheiro passou por um banco norte-americano ou se a empresa investigada vende ações na Bolsa de Nova York, os Estados Unidos se julgam habilitados para agir.
Foi assim que eles entraram no escândalo da Fifa. E, além da Petrobras, também processaram a Odebrecht, a Braskem, a Embraer, a alemã Siemens, a francesa Alstom, a holandesa SBM Offshore, entre outras empresas.
“Isso é porque se passar por um banco americano vira assunto interno americano. Esse exemplo que você deu mostra a força dos EUA. Houve a denúncia da Fifa e uma das consequências disso, compra de imóveis ou transações financeiras via bancos americanos, fez com que o Departamento de Justiça ficasse autorizado a atuar dessa maneira. E eles têm uma força tal que prenderam na Suíça nacionais de outros países, inclusive do Brasil”, explica o ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa.
A FCPA foi criada no final dos anos 1970, em resposta a um esquema de corrupção envolvendo a Lockheed Martin, empresa responsável por grandes sucessos da aviação, incluindo caças da segunda guerra mundial.
Apesar de ter sido acusada de distribuir mais de 3 bilhões de dólares em propina na Itália, Holanda e Japão muitas décadas atrás, a Lockheed sobreviveu e faz parte do império militar norte-americano. O combate à corrupção não quebrou a empresa.
Hoje a FCPA é aplicada pelo Departamento de Justiça, no campo criminal, e pela Comissão de Valores Mobiliários, no âmbito civil e administrativo.
Foi por conta da atuação dessas instituições que a Petrobras assinou, em 2018, um acordo de 853 milhões de dólares com o Departamento de Justiça, para não ser julgada nos Estados Unidos, depois das revelações da Lava Jato.
LEI #2: A CONVENÇÃO DA OCDE
No final dos anos 1990, os Estados Unidos pressionaram e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, haprovou a Convenção Antissuborno.
Na prática, foi uma forma diplomática encontrada pelos Estados Unidos para levar os princípios da lei anticorrupção norte-americana a outros países.
Entre eles, o Brasil, que ratificou o acordo em 2000, se comprometendo a combater o pagamento de propina a agentes públicos em transações internacionais.
A Convenção inspirou o Brasil a criar, em 2013, a Lei 12.846, a nossa própria Lei Anticorrupção, que abriu caminho para o uso da delação premiada nos termos que transformaram a Lava Jato no que ela é hoje.
LEI #3:  SARBANES-OXLEY ACT (SOX)
No início dos anos 2000 o mundo assistiu à explosão de uma das muitas bolhas especulativas que sacudiram a economia global. Foi neste ambiente que começaram a pipocar escândalos contábeis, e um dos maiores foi o caso Enron.
O grupo gigantesco, líder em distribuição de energia, foi denunciado em 2001 por manipular o balanço com o propósito de esconder as dívidas e inflar os lucros.
As investigações respingaram em bancos e na auditoria Arthur Andersen, uma das mais prejudicadas no processo.
A condenação contra a auditoria foi revertida quando o processo chegou em tribunal superior, mas o estrago já estava feito. Os mais de 100 mil trabalhadores da empresa foram reduzidos a apenas 200 depois do escândalo.
Em 2002, foi a vez da WorldCom se envolver num julgamento que custou 30 mil empregos e mais de 100 bilhões de dólares em perda de valor de mercado.
O Congresso reagiu a esses casos que envolveram setores importantes da economia criando a Lei Sarbanes-Oxley, conhecida como SOX.
Seu objetivo é evitar a fuga de investidores por causa de crimes financeiros e contra o mercado de capitais, tudo entendido como falta de governança nas empresas.
Por isso, a lei obriga a contratação de auditorias independentes e a criação de controles internos para reduzir a ocorrência de fraudes.
Estamos falando do que pode ser considerado o embrião do compliance, uma palavra que a Lava Jato ajudou a popularizar no Brasil.
Compliance pode ser entendido como a adoção de um conjunto de regras que previnem desvios nas empresas.
