quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

O bolsonarismo coloca no centro da pauta a contradição capital x trabalho e expõe a natureza perversa do sistema, o qual necessita do arbítrio, da violência, para se manter.




Bem-vinda polarização!

por Francisco Celso Calmon

No meu primeiro artigo deste ano, O que pode nos esperar em 2020?, cometi um equívoco digno do troca-letra,  no caso, troca conceitos, ao pensar uma coisa e escrever outra. Felizmente um leitor do GGN chamou atenção nestes termos:
Marcos Videira (1) Concordo 100%: “O maior erro foi não reconhecer na prática a soberania popular e não ter priorizado a formação, organização e protagonização do povo brasileiro na gestão dos governos de esquerda”. Se RECONHECERMOS esse erro fundamental, então podemos mudar a ação política e seus resultados.
(2) Discordo 100%: “A força do capitalismo é inversamente proporcional à fraqueza política do povo”. A relação é DIRETAMENTE proporcional. Por isso temos que investir na formação de cidadãos, como defende Mujica.
O conceito correto pode ser formulado de duas formas:  A força do capitalismo é inversamente proporcional à força política do povo, ou a força do capitalismo é diretamente proporcional à fraqueza política do povo. E capitalismo no sentido de um sistema econômico, social e político.
A leitura do artigo em sua totalidade permite ao leitor compreender que fora um lapso, e não que pensasse assim como equivocadamente digitei.
Leitores como o Marcos Videira ajudam no debate, há os que ficam incomodados com o texto, porém em vez de contraditá-lo procuram desqualificar o autor com adjetivos estilo bolsonarista. 
Saúdo o contraditório como cortejo a polarização política atual como muito bem-vinda.
Quando a polarização era PT x PSDB também havia críticas, e sempre haverá daqueles que não estão em um dos opostos. A rigor, não passa de uma retórica dos que sempre desejaram excomungar o PT da vida política.  O PSDB está caidinho. O MDB atual espera sinal da biruta para saber por onde caminhar. A extrema-direita se fortaleceu com o bolsonarismo e no outro polo está o PT e os partidos democratas e de esquerda.
Sendo a polarização entre o Estado democrático de direito e o Estado policial, entre a civilidade e a barbárie, entre a inclusão social e a exclusão, entre a concentração de renda e a distribuição justa da riqueza que o país produz, entre o estado de bem-estar-social, descrito no artigo terceiro da Constituição,  versus o estado a serviço dos interesses do mercado rentista, o PT estará galvanizando um dos polos.
Ciro Gomes quando ataca, com a fúria que lhe é própria, a um dos lados da polarização, está procurando entrar na polarização, ou seja: puxando a polarização entre ele e um dos lados, para tanto é preciso que os apoiadores de um dos lados o acolham.
O governo bolsonarista, com suas torres principais – Guedes e Moro -, representa um projeto de implantação do capitalismo de desastre, implementador  das diretrizes do chamado Consenso de Washington, cuja crença ideológica é a de que a lógica do mercado resolve os problemas sociais por si, isto por um lado; por outro, no uso do arbítrio para garantir as políticas antissociais, sem   contestação, sem indignação, sem as forças opositores nas ruas.
O bolsonarismo coloca no centro da pauta a contradição capital x trabalho e expõe a natureza perversa do sistema, o qual necessita do arbítrio, da violência, para se manter.
Por extensão, democracia e capitalismo são estrategicamente antagônicos. Enquanto o capitalismo é excludente, a democracia é includente. Enquanto o capitalismo é concentrador de renda, a democracia é pela distribuição da renda. Enquanto a democracia prega a convivência dos contrários, o capitalismo emprega a violência para manter a opressão e exploração do capital sobre a força do trabalho.
Para os ingênuos arautos da conciliação, a contradição principal do sistema entre capital e trabalho pode assustar.  Para os que desconhecem a história do país pode surpreender. Para os que esqueceram a história universal da espécie humana, pode também ser uma desilusão na crença de uma humanidade que nunca existiu, salvo em utopia. 
Com Trump na gestão do imperialismo norte-americano ressurge às claras a contradição entre o sistema capitalista e os sistemas alternativos, como China, Cuba, Coreia do Norte, Vietnam, Rússia. 
O sistema capitalismo se move pela busca incessante do lucro e sua maximização, sistemas alternativos se movem pela busca do bem-estar e satisfação humana de seus cidadãos. 
O desmonte da União Soviética não significou a excomunhão do socialismo como um sistema alternativo ao capitalismo. Nenhuma teoria ao ser aplicada na prática é materializada cem por cento como descrita. Ademais, enquanto a correlação de forças, principalmente econômicas, pender para os EUA e seus aliados estratégicos, haverá enormes dificuldades de implementação de um sistema fora de sua órbita capitalista, pois além de golpes, violência, guerras hibridas, o usa do embargo econômico é uma asfixia de médio e longo prazo a um país. Contudo, a China se transformando na maior economia, a Rússia continuando a superar seus problemas e a América do Sul resistindo a não se transformar em quintal do EUA, abre-se uma avenida para a um novo norte para a humanidade.
A disputa ideológica não é nefasta, devemos encarar e fazê-la. A intelectualidade de esquerda é melhor preparada para essa refrega do que os atuais defensores do sistema capitalista. A luta pela hegemonia ideológica só se alcança travando o embate.
A polarização pode transformar a indignação silenciosa em revolta ativa.
Francisco Celso Calmon é Advogado, Administrador, Coordenador do Fórum Memória, Verdade e Justiça do ES; autor do livro Combates pela Democracia (2012) e autor de artigos nos livros A Resistência ao Golpe de 2016 (2016) e Comentários a uma Sentença Anunciada: O Processo Lula (2017).

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