Para cumprir com as determinações da SOX, a Petrobras mantém uma espécie de ouvidoria que recebe denúncias de qualquer tipo de irregularidade que possa vir a causar danos ao patrimônio da estatal ou prejuízo aos acionistas.
Foi por este canal que chegaram alertas sobre problemas em refinarias, incluindo a polêmica em Pasadena.
Como consequência da falha no controle interno, investidores estrangeiros moveram contra a Petrobras uma ação coletiva nos Estados Unidos, e conseguiram um acordo de quase 3 bilhões de dólares.
A SOX entrou em vigor pouco tempo depois do atentado das Torres Gêmeas, um acontecimento que não só mudou o conceito de segurança do Departamento de Estado norte-americano, como também fez da luta anticorrupção uma maneira de intervir na economia global.
“Acho que há uma série de fatos históricos que vai mudando. O fim da Guerra fria faz mudar, a questão do comunismo deixa de ser central, é mais uma questão de geopolítica mais ampla. O que o 11 de setembro acrescenta fortemente é a guerra contra terror, que tem uma dimensão ligada à corrupção, de certa maneira, por causa da lavagem de dinheiro”, afirmou o ex-chanceler Celso Amorim.
“Eu achava que aquele ataque às torres iriam ter profundas consequências não só na sociedade americana, mas na política externa americana. Foi isso o que ocorreu. Você teve uma psique americana que ficou alterada”, acrescentou Rubens Barbosa.
O atentado também produziu um apagão nos direitos civis depois que o governo Bush assinou um decreto batizado de Lei Patriota, em outubro de 2001.
“Eu dizia na época que era o Ato-5 dos Estados Unidos. O Ato-5 aqui foi esse Patriot Act americano, que deixava todos os direitos garantidos pelas Constituições suspensos. O governo americano poderia interferir na correspondência, endereços, e-mails, telefone, correspondências. Foi uma reação violenta”, pontuou Barbosa.
O decreto vinha com a promessa de aprimorar o combate ao terrorismo, mas na prática também acabou com freios e contrapesos que dificultam abusos nos tribunais e nas agências de segurança.
E nenhum outro setor contribuiu mais para a selvageria que se instalou no País do que a Seção de Integridade Pública do Departamento de Justiça.
INSTITUIÇÃO #1 – Setor de Integridade Pública do Departamento de Justiça
Esse departamento é uma espécie de unidade anticorrupção de elite, com dezenas de promotores encarregados de investigar autoridades públicas.
Uma das figuras mais polêmicas é Andrew Weissmann, um ex-promotor que liderou inquéritos de grande repercussão na imprensa nas últimas décadas, passando pelo caso Enron até chegar à Petrobras.
Enquanto Weismann esteve no Departamento de Justiça, técnicas nada ortodoxas foram desenvolvidas e depois incorporadas pela Lava Jato.
Como, por exemplo, o uso da mídia para escandalizar conduções coercitivas; a ocultação de provas e ameaça a testemunhas de defesa, além do uso intenso de prisões que acabam em delação premiada.
O emblemático caso Ted Stevens
Uma das mais graves violações que já ocorreram na história da seção de Integridade Pública do Departamento de Justiça atingiu o ex-senador republicano Ted Stevens.
O caso lembra um pouco o que aconteceu com o ex-presidente Lula na Lava Jato.
Stevens era o senador mais antigo dos Estados Unidos, tinha mais de 40 anos de vida pública quando foi acusado de receber milhares de dólares em presentes de um amigo pessoal, que também era sócio de uma das maiores empresas de petróleo do Alasca.
O empresário foi associado à reforma de uma cabana que pertencia a Stevens, que foi transformada num modesto chalé de dois andares no meio de uma zona florestal.
No decorrer do julgamento, descobriram que a empresa que fez as melhorias teria se aproveitado da situação para superfaturar o valor da obra.
Mas os promotores criaram outra narrativa, uma que sustentava crime de corrupção.
Stevens acabou condenado em primeira instância em 2008, e não conseguiu se reeleger. Foi o fim da sua carreira política.
O jogo só começou a virar quando um agente do FBI denunciou erros e abusos cometidos por investigadores durante o processo.
A força-tarefa escondeu provas e até testemunhas da defesa, e levou ao júri indícios de culpa que depois foram considerados uma fraude pela Justiça.
O juiz Emmet Sullivan derrubou a sentença em 2009 e mandou investigar a atuação dos promotores. Em crise, o próprio Departamento de Justiça pediu desculpas a Stevens e reconheceu que a ação da força-tarefa foi irresponsável e deveria ser apurada.
Stevens morreu num acidente de avião em 2010.
Logo depois, um dos promotores, afastado do cargo por causa dos abusos, cometeu suicídio.
Essa má conduta que marcou o caso Stevens não é exatamente uma novidade.
A operação Enron já havia inaugurado esse perfil de promotor que acredita que os fins justificam os meios.
E o fato é que investigar e punir esses desvios não é regra, é exceção.
Andrew Weissmann, por exemplo, seguiu normalmente com sua vida de estrela no Departamento de Justiça, até decidir abandonar o cargo público e retornar à advocacia privada, em outubro de 2019.
Durante anos, ele acumulou críticas de setores da mídia pelo histórico de violações.
Algumas são retratadas no livro “Autorizado a mentir”, escrito pela ex-promotora Sidney Powell.
No caso Enron, por exemplo, houve situações desumanas, como o relato de um ex-executivo que ficou trancado numa “gaiola infestada de insetos, com apenas uma fenda de luz”.
Muitos investigados enfrentaram meses de prisão e alguns, até de solitária, e receberam ameaças contra seus familiares, até decidirem cooperar com o Departamento de Justiça.
INSTITUIÇÃO #2 – DHS, o Departamento de Segurança Interna
Em 2002, depois do atentado às Torres Gêmeas, da criação da Lei Patriota e da SOX, os Estados Unidos fizeram uma outra grande mudança na estrutura anticorrupção.
Eles criaram o DHS, o Departamento de Segurança Interna, que tem um objetivo muito claro: manter a América segura.
Com orçamento estimado em 40 bilhões de dólares, as 22 agências desse departamento juntam todos os serviços de inteligência e compartilham informações obtidas através de espionagem.
Seus 240 mil funcionários são capacitados para responder à ameaça terrorista, em chamados internos, nas fronteiras ou no campo cibernético.
“Uma das razões pelas quais não foi detectado esse ataque [às torres gêmeas] é porque não havia comunicação entre os órgãos de segurança e informação. Se eles tivessem um sistema ágil de comunicação. Se tivessem melhor aparelhados… Isso é uma grande potência que tinha essas vulnerabilidades. A curto prazo foi criado o Departamento de Defesa Interna, que centralizou essas informações todas as agência americanas estão subordinadas ao Homeland Department”, comentou Barbosa.
Juntos, o DHS e a Agência Nacional de Segurança, a NSA, formam o núcleo de proteção dos Estados Unidos.
Uma das primeiras parcerias entre o DHS e as autoridades brasileiras aconteceu durante a operação Banestado, que contou com a participação do ex-juiz Sérgio Moro e de outros agentes da Lava Jato.
No capítulo 2 dessa série (assista aqui), veremos como a relação com os Estados Unidos se intensificou nos últimos anos, a ponto de respingar em interesses nacionais.
LAVA JATO LADO B (2019)
Argumento: Luis Nassif
Roteiro, pesquisa e entrevistas: Luis Nassif e Cintia Alves
Imagens e edição: Nacho Lemus
Locução: Marco Aurélio Carvalho Coordenação geral: Cintia Alves e Lourdes Nassif
Colaboradores: André Sampaio (entrevista Mark Weisbrot) e Zé Bernardes (imagens Pedro Serrano)
Agradecimento especial: Estúdio do Criar Brasil.

